
A história do Ceará e do mundo desde 1928, narrada pelas lentes do acervo de O POVO
A história do Ceará e do mundo desde 1928, narrada pelas lentes do acervo de O POVO
Diante da perspectiva de ver o impeachment aprovado, por esmagadora maioria, no Senado, o presidente Fernando Collor renunciou ontem ao cargo, comunicando sua decisão num bilhete sucinto. Poucas horas depois, Itamar Franco prestava juramento, assumindo a Presidência da República em caráter definitivo. A renúncia de Collor não interrompe o processo por crime comum existente contra ele no Supremo Tribunal Federal e permite até que seja agilizado. Collor foi denunciado pelo Procurador-Geral da República, Aristides Junqueira, por corrupção passiva e formação de quadrilha.
Ex-Presidente recorrerá
em todas as instâncias
O ex-presidente Collor vai recorrer das decisões do Senado e do Supremo em todas as instâncias a que tiver direito, afirmou seu porta-voz, Etevaldo Dias.
Enquanto isto, o Ministro do Planejamento e Fazenda, Paulo Haddad, detalha hoje, após o discurso do presidente Itamar Franco, como o Governo executará seu programa econômico.
Indefensável, Collor renuncia
Numa sessão histórica e diante de uma inevitável condenação pelo Senado Federal em Brasília, Fernando Affonso Collor de Mello, 42 anos, renunciou ontem às 9h35min (horário de Brasília), ao mandato de Presidente da República, para o qual foi eleito há dois anos, nove meses e 14 dias. Ao contrário do dia 15 de março de 1990, quando recebeu a faixa do ex-presidente José Sarney, o agora ex-presidente Collor preferiu nomear seu advogado José Moura Rocha para ler um bilhete manuscrito, anunciando sua decisão.
Logo no início da sessão de julgamento um recado de Collor chegou ao plenário do Senado. Através de um emissário, que exibia um telefone celular, o recado chegou a Moura Rocha. O defensor chamou o senador Odacir Soares (PFL-RO), fiel aliado do ex-presidente, e comunicou-lhe que a carta de renúncia seria lida em seguida, por ordem do ex-presidente: Soares ainda teve tempo de avisar ao senador Affonso Camargo (PTB-PR) antes que a leitura da carta fosse concluída.
O bilhete, dirigido ao Presidente do Congresso, senador Mauro Benevides (PMDB-CE), foi sucinto: "Levo ao conhecimento de Vossa Excelência que, nesta data, e por este instrumento, renuncio ao mandato de Presidente da República, para o qual fui eleito nos pleitos de 15 de novembro e 17 de dezembro de 1989. A atitude de Collor surpreendeu mesmo os aliados mais fieis. "Foi um pé no saco", reagiu o senador Áureo Mello (PRN-AM), em conversa com um colega. "Sinto-me desconsiderado", confessou, irritado, o Senador Affonso Camargo.
A leitura da carta foi o momento mais tenso da sessão, que começou às 9h13min. O senador Pedro Simon (PMDB-CE), líder do Governo Itamar Franco, antes da leitura, percorria os estreitos corredores do plenário visivelmente preocupado. Jarbas Passarinho (PDS-PA), Senador que ocupou um Ministério de Collor, fazia prognósticos aflitos sobre a imagem do Brasil no Exterior: "Imagine se, daqui a alguns meses, a primeira dama (Rosane Collor) estiver atrás das barras?".
Logo após o anúncio da renúncia, surgiram os primeiros sinais de desanuviamento do clima da sessão. Passarinho virou-se para o senador Esperidião Amin (PDS-SC) e, sorrindo, indagou-o com o olhar, cobrando uma previsão que havia feito há pouco. Um dos defensores mais abertos da condenação de Collor, o senador Ronan Tito (PMDB-MG), comemorou com gestos de positivo, gesticulando com o polegar direito para os colegas.
A senha para Moura Rocha, nervoso e num linguajar pouco entusiasmado, foi dada pelo ministro Sydney Sanches, Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do processo de impeachment. Na presidência da sessão, o Ministro negou o pedido de adiamento do julgamento solicitado pela defesa em consequência da ausência de Thales Ramalho, uma das cinco testemunhas.
Sanches citou um dispositivo do Código de Processo Penal, disciplinando que as partes num processo precisam apontar com antecedência quais testemunhas são imprescindíveis, o que a defesa não fez. Moura Rocha protestou educadamente. A carta foi lida sem contestações. O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) ainda tentou levantar uma questão de ordem, sob protestos do senador Júlio Campos (PFL-MT). Em seguida, Sanches interrompeu a sessão para que o então vice-presidente no exercício da Presidência da República, Itamar Franco, tomasse posse.
EDITORIAL
A repercussão da renúncia do presidente Fernando Collor é o prato do dia da imprensa. O episódio era esperado, ninguém supunha que Fernando Collor tivesse estofo para enfrentar uma causa perdida. Se houvesse optado pela renúncia, logo ao início da CPI, teria poupado a Nação dos graves prejuízos sofridos em razão das longas démarches e seu gesto teria tido um laivo de dignidade. É a opinião do Editorial.
Desfecho tardio
Para a Nação ficou evidenciado que o sr. Fernando Collor não tinha o mínimo senso das responsabilidades recaídas sobre seus ombros, ao assumir a suprema magistratura nacional. Faltou-lhe o mínimo de noção sobre a dignidade do cargo ocupado, caso contrário teria poupado o povo brasileiro de um espetáculo mesquinho e degradante.
Houve hora para a renúncia quando os indícios de responsabilização do Presidente da República ainda se restringiam ao envolvimento de pessoas de seu círculo de confiança. Diante dessas primeiras evidências, um homem público com um mínimo de sensibilidade política teria oferecido um gesto de grandeza, que se não o redimiria pelo menos manteria a sua dignidade pessoal. O apelo feito pela Nação através de seus vários condutos, inclusive a imprensa, para que renunciasse, encontrou como resposta um comportamento arrogante e primário.
Durante meses o País teve a sua rotina transtornada pelo desfilar incessante de acusações e contra-acusações e, finalmente, pelas medidas protelatórias do Chefe de Governo, junto à Justiça, com o intento de barrar as investigações ou o processo de impeachment. Nesse ínterim, o povo brasileiro se apercebeu do lamaçal em que estava atolado a comando da Nação.
Felizmente, para todos, o processo político brasileiro já estava suficientemente maduro para absorver um trauma dessa ordem, sem se afastar o leito legal. É esse, certamente, o grande legado da tragédia: a lição de democracia dada pelo Brasil à comunidade internacional, principalmente à América Latina. Seria impensável, até pouco tempo atrás, imaginar que um país sul-americano pudesse enfrentar um problema dessa ordem, dentro dos condutos constitucionais democráticos. Não há dúvida de que saímos fortalecidos perante à opinião pública mundial.
Apesar de ter conseguido seguir todos os trâmites requeridos, o instituto do impeachment não consegue ser convincente como instrumento de salvaguarda da ordem democrática. Trata-se de mecanismo extremamente lento e complicado, além de perturbador da rotina de um País.
Nas sociedades dinâmicas de nossos dias, há uma exigência de decisões rápidas. Estas só podem ser oferecidas por um mecanismo ágil, capaz de retirar do poder, sem perda de tempo, governos que perdem a confiança da sociedade. Esse instrumento só vamos encontrá-lo no sistema parlamentarista (monárquico ou republicano). Se o impeachment só pode ser desencadeado quando um dirigente é flagrado em atos irregulares, o mecanismo do voto de confiança ou desconfiança - próprio do sistema de gabinete - pode ser acionado para derrubar, imediatamente, um governo, quando este não se torna mais merecedor da confiança dos cidadãos.
O desfecho do caso Collor permitirá à sociedade discutir com mais objetividade as vantagens e desvantagens do sistema de governo, que gerou um Fernando Collor e sua entourage. Essa discussão é imperativa quando estamos a três meses do plebiscito que permitirá as correções necessárias ao atual modelo institucional brasileiro.
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