
Nello Rangel é psicólogo, arte-terapeuta, consultor e um apaixonado pela literatura de Guimarães Rosa
Nello Rangel é psicólogo, arte-terapeuta, consultor e um apaixonado pela literatura de Guimarães Rosa
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- Vou ser jubilado na UFMG. Perdi todos os pontos que poderia perder. Acabou tudo.
Wilson demorara quatro anos para passar no vestibular de engenharia elétrica. De família simples, formou-se técnico em eletrônica e começou a peleja para entrar na federal.
Estava arrasado.
- Acabou tudo.
Contou com detalhes os muitos anos de luta e frustração com o tão difícil curso. Contou também de sua dificuldade de estudar. Ao final do relato perguntei:
- Você já avaliou se tem TDAH?
- O que?
- TDAH. Transtorno de déficit de atenção com hiperatividade.
- O que é isso?
- Você tem muitas características indicativas deste transtorno. E se tiver esse problema, sua dificuldade para se formar pode ser compreendida de uma outra forma.
- Agora é tarde...
- Talvez não seja. Vamos fazer uma avaliação? E se houver indicativos fortes, sugiro fazer uma avaliação psiquiátrica. Se o psiquiatra confirmar, pedimos para ele um laudo, eu faço outro laudo, você os leva a UFMG e pede revisão do seu processo, para que você possa tentar o curso agora devidamente medicado e fazendo terapia.
Assim foi feito. O colegiado suspendeu o processo e Wilson teve uma segunda chance.
Ano e meio depois, faltando dois semestres para concluir o curso, ele disse:
- Não estou conseguindo estudar de novo. Mesmo tomando Ritalina.
Voltou ao médico, que aumentou a dose. Não funcionou. Ficou ainda mais ansioso.
- A Ritalina perdeu o efeito. Fiquei resistente. O médico falou que não posso mais tomar. E agora? Faltam matérias bem difíceis e o trabalho de conclusão do curso. Vou ser jubilado de novo.
- Podemos tentar outros caminhos. Sugiro que você faça um treinamento de Vipassana.
- O que é isso?
- É uma das técnicas mais aprofundadas de meditação. É a Ferrari das meditações.
- Mas você já tentou me ensinar a meditar e eu não consegui.
- É. Mas Vipassana é mais radical, mais forte. E agora você tem uma grande motivação para tentar. Veja o site. Normalmente é nas férias, dez dias num sítio, meditando dez horas por dia, sem celular, tv, praticamente sem conversar. Você vai desenvolver a habilidade de controlar muito melhor sua ansiedade e, principalmente, no seu caso, a capacidade de focar sua atenção, conscientemente, no que você quiser. É uma alternativa para você conseguir estudar no ano que vem. E vem com um tanto de bônus para a sua vida que você nem imagina.
- Mas eu não tenho dinheiro.
- Não tem problema. No mundo inteiro é feito da mesma forma. No último dia quem pode contribuir para a realização do próximo encontro deixa um valor qualquer em cima de uma mesa. Quem não pode não deixa nada. Quem não gostou, também não.
Wilson se matriculou e seu curso coincidiu com minhas férias. Na sua primeira consulta, assim que voltei de viagem, eu não sabia nem se ele conseguira terminar os dez dias sem abandonar o processo.
Quando abri a porta do consultório a expressão do seu olhar respondia minhas dúvidas. Me lembrei da expressão de pessoas depois de aprenderem a meditar, exposta em fotos da postagem anterior.
Antes seu olhar tinha algo de tenso, uma ansiedade quase que permanente, uma dor guardada visível a quem o observava com cuidado. Agora era quase que completamente tranquilo, sereno, relaxado.
- E aí? Concluiu a Vipassana? Gostou?
- Concluí! Adorei! Maravilhoso! Mudou minha vida!
Das três pessoas que conheço que concluíram a Vipassana ele era a segunda que dizia ter mudado de vida. A restante foi um pouco mais enfática e disse "salvou minha vida."
- Oitenta pessoas participaram. Só uma desistiu porque não conseguiu ficar sem fumar. Maravilhoso. Mudou minha vida.
- Só ela fumava?
- Não. Metade fumava. Todos pararam. Menos ela.
Mês passado Wilson mandou uma mensagem, marcando nova consulta. Havíamos suspendido a terapia alguns meses atrás, pois ele estava bem. Na consulta contou que se formou. Está com alguma angústia, frente a perspectiva de conseguir seu primeiro emprego de engenheiro eletricista, numa economia em crise como a do nosso país.
Mas aquele olhar permanece em seu rosto.
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