
Neila Fontenele é editora-chefe e colunista do caderno Ciência & Saúde do O POVO. A jornalista também comanda um programa na rádio O POVO CBN, que vai ao ar durante os sábados e também leva o nome do caderno
Neila Fontenele é editora-chefe e colunista do caderno Ciência & Saúde do O POVO. A jornalista também comanda um programa na rádio O POVO CBN, que vai ao ar durante os sábados e também leva o nome do caderno
Imagine a cena: você, em um check-up de rotina, sem quaisquer sintomas preocupantes, recebe a notícia de que possui marcadores biológicos de Alzheimer e que a doença pode se desenvolver nos próximos 25 anos, embora tenha 57% de chance de isso não acontecer.
As recentes descobertas sobre o Alzheimer, especialmente com a identificação de marcadores como a proteína tau e a formação de placas beta-amiloides no cérebro, têm revolucionado o campo da neurologia. Exames de sangue, ressonâncias magnéticas e análises do líquido cefalorraquidiano podem agora indicar uma probabilidade, maior ou menor, de desenvolver a doença.
Para a ciência, isso é fenomenal. A detecção precoce abre portas para o desenvolvimento de novas medicações e tratamentos que, embora ainda em aprimoramento, visam retardar ou até mesmo prevenir o aparecimento dos sintomas. As formas de prevenção, amplamente discutidas em eventos como o Brain Congress, em Fortaleza, são as mesmas recomendadas para uma vida saudável: exercícios físicos regulares, dieta rica em vegetais e frutas, controle da pressão arterial e diabetes, e a manutenção da mente ativa através de leitura, jogos e novos aprendizados.
No entanto, para o indivíduo, essa informação pode ter um peso esmagador. Nossas projeções de futuro são, em geral, recheadas de planos e esperança: uma viagem, um novo projeto, a construção de uma família. Receber a notícia de uma predisposição a uma doença neurodegenerativa sem cura, mesmo que com décadas de antecedência e sem garantia de que se manifestará, pode se transformar em ansiedade e angústia.
Viver sob a sombra de uma doença tão devastadora, ainda que hipotética, pode roubar a tranquilidade do presente. Diante desse cenário, os profissionais de saúde se veem em um dilema ético complexo. A forma como essa informação é comunicada ao paciente é crucial. Não se trata apenas de entregar um resultado de exame, mas de avaliar a capacidade do paciente e de sua família de absorverem e lidarem com essa notícia.
É uma responsabilidade imensa jogar essa "bomba" no colo de alguém, especialmente quando as medicações mais eficientes ainda estão no horizonte. Os médicos precisam ponderar o benefício potencial de um planejamento preventivo contra o custo psicológico de conviver com uma ameaça que pode nunca se concretizar. O diálogo empático, o apoio psicológico e a análise individualizada do perfil do paciente tornam-se ferramentas tão importantes quanto os próprios exames de detecção.
Em um mundo onde a ciência avança a passos largos, o desafio é garantir que o conhecimento traga mais alívio do que angústia. A questão permanece: até que ponto a antecipação de uma possibilidade, por mais embasada que seja, contribui para uma vida melhor?
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