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Democracia perde Ulysses
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Democracia perde Ulysses

Cai no mar o helicóptero em que Ulysses Guimarães e Severo Gomes VIajavam com suas esposas O corpo continua desaparecido e o presidente Itamar Franco ainda não decretou luto oficial

O Salvaero encerrou ontem, no início da noite, as buscas no mar, no local onde caiu o helicóptero que conduzia o deputado Ulysses Guimarães, o ex-senador Severo Gomes e as esposas dos dois políticos: Três corpos foram resgatados junto aos destroços do aparelho, mas somente o do piloto Jorge Comeratto foi identificado até o momento. Aos 46 anos de idade, Comeratto era considerado por seus colegas um dos melhores pilotos de helicóptero de São Paulo. O presidente Itamar Franco ainda não decretou luto oficial. O corpo de Ulysses será velado no Congresso Nacional


Busca do corpo de Ulysses continua hoje

Parati (RJ) - O Comando de Busca e Salvamento Aéreo da Aeronáutica (Salvaero) encerrou ontem as buscas aos ocupantes do helicóptero, prefixo PT-HMK, em que viajavam o deputado Ulysses Guimarães, o ex- senador Severo Gomes e suas esposas, dona Mora e dona Ana Maria Henriqueta Gomes, depois de encontrar três corpos no mar, junto aos destroços do aparelho, a cinco quilômetros da cidade paulista de Ubatuba, litoral norte.

O helicóptero voou apenas 80 quilômetros, por menos de 30 minutos. Assim que decolou do hotel Porto Gallo, entre Angra dos Reis (RJ) e Parati (RJ), o helicóptero passou pela divisa do Rio com São Paulo, encontrou uma forte tempestade, perdeu o controle e caiu no mar. Segundo o perito da Policia Civil de Angra dos Reis, Edayr Adolpho de Azevedo, o impacto contra as águas foi violento, representando um carro bater num poste a cem quilômetros por hora.

O primeiro corpo foi encontrado às 10h30min de ontem. Era do piloto Jorge Comeratto, que estava sem roupas e com as vísceras expostas. O corpo foi encontrado por acaso: o engenheiro civil, Adalberto Bueno Neto, morador em São Paulo, que tem casa no condomínio Laranjeiras, passeava de lancha com seus dois filhos e mais quatro garotos, quando avistaram algo estranho boiando a 300 metros da praia dos Antigos. Pelo rádio, comunicou o fato ao industrial paulista Arthur Vicintin, que estava em sua lancha nas proximidades. Trouxeram o corpo para o condomínio e comunicaram o fato à Polícia.

Por volta das 15h30min, na praia do Sono, a poucos metros da praia dos Antigos, foi encontrado o corpo do ex-senador Severo Gomes, sem uma das pernas, também sem roupa e também com os intestinos expostos. O terceiro corpo, o de uma mulher, ainda não identificada, foi encontrado poucos minutos após, em outra praia, a um quilômetro de distância.

As buscas voltarão a ser intensificadas hoje de manhã, quando tentarão localizar o deputado Ulysses Guimarães e a segunda mulher que estava no helicóptero. A Força Aérea Brasileira (FAB) já localizou nas proximidades uma das portas da aeronave e hoje deverá contar com a ajuda de mergulhadores.

O corpo de Ulysses Guimarães será velado no Salão negro do Congresso Nacional e depois seguirá para São Paulo, para o sepultamento e recebimento de homenagens. Isto foi acertado ontem entre os presidentes da Câmara, Ibsen Pinheiro (PMDB-SP), e do Senado, Mauro Benevides (PMDB-CE), com o Presidente em exercício, Itamar Franco, autoridades de São Paulo e a família de Ulysses.

O governador Ciro Gomes decretou, ontem, luto oficial de três dias pela morte do deputado Ulysses Guimariess.

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Morreu o deputado Ulysses Guimarães e junto com ele outro digno homem público brasileiro: o ex-senador Severo Gomes. Num momento como esse percebe-se que a atividade política pode ser um legado de valor inestimável para uma Nação quando exercida com dignidade e senso de serviço, como o comprova a história de duas importantes figuras, que o Brasil acaba de perder.

EDITORIAL

O Brasil chora neste momento a perda de duas figuras eminentes da vida política nacional: o deputado Ulysses Guimarães e o ex-senador Severo Gomes. Mais lamentável ainda porque a fatalidade ocorre justamente quando a presença de homens públicos de grande experiência e credibilidade torna-se uma exigência imperativa depois do vendaval de denúncias que varreu o mundo político nos últimos meses.

O deputado Ulysses Guimarães havia galgado uma posição de tal respeitabilidade, que ninguém deixaria de considerá-lo inscrito no panteão dos grandes nomes nacionais. É, sem nenhuma dúvida, o pai da moderna democracia brasileira, pois sem sua atuação desassombrada nos anos mais duros da repressão, certamente a saga democrática teria tido um caminho ainda mais tortuoso e difícil.

Quando se lançou anticandidato para denunciar a farsa da eleição presidencial de 1973, despertou ódios incontidos nas forças obscurantistas. Alguns chegaram até ao acinte de jogar cães policiais contra sua pessoa. Nada porém demoveu o velho guerreiro cujo brado de "navegar é preciso, viver não é preciso" tornou-se o catalisador do movimento de resistência democrática.

Graças a essa estratégia o MDB de então conseguiu infligir um grande susto ao regime nas eleições parlamentares que se seguiram. Quanto mais tentavam amesquinhar a figura do Dr. Ulysses, mais ela se agigantava no conceito do povo.

Na batalha pelas diretas, a liderança extravasou todos os limites, tornando-se o epicentro de uma gigantesca mobilização nacional durante a qual a Nação novamente se descobriu como entidade concreta e não mais apenas como vocábulo sonoro de uma retórica vazia.

O Brasil voltava a acreditar em si próprio e canalizava todas as suas energias para a construção de um projeto duradouro. A frustração que se seguiu à derrota das "diretas já" só não conseguiu fomentar uma nova ação desesperada dos órfãos da esperança graças à intervenção do "Sr. Diretas", que se aprestou a criar pontos através das quais seria possível ao povo atravessar o despenhadeiro da desesperança.

A aceitação da candidatura indireta de Tancredo Neves, no Colégio Eleitoral, jamais poderia ter sido engolida pela opinião pública nacional, se não fosse o aval do Dr. Ulysses. Essa postura de estadista, que abre mão de ambições pessoais, em nome de um projeto coletivo, só se tornaria mais explícita no episódio da morte de Tancredo Neves, quando deu seu placet para a posse de José Sarney, cuja contestação encontraria facilmente amplo respaldo na sociedade. Mas é, sobretudo, na presidência da Constituinte que a estrela do Dr. Ulysses chegaria ao apogeu e o transformaria num patrimônio nacional...

Dr. Ulysses morreu como desejava: em plena linha de combate. Em sua companhia estava outro homem público digno - o ex-senador Severo Gomes. Embora tenha sido ministro de governos autoritários, Severo Gomes soube corrigir sua rota, harmonizando-se com o restante da sociedade brasileira na luta pela restauração da democracia. Seus últimos anos de vida foram dedicados à proteção dos mais fracos, como os índios, depois de uma trajetória marcada pela defesa intransigente dos interesses nacionais. Ambos - Ulysses Guimarães e Severo Gomes deixam atrás de si o resgate da atividade política como algo digno de ser exercido pela atual e futuras gerações.

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