
Nello Rangel é psicólogo, arte-terapeuta, consultor e um apaixonado pela literatura de Guimarães Rosa
Nello Rangel é psicólogo, arte-terapeuta, consultor e um apaixonado pela literatura de Guimarães Rosa
Logo no início da sua primeira consulta, Gabriel explicou:
- Que meus pais se queixem do meu consumo de drogas, já estou acostumado. Que minha namorada e meus amigos se queixem também, não me surpreende. Mas quando meus colegas de coca começaram a falar que eu estou exagerando, que vou ter uma “over”, achei que estava na hora de procurar um psicólogo.
Gabriel estava com 25 anos. Morava com os pais. Parou de estudar ainda no ensino médio. Não trabalhava.
Começamos a terapia. Logo nas consultas iniciais, ele falou de uma poupança que sua mãe fazia há anos, para ajudá-lo um dia. Durante alguns meses conversamos sobre negócios que poderiam se iniciar com esse dinheiro. Até que Gabriel resolveu contar que esse dinheiro não existia.
- Mas por que eu menti pra você? Faz um tempão que eu queria falar a verdade. Mas tinha vergonha. E menti pra você, meu psicólogo, que está tentando me ajudar! Não consigo entender o porquê disso.
- Você mentiu para mim porque você tem certeza de que se não me desse esse atenuante para o seu caso – você ter um dinheiro para começar alguma coisa - até eu perderia a esperança em você. Seus pais já perderam a esperança em você. Seus amigos também. Até você mesmo já não acredita que consiga se reerguer, acha que mais cedo ou mais tarde vai pôr tudo a perder. Você pensou que se não me desse essa falsa conta bancária eu também desistiria de você. Eu também não veria saída possível para a sua situação.
E Gabriel era capaz de grandes viradas.
Em um ano e meio ele conseguiu formar-se no ensino médio e passar no vestibular de administração. Os pais fizeram então uma bela festa de aniversário para ele, maravilhados. Fui convidado e compareci.
"A estátua ficaria ótima. Mas seria melhor se vocês cortassem a cabeça da estátua - apesar do meu lindo penteado! - e colocassem no seu lugar a cabeça de seu filho."
Chegando à casa eles me disseram:
- Vamos fazer uma estátua sua e colocar aqui no jardim, em sua homenagem!
Ri muito. E agradeci.
- Acho mesmo apropriado. Eu me pareço, pelo penteado, com São Francisco de Assis (Tenho algo assim como uma auréola natural). A estátua ficaria ótima. Mas seria melhor se vocês cortassem a cabeça da estátua - apesar do meu lindo penteado! - e colocassem no seu lugar a cabeça de seu filho. Foi ele quem fez. Foi ele quem conseguiu.
Os pais, em silêncio, consentiram.
O tempo passou, Gabriel formou-se e foi trabalhar em São Paulo. Ganhou bastante dinheiro e montou uma empresa que funcionou bem durante uns 8 anos. Mas, por uma série de dificuldades, quebrou. Gabriel então voltou à Belo Horizonte, desempregado e endividado.
Os pais se organizaram para pagar suas dívidas e lhe deram uma mesada para que ele pudesse dividir as despesas do apartamento com a esposa, que já havia conseguido trabalho. E ele começou a procurar serviço ou alguma oportunidade de montar um novo negócio.
Mas, então, viciou-se em um jogo on-line. Estava muito ocioso e ansioso, aflito com a situação. E o jogo era muito bom! Relaxava. Mantinha-o pensando nele o tempo todo, distanciando sua cabeça das angústias e dificuldades. E era viciante mesmo. Gastava horas jogando. E se sentia mal depois, pois poderia estar cavando alguma oportunidade profissional. Mas, para piorar ainda mais, começou a gastar dinheiro com o jogo, comprando pacotes de complementos, para manter-se entre os mais competitivos. E gastou muito dinheiro com isso, se endividando bastante novamente. Seus pais ainda não tinham acabado de pagar suas dívidas da cocaína.
"Gabriel já está trabalhando. Está também iniciando alguns projetos empresariais próprios. Tem um filho agora. É cara muito legal, muito querido pelos pais, amigos, esposa e filho. E segue tentando."
Sua esposa não sabia. Seus pais não sabiam. E nem seu psicólogo. Só depois de alguns meses é que contou para mim, quando a nova dívida já estava grande.
- Mas de novo!? Não menti, é verdade, mas não lhe contei. Por quê?
- Pelo mesmo motivo: Você acha que eu perderia a esperança em você, que eu desistiria de você. Você mesmo está se tentando a desistir de si, ao cavar esse buraco pra depois pular dentro. É um tipo de profecia autorrealizável, na qual você tenta provar que nada dará certo, que você nunca vai dar certo. O que acha que vai acontecer quando toda a verdade aparecer?
- Acho que minha esposa vai desistir de mim. E meus pais também.
- E dessa forma a profecia se realizaria. “Tá vendo? Eu sabia que não ia dar certo. Eu sou todo errado. No fim acabo com tudo!” E não é assim. Nunca vi alguém abandonar a cocaína com tanta rapidez e determinação. Nem se recuperar nos estudos em prazo tão curto. E reconstruir toda uma vida. Quebrou, tá certo. Isso acontece. E você pode começar de novo. Você é bom em grandes viradas.
Gabriel já está trabalhando. Está também iniciando alguns projetos empresariais próprios. Tem um filho agora. É cara muito legal, muito querido pelos pais, amigos, esposa e filho. E segue tentando.
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