Nello Rangel é psicólogo, arte-terapeuta, consultor e um apaixonado pela literatura de Guimarães Rosa
Nello Rangel é psicólogo, arte-terapeuta, consultor e um apaixonado pela literatura de Guimarães Rosa
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Cinco minutos depois da eliminação do Brasil da copa do mundo o paciente envia a mensagem:
- Estou aqui, sozinho em casa e gargalhando. Isso é normal?
Respondo:
- Certamente, é um surto psicótico. O que, na nossa situação atual, é normal.
E ele gargalha.
Muita coisa aconteceu nos últimos tempos. Uma pandemia terrível, milhares de mortos, pessoas isoladas em casa, morrendo de medo.
Tenho dois filhos adolescentes que passaram o auge dessa época de descobertas dentro de casa e distantes dos amigos.
Passamos por isso tudo com um governo que adiava o início da vacinação, ironizava o desespero alheio, semeava paranoia e ódio.
Aí, quando a vacinação avança, mesmo por entre tantas sabotagens, e a doença parece arrefecer, vem uma guerra, o recrudescimento da inflação em todo o mundo e uma campanha eleitoral de singular violência, atrozes mentiras e tratamento a adversários como se inimigos fossem e merecessem a eliminação física.
Para completar amigos queridos, parentes e conhecidos vociferam apoio ao neofacismo, à extinção da democracia e do estado de direito. Alguns desses, sumamente inteligentes e capazes, tentam atenuar os absurdos e a violência vigentes nas ações do ex-presidente, para justificar sua não adesão aos movimentos de resistência ao nefando mandatário, multiplicando dessa forma nosso pasmo e terror.
Então, voltando ao paciente, reitero:
- Meu caro amigo, depois de tudo que passamos, confirmo convictamente tratar-se de um benigno surto psicótico absolutamente normal e razoável frente a tudo o que aconteceu e ainda acontece conosco. Ficaria assustado verdadeiramente se você não estivesse surtado.
- Mas então estamos perdidos?!?
- Na Copa, sim. Agora, só daqui a 4 anos. Na vida, não. Estamos só espantados. E supersticiosos diante da esperança.
Acho que esse poema que escrevi reflete um pouco meu sentimento nesse momento que atravessamos:
Do que poderias me servir tu, alegria,
justo agora, justo aqui, tu,
tão perdida, voltas, desvalida?
Que motivo, que visão,
qual paraíso descobriste, distraída?
Desrespeito sim, surgir agora, sem preparo.
Aspirina furtada,
de algum enxaquecoso descuidado.
Mas, se comigo estás, a lembrar-me
do que ainda há,
de bonito, de verdade,
abraça-me, meu bem.
Toma-me em teu colo,
abre-me as lembranças mais doces
do antes, do agora.
Lembra-me do tempo largo.
Mira meus olhos no adiante que,
por detrás da fumaça,
ainda vislumbrável,
promete.
Meu amor, acolhe-me,
por favor.
Mas tenta abrir um pouco mais os teus braços
e ajuda-me a alcançar mais alguns,
trazê-los para perto,
nesse acolhimento afetuoso.
Obrigado, querida,
estávamos todos precisados.
Mesmo se pequena, fugidia, infantil.
Ou maiorzinha, amorosa, encarnada,
vem.
E, se possível,
não demores.
E não permitas que eu me embarace,
desconfiado que sou
com o inesperado
de tua presença.
É só que estou desacostumado
de esperar
Finalizo, amigos leitores, com meus votos um natal singelo e feliz, onde nos lembremos do que tão lindamente disse João Guimarães Rosa: “Minha senhora dona! Um menino nasceu! E o mundo tornou a começar.”
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