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Vamos falar um pouco sobre superstição?
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Nello Rangel é psicólogo, arte-terapeuta, consultor e um apaixonado pela literatura de Guimarães Rosa

Nello Rangel comportamento

Vamos falar um pouco sobre superstição?

O homem supersticioso se agarra a respostas simplificadoras ao invés de parar e pensar as perplexidades da vida.
Tipo Análise
Foto: Acervo do autor "Cartas Iluminadas", de Anamélia Lopes

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Em tempos de chupa-cabras, discos voadores, proliferação de seitas, astrólogos que orientam presidentes, poderes de-mentes, bruxas, programadores cerebrais, duendes e magos, pensar a superstição se torna necessário. Contudo, trata-se de empreendimento delicado, posto que as pessoas não estão, em geral, dispostas a renunciar à pseudo-segurança que suas crenças supersticiosas fornecem.

Para ilustrarmos esta hipótese desejamos lembrar a entrevista publicada na revista VEJA, com o físico inglês Robert Matthews. Ele pesquisou a “lei de Murphy”, aquela segundo a qual, se algo tem chance de dar errado, vai dar errado mesmo. Estudou assim as torradas que insistem em cair com a manteiga virada para baixo, a chave que insiste em não ser a correta para a fechadura, a fila escolhida que insiste em ser mais lenta que as outras. E comprovou que nossas chateações cotidianas não decorrem de “uma grande conspiração contra o bem estar da humanidade, mas de princípios científicos simples”, frutos não da sorte ou azar, mas de probabilidades matemáticas e leis da física. E apesar deste serviço em prol da desmistificação foi agraciado com o prêmio Ig Nobel, para pesquisas consideradas inúteis.

Por que esse prêmio? Lembremos que lhe foi concedido por importante universidade americana. Será que não perceberam nenhuma serventia na desmistificação que a pesquisa sugeria? Será se estereotipadamente consideraram o assunto imbecil - estudar torradas com manteiga - e não se deram ao trabalho de considerar a extensão de suas consequências? O autor aparentemente não se ofendeu. Ficou satisfeito com a divulgação inesperada de seu trabalho. Mesma sorte não teve Espinosa, como veremos em outra coluna.

O pensamento supersticioso é baseado em ideias prontas e crenças à priori, não sujeitas à refutação pela experiência. Transita por conceitos categóricos, taxativos e totalizantes. Na superstição não existe espaço para o talvez. E nesse sentido a superstição é uma forma de pensar estereotipado.

A palavra estereotipia vem do francês stére, derivado do grego stereós (sólido, firme). Diz respeito a técnicas de impressão, onde se convertem em formas sólidas (clichê) as páginas que primeiramente foram compostas em caracteres móveis. Ou seja, remete a uma transformação do que era móvel em uma forma compacta, fixa. Estereotipar tem nesse contexto o significado de tornar fixo, inalterável. Na estereotipia, o aspecto da realidade que não se encaixar no já preconcebido é excluído, não é considerado.

A superstição tem características de um modo de pensar estereotipado: lida com características fixas e imutáveis; nega a complexidade e mutabilidade da realidade (neste sentido, a superstição foi definida por Adorno como “opinião infectada”, que se revela nas afirmações categóricas irresponsáveis, do tipo “toda mulher dirige mal”, ou “todas as pessoas são egoístas”.); privilegia a busca do que já está pré-determinado num futuro qualquer, em detrimento da incerteza e indeterminação do por vir humano; refuta alteração dos seus preconceitos quando confrontada com uma realidade diversa da que pregava.

A superstição pressupõe a concepção de um mundo governado por forças misteriosas, onde tudo está definido e faz parte de um destino preestabelecido. É deste modo um pensamento conservador, que visa manter uma ordem hierárquica, considerada como fora do tempo humano e da história, uma ordem sagrada e inquestionável.

Na superstição as coincidências são hipervalorizadas e tomadas como sinais e avisos. Acontecimentos fortuitos, como fazer aniversário no mesmo dia que outra pessoa, são considerados indícios marcantes de algo misterioso e especial. É um pensamento reducionista, quando considera que os fatos têm uma única causa suficiente, que tudo explica e justifica, negando assim a multifatoriedade. Onde há alguma contiguidade a superstição vê logo uma relação de causa-efeito. Se a pessoa melhora da gripe foi em virtude da benzedeira e não de uma remissão espontânea de seus sintomas. O homem supersticioso se agarra a respostas simplificadoras ao invés de parar e pensar as perplexidades da vida.

Voltaremos ao tema na próxima semana.

 

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