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Ao alcance da mão
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Nello Rangel é psicólogo, arte-terapeuta, consultor e um apaixonado pela literatura de Guimarães Rosa

Nello Rangel comportamento

Ao alcance da mão

Um filósofo já disse: "O simples guarda o enigma, que é grande e permanente". Eu completaria a frase dizendo " E está ao alcance da mão."
Tipo Análise
Infância, de Nello Nuno (Foto: Acervo Pessoal)
Foto: Acervo Pessoal Infância, de Nello Nuno

O grupo de terapia estava bem deprimido. Resolvi iniciar a reunião perguntando algo que eles gostavam muito e que há muito tempo não faziam.

- Como assim?

- O que você gosta muito e há muito tempo não faz?

- Mas que tipo de coisa? Viajar pro exterior, por exemplo?

- Não. Uma coisa mais simples. Pequena mesmo. Que seja muito fácil de fazer. Mas que, mesmo assim, há muito tempo você não faz.

- Eu gosto de sorvete de creme e há muito tempo não como.

- Isso. Esse exemplo está ótimo. Sorvete de creme vende em todo lugar. Nem precisa comprar o potão. Pode comprar uma bola só.

- Pois é. Gosto muito. E, sei lá... deve ter muitos anos que não como.

- Por quê?

- Taí uma boa pergunta. Não sei o porquê.

- Pois eu gosto de conversar com Tia Babita e tem um tempão que não converso com ela.

- Ela mora longe?

- Mora no mesmo quarteirão que eu, tá velhinha. Sempre penso em ir lá. Mas acabo não indo.

- Eu gosto de andar de bicicleta.

- Eu de mangaba, uma fruta da minha terra, no norte de Minas.

- Eu de dobradinha.

- Tem gosto pra tudo...

E foi disparando. Cada um dizendo de uma pequena coisa, de um detalhe, de uma miudeza, todas simples, ao alcance da mão, mas que já há muitos anos não eram feitas. Mas lembrar também é uma forma de viver. E narrar é uma forma de lembrar. E um dizia, um outro escutava, achava graça. E lembrava de alguma coisa que também gostava, que achava bonita. E que podia até pegar, se quisesse.

Agora o grupo já tinha outro tom. Semblantes mais leves, olhares trocados. Uns caçoando amorosamente dos outros.

Por fim, na saída da reunião cada qual levava uma sugestão. Fazer, antes do próximo encontro, aquilo que gostava e não fazia a tanto tempo.

Para a semana seguinte consegui comprar, no Mercado Central, um bom punhado de mangaba. É como uma manga pequena, porém mais azedinha. O grupo todo provou. Alguns gostaram mais, outros menos. Mas para aquele, que era do Norte de Minas, a frutinha era um mel dos deuses. Ele levou para casa, todo alegre, uma sacola cheia de mangabas. E o endereço da loja onde poderia comprar mais, quando acabasse.

Um filósofo já disse: “O simples guarda o enigma, que é grande e permanente". Eu completaria a frase dizendo “ E está ao alcance da mão.”

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