
Nello Rangel é psicólogo, arte-terapeuta, consultor e um apaixonado pela literatura de Guimarães Rosa
Nello Rangel é psicólogo, arte-terapeuta, consultor e um apaixonado pela literatura de Guimarães Rosa
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Ezra Pound escreveu esta poesia em Piza, Itália, em suas próprias palavras “na gaiola de ferro, cercada de lama”, em 1945. Era então prisioneiro dos americanos, que não sabiam o que fazer com esse tão famoso compatriota. Considerado por muitos como um dos maiores poetas americanos, Pound se mudou para a Itália na década de 30 e, durante a Segunda Grande Guerra, passou a apoiar ostensivamente o fascismo fundando até uma rádio para concluir o seu intuito.
Com a guerra se aproximando de seu fim os americanos invadiram a Itália e receberam Pound aprisionado pela resistência italiana. Como ele apoiou fascismo, agora era considerado um traidor pelos americanos e, como tal, deveria julgado e, provavelmente, fuzilado. Mas como fuzilar o Carlos Drummond deles?
Os americanos não sabiam como resolver o imbróglio. Então Pound, enquanto esperava a definição da própria sorte, prisioneiro numa jaula de ferro, cercada de lama, em Piza, escreveu este canto.
O que amas de verdade permanece,
o resto é escória
O que amas de verdade não te será arrancado
O que amas de verdade é sua herança verdadeira
Mundo de quem, meu ou deles ou não é de ninguém?
Veio o visível primeiro, depois o palpável
Elísio, ainda que fosse nas câmaras do inferno,
O que amas de verdade é tua herança verdadeira
O que amas de verdade não te será arrancado
Mais tarde a solução dada pelos americanos foi internar Ezra Pound em um manicômio. Definido como louco e, por isso mesmo, inimputável, ficou recolhido no hospital por mais de dez anos. Foi a solução que arrumaram para não o executar.
O que amas de verdade permanece,
o resto é escória
O que amas de verdade não te será arrancado
O que amas de verdade é sua herança verdadeira
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Elísio, ainda que fosse nas câmaras do inferno,
O que amas de verdade é tua herança verdadeira
O que amas de verdade não te será arrancado
Quantas vezes, no meu consultório, recitei de memória, esse pequeno trecho do canto 81, para algum paciente profundamente desesperançoso? Inúmeras. Mas certamente tantas quanto recitei para mim mesmo esse poema, em meus próprios momentos de desespero.
Tentava lembrar aos pacientes, tentava lembrar a mim mesmo, que mesmo na situação de maior desesperança o que fosse proveniente do amor, de verdade, permaneceria. O que eu tivesse feito tentando fundar-me no amor, verdadeiramente, não me seria arrancado.
Algumas coisas realmente têm fundamentos. Algumas escolhas geram, de verdade, raízes muito profundas. A vida de uma pessoa pode não acabar, sempre, diluída no nada. O fundamento, a raiz, o que impede a dissipação de tudo recebe o nome de amor.
E permanece.
Lembro-me que costumava também, no final das consultas nas quais usava o trecho do canto 81, fechar a consulta com um escrito que nos deixou Santo Agostinho e que eu também recitava de cor.
“Ama. E faz o que quiseres. Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos.”
A meu ver, o único fundamento verdadeiro do cristianismo original. E uma bela forma de se construir raízes profundas e sólidas.
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