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"Eu resolvo": entre o pragmatismo e a manipulação
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Neila Fontenele é editora-chefe e colunista do caderno Ciência & Saúde do O POVO. A jornalista também comanda um programa na rádio O POVO CBN, que vai ao ar durante os sábados e também leva o nome do caderno

Neila Fontenele ciência e saúde

"Eu resolvo": entre o pragmatismo e a manipulação

O pragmatismo de escolhas femininas diante de palavras vazias
Tanto o flerte virtual quanto o que ocorre pessoalmente têm prós e contras (Foto: Reprodução/Freepik)
Foto: Reprodução/Freepik Tanto o flerte virtual quanto o que ocorre pessoalmente têm prós e contras

Dia desses, em uma conversa no Uber, a motorista resolveu me contar um pouco sobre sua vida amorosa. Muito simpática, ela relatou algumas de suas decepções e como passou a lidar com situações difíceis.

No caso dos flertes online, por exemplo, ela ressaltou: "não encaminho fotos; quero saber primeiro como a pessoa pensa e se comporta". Em meio a muitas risadas sobre situações vividas, a motorista começou a avaliar as frases mais românticas.

De todas as cantadas e frases sedutoras, segundo ela, mais apaixonante do que "eu te amo" ou "você é linda", é a seguinte expressão: "eu resolvo".

Indaguei a razão de tanto pragmatismo, e as respostas foram inusitadas: 1) a falta de ação do público masculino, que estaria mais acomodado, esperando atenção e cuidados das mulheres, e oferecendo pouco em troca; e 2) seria uma prova concreta de amor, e não uma promessa.

Continuei com minhas indagações sobre os riscos de se ter um parceiro tão solícito. Afinal, quando alguém resolve algo por você, provavelmente fará isso do próprio jeito, o que nem sempre resolve o seu problema.

A gentileza e a colaboração entre amigos, namorados, maridos e esposas são sempre bem-vindas, mas é preciso pensar no que se repassa para o outro e, ao mesmo tempo, no que se abre mão diante das experiências vividas.

Lembrei-me do conto do Barba-Azul, narrado por Clarissa Pinkolas Estés no livro "Mulheres que Correm com os Lobos". No capítulo "A mulher ingênua como presa", é apresentada uma parte dos temores femininos diante das abordagens de possíveis predadores prontos para seduzir.

No conto de fadas, o Barba-Azul é um personagem ambíguo, e o casamento com ele também é apresentado como um símbolo da busca por um novo status, através do qual se abre mão de um certo cuidado familiar.

Quero deixar claro que acredito em boas relações amorosas, mas o problema do "eu resolvo" é: ele não é garantia de nada, e pode ser apenas uma estratégia de manipulação. Minha amiga motorista concordou com a observação, mas, em meio a risadas, disse que era um valor mais importante do que o apresentado pelos pretendentes bonitinhos.

Entre gargalhadas e brincadeiras sobre cantadas e expressões sedutoras, muitas verdades são ditas, assim como muitas expressões são vazias. Minha amiga motorista usou a estratégia avaliada por muitos linguistas e analisou, sem saber, um ato ilocutório compromissivo: "eu resolvo".

Ela preferiu abrir mão de possíveis promessas para avaliar comportamentos concretos. Talvez esse seja um dos caminhos para minimizar os desenganos gerados pelas ilusões em meio a tanta violência contra mulheres.

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