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Pandemia: o que fazer os jovens "nem-nem"?
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Colunista de Economia, Neila Fontenele já foi editora da área e atualmente ancora o programa O POVO Economia da rádio O POVO/CBN e CBN Cariri.

Pandemia: o que fazer os jovens "nem-nem"?

É uma urgente uma saída para para a geração que nem estuda nem trabalha. No anos passado, no Ceará, três em cada dez jovens de declararam nessa situação
Tipo Opinião
Giuseppe Mário Cocco, cientista político (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Giuseppe Mário Cocco, cientista político

A pandemia provocou severos impactos no mundo do trabalho. Quem tinha menos idade e estava tentando conseguir um emprego e, ao mesmo tempo, continuar os estudos foi quem sofreu um peso maior. Do total de 495 mil desempregados no Ceará em 2020, 268 mil eram jovens, segundo o estudo "O impacto da pandemia na juventude cearense", realizado pelo Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT).

No Ceará, no pacote de efeitos cruéis causados pela crise sanitária, está a elevação da quantidade de jovens que nem trabalham, nem estudam. Conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc), três em cada dez jovens no Ceará, no ano de 2020, disseram nem trabalhar nem estudar, o que representa uma parcela bem significativa da população local.

"A magnitude desse processo exige a adoção rápida de políticas que estimulem a geração de emprego, trabalho e renda, especialmente para os mais vulneráveis, haja vista os perigos existentes e documentados na literatura sobre as situações que atingem os jovens não economicamente ativos, as quais podem ir da exclusão social até a criminalidade", reforça o trabalho nas suas considerações finais.

Essa é uma questão que precisa de investimentos e deve ser revertida com urgência. Afinal, o mercado de trabalho muda com velocidade e o nível de exclusão tende a aumentar, caso nada seja feito logo.

Entrevista >> Giuseppe Mario Cocco

Trabalho mobilizado fora do emprego

Diante das transformações do mundo do trabalho, o que permitirá a empregabilidade? O cientista político Giuseppe Mario Cocco, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, tem analisado essas mudanças. Doutor em História Social pela Universidade de Paris e pós-doutor pela Paris I em Psicologia Social, ele é autor de diversos livros, como "New Neoliberalism and the Other: Biopower, Anthropophagy, and Living Money", com Bruno Cava.

Em entrevista ao Guia Econômico, da Rádio O POVO/CBN, Cocco falou sobre reformas, emprego em plataformas e o redesenho do mundo do trabalho a partir das possibilidades criadas pelos algoritmos. A seguir, os melhores momentos da entrevista.

Giuseppe Mário Cocco, cientista político(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Giuseppe Mário Cocco, cientista político

O POVO/CBN - Há investimentos altíssimos dos governos para trazer indústrias, com incentivos fiscais, ainda dentro de um modelo fordista/taylorista. Mas ainda vale a pena esse tipo de esforço? Ainda teremos esse tipo de emprego?

Giuseppe Cocco - É difícil criticar esses tipos de projetos e políticas que visam criar emprego industrial de qualidade, em particular em estados e regiões com problemas históricos de subdesenvolvimento, subemprego e informalidade, mas a eficácia dessas políticas deve ser cada vez menor. Há 30, 40 anos, assistimos uma tendência de mobilizar o trabalho sem criar uma relação salarial. Por um lado, a relação salarial do tipo fabril, chão de fábrica, tende a ficar nos países que têm grande massa de trabalhadores e não tem liberdade de organização sindical. A tendência é organizar o trabalho sem criar relação de emprego assalariado ou do tipo chão de fábrica.

O POVO/CBN - A pandemia acelerou isso?

Giuseppe Cocco - Se viu na pandemia toda a potência dessa dinâmica. Do ponto de vista estrutural, vimos a desaceleração da atividade econômica, amenizada pela possibilidade de uma presença a distância. Há uma ambiguidade desses processos e a tendência é continuar. Nem todo trabalho voltará a ser presencial como antes: atividades de ensino, pesquisa, oficinas, seminários... várias atividades continuarão a distância.

O POVO/CBN - Teremos novos impactos nos espaços urbanos?

Giuseppe Cocco - Ocorrerão impactos que não vemos agora no espaço urbano, na organização, na relação entre periferia e bairros dormitórios, no centro de negócios. Existe a possibilidade de acesso a estruturas que permitam, perto da sua casa, conseguir conexão. Poderão existir formas híbridas e outras que a gente nem vê, com formas mais avançadas de trabalho técnico e intelectual. De repente, você poderá trabalhar em empresas que estão no Texas, por exemplo.

O POVO/CBN - A concorrência pelo trabalho vai mudar também? Isso vai exigir uma formação diferente das pessoas? Teremos de pagar para ter empregabilidade?

Giuseppe Cocco - No novo modelo de empregabilidade, o melhor emprego é aquele que não acontece, no sentido de que é preciso se manter sempre empregável. Isso significa que, para alguém poder trabalhar, precisamos ter, na nossa própria figura intelectual e corpórea, um certo capital social e intelectual. Isso significa conectividade, um certo nível de formação e, para isso, é preciso investir ou ter acesso a serviços que proporcionem isso. Haverá também um impacto urbano, que vai influenciar na circulação.

O POVO/CBN - Há uma tendência de desregulamentação do trabalho?

Giuseppe Cocco - Pode haver uma flexibilização, perda de direitos e formalidades, e desregulamentação generalizada, o que já está acontecendo; mas pode ter também uma outra dinâmica. Pode-se demandar serviços públicos de qualidade: grande lutas sociais, como a de 2013, ou como a que aconteceu no Chile antes da pandemia, começaram sobre a questão do transporte. Quando se trabalha com essa circulação, o transporte público não é mais uma questão de reprodução, de como você se vira depois que trabalhou. O transporte público se transforma em uma questão fundamental de como você trabalha. A moradia também se torna em uma condição de como é que a gente trabalha, e a renda também. Agora, na pandemia, uma das grandes discussões de política pública foi o auxílio emergencial. Um debate que surge é o da renda universal, que não passa mais pelo emprego.

O POVO/CBN - Diante disso, os jovens terão como se aposentar ou serão fadados a trabalhar até morrer?

Giuseppe Cocco - A estrutura que nós temos para a aposentadoria é com base na idade e na expectativa de vida. É uma estrutura com base em um trabalho que já não existe mais. Por isso, as reformas da previdência que estão acontecendo no mundo todo tem um lado ideológico de projeto, mas também uma necessidade de adaptação material ao fato de que a esperança de vida é muito maior e trabalhamos muito mais tempo. Não temos mais aquela massa de jovens que pagam a aposentadoria dos outros por solidariedade; as reformas não podem vir apenas pelo aumento do tempo de trabalho. O que pode vir com isso é uma reformulação da proteção social, no sentido de dizer que todo esse trabalho que acontece pelas plataformas e que é móvel, ele implica em uma remuneração fixa básica, sem a qual ocorrerá uma degradação das condições de vida, da coabitação democrática e das condições de produção de riqueza. Em todos os países avançam formas de renda que reconheçam o fato de que estamos trabalhando o tempo todo.

 

A tendência é de que o trabalho se mobilize por fora do emprego, porque a tecnologia permite, com possibilidade de expressão infinita

 

O POVO/CBN - Mudam as lutas previdenciárias?

Giuseppe Cocco - É nesse sentido que é possível negociar as reformas previdenciárias: nos termos do reconhecimento de que o tempo ativo e inativo do trabalho vão se misturando cada vez mais nessa aceleração algorítmica, que é a grande novidade dos últimos 10, 15 anos, e que permitiu as plataformas. Vimos na pandemia que já estava tudo lá. Havia uma virtualidade na qual nós entramos quase sem saber no uso dos aplicativos, que transformam hábitos.

O POVO/CBN - Não escapamos mais do emprego em plataformas ou do empreendedorismo? Os planos de carreira dentro das empresas acabaram?

Giuseppe Cocco - Isso é coisa do passado, mas não significa que não exista ainda. Essas transformações não são imediatas, nem homogêneas. Existem nichos e situações em que ainda é possível ter um plano de carreira mas, do ponto de vista do modelo e do paradigma na direção na qual estamos indo, cada vez mais teremos menos. Do ponto de vista das atividades mais protegidas, com mais formação, hoje elas podem acontecer a partir de qualquer lugar do mundo. A tendência é de que o trabalho se mobilize por fora do emprego, porque a tecnologia permite, com possibilidade de expressão infinita.

O POVO/CBN - E como encarar isso?

Giuseppe Cocco - Ou pensamos que vamos bloquear isso proibindo ou pensamos que vamos enfrentar isso tentando pegar a potencialidade, como foi o caso da pandemia. Os direitos que permitem produzir esse capital pelo qual somos empregáveis, eles precisam produzir esses direitos antes da relação salarial. Hoje temos um circuito cerebral que pensa os direitos como direitos trabalhistas; os direitos trabalhistas são os direitos do trabalho que temos depois de estar empregados. Hoje, ao contrário, teremos atividades que dependem dos direitos que temos antes, que precisam ser reformulados. Quanto melhor a educação, conectividade, capacidade e conhecimento, mais teremos um inserção nessa nova dinâmica.

Publicação trata das mudanças no humanismo(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Publicação trata das mudanças no humanismo

Livro

A Revolução do Amor

O livro "A Revolução do Amor - por uma espiritualidade laica", escrito pelo filósofo francês Luc Ferry e publicado no Brasil pela editora Objetiva, trata das metamorfoses do humanismo, das ondas de pessimismo e do que dá sentido à nossa existência. O autor coloca o amor não mais como uma experiência íntima, mas como fonte para reorganização de valores. Uma das forças mais revolucionárias do mundo moderno, na visão de Ferry, é o amor aos filhos, que não precisa de nenhuma explicação racional.

Breves

EMERGÊNCIA - As cidades de Paramoti e Jaguaribara constam na lista dos municípios dos quais o Governo Federal reconhece o estado de estiagem. A Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Ministério do Desenvolvimento Regional) publicou, esta semana, portaria identificando os territórios onde é reconhecida a situação de emergência.

ENCONTRO - O presidente do Sinduscon-Ceará, Patriolino Dias de Sousa, está convocando os empresários da construção civil para participarem do 93º Encontro Nacional da Indústria da Construção (Enic), que acontecerá de 18 a 21 de outubro, das 17h às 21h. Esse ano, um dos pontos de discussão é a gestão de dados como estratégia da empresa.

SUPERAÇÃO - O Sebrae também realizará, de 13 a 15 de outubro, a jornada da superação. O evento é online e gratuito, com palestras sobre vendas e finanças, com a participação da educadora financeira Carol Dias.

CAMPANHA - A Avine Alimentos lançou uma nova campanha para divulgar sua variedade de produtos, mostrando os diferenciais dos diversos tipos de ovos. O trabalho faz parte do projeto de reposicionamento da marca.

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