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Elis morre, a música está de luto
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Elis morre, a música está de luto

A surpresa tomou conta do país quando se anunciou a morte repentina da cantora no auge da carreira, aos 36 anos. Naquele momento, o maior nome feminino da MPB
ELIS 1.jpg (Foto: opovo é história)
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Morreu ontem, em São Paulo, vítima de parada cardíaca, a cantora Elis Regina. Ela estava ao telefone, no apartamento, quando se sentiu mal e foi encaminhada ao Hospital das Clínicas, onde, mesmo atendida por 15 médicos, veio a falecer. O corpo está sendo velado no Teatro Bandeirantes e será sepultado hoje, às 11 horas.

A morte de Elis causa uma tristeza imensa, sobretudo no meio artístico. Com apenas 36 anos, era considerada a maior intérprete da música popular. Ontem, a Rádio FM do POVO apresentou o especial "Elis por Fagner" e deverá reprisá-lo hoje, às 22 horas. A vida de Elis, seu pensamento, sua morte.

Elis, mistério até na morte

A cantora Elis Regina morreu ontem após uma parada cardíaca, quando falava ao telefone com seu namorado, o advogado Samuel Macdowell Figueiredo. Advogado da família de Vladimir Herzog, ele, ao perceber que Elis começou a titubear durante a conversa: enrolando palavras, dizendo frases sem sentido chegando inclusive, a interromper o diálogo, foi correndo até o apartamento da artista, encontrando-a morta ao lado do telefone.

O advogado, embora acreditando na morte da cantora, telefonou para seu sócio, Marco Antonio Barbosa, que levou um médico ao local, na Rua Mello Alves, 668. Em seguida, Elis foi levada ao Pronto Socorro do Hospital das Clínicas, pouco mais de seiscentos metros da residência da cantora, onde uma equipe, sem sucesso, tentou reanimá-la, até com respiração boca-a-boca.

O IML, no entanto, irá realizar exames toxicológicos no sangue, urina e vísceras da cantora, pois há suspeitas de que ela ingeriu algum medicamento, provavelmente calmante, que teria levado a parada cardíaca. O laudo necrológico foi assinado pelo diretor do órgão, dr. Harry Shibata, o mesmo médico que registrou a morte de Vladimir Herzog (1975) como suicídio, nas dependências do DOI - CODI.

O jornalista Walter Silva, que lançou Elis Regina como cantora, informou aos inúmeros jornalistas presentes no IML que Samuel e Elis estavam namorando há algum tempo. Ontem, eles conversaram pela manhã, cerca de meia hora ao telefonar para Elis, quando aconteceu sua morte. A filha de Walter Silva, Celina, chegou ao apartamento da cantora ao mesmo tempo em que o advogado, e os dois descobriram o corpo ao lado do telefone.

Elis deu entrada no Hospital das Clínicas às 11h45min, foi levada ao IML às 13 horas e a autópsia foi realizada imediatamente. Samuel, Marco Antonio Barbosa e Celina que levaram Elis ao hospital ficaram em uma sala, negando-se a dar qualquer informação, o que foi feito através de Walter Silva. Um membro da equipe de Walter Silva na Rádio Excelsior, Aquiles, ligou às 10h45min para a casa de Elis. A empregada atendeu e informou que a cantora estava dormindo. Aquiles tornou a telefonar às 11h30min e desta vez, a informação foi de que Elis Regina havia saído com Celina. 

No Hospital das Clínicas, o superintendente da Instituição Primo Curti, disse que Elis deu entrada no local já morta, e que as medidas tomadas foram de reanimação e até ressurreição.

Elis mulher…

A música para Elis Regina estava acima de tudo. A vida sentimental andava muito bem. Encontrava-se novamente sozinha depois de 11 anos de casada, com o pianista e arranjador César Camargo Mariano (o primeiro foi Ronaldo Bôscoli).

Aos 36 anos, dois casamentos e três filhos, ela declarou: "Não estou preocupada em fazer uma avaliação de perdas e danos, nem rescaldos de incêndio. Isso não faz o meu género. Viver é melhor do que sonhar, por isso eu quero é mais". Cantar era tudo na vida de Elis e ela mesma justificava: "Cantar para mim é uma coisa séria, um sacerdócio. O resto é o resto. O meu futuro é cantar, pois quando ficar velha vão me colocar num palco e esta é a única coisa que vai me restar. Até meu filho, que tem 11 anos, já passa noites fora de casa. Dediquei minha vida a cantar e não tem homem, nem pai, nem mãe, que me tire disso. Quem atravessar no meio para dividir ou diminuir, vai ser atropelado como um trator passando por cima de uma margarida. Nada me segura quando o maestro conta quatro.

Aí danou-se. A catarse acontece no palco, tem até vomitórios"

As declarações de Elis sempre foram um reflexo de sua personalidade forte e impulsiva. Nada na vida dela era previsível. Nem mesmo a morte que tomou todos os brasileiros de surpresa. Sua inquietação é latente e ela mesma diz: "Eu tenho o prazer de me danar e me recompor sozinha. Não preciso de muletas".

Elis Regina atravessou épocas bem difíceis e apelou para a psicanálise. Mas, parou.

"Resolvi que nada mais me chateia, a não ser febre de menino. As pessoas ditas corretas são frustradas por não terem um tipo de vida como a minha. A perfeição é uma meta defendida pelo goleiro, já disse Gilberto Gil. Não estou preocupada com isso. Só quero levar adiante a minha vida sem machucar ninguém. É claro que continuo amarrando bodes e pagando caro o preço da liberdade. Tenho pânico de solidão, mas estou aprendendo a fazer mil coisas, até jogar paciência. A minha lucidez me leva às raias da loucura".

Conciliar o trabalho com a cobrança que os filhos faziam de sua presença ela dizia ser difícil "porque o encargo de estrela é pesado, mas pior ainda é o de mãe". Mas sobre o futuro dos filhos, era incisiva: "Eles que se virem como eu me virei. Meu pai era chefe de expedição numa companhia de vidros e minha mãe lidava com as prendas domésticas. Ninguém me valeu de nada. Meus filhos, pois, vão ter que se virar. Ferre-se o avião, que eu não sou o piloto".

Falavam muito de seu temperamento. Diziam que ela tinha uma violência nata. O compositor e poeta Vinicius de Moraes preferiria dar outra interpretação, e apelidou-a de "Pimentinha". A respeito de seu próprio temperamento, Elis opinava: "Se ser mau caráter e ser geniosa, exigente é não gostar de ser passada para trás, então eu sou."

Seu talento criativo nunca repetia sua vontade. E dizia: "Eu estou a fim de simplificar tudo, de ficar mais à mão da vida, das pessoas e dos meus amigos e de fazer o possível e o impossível para que o cotidiano não se instale, porque a coisa mais prejudicial para o desenvolvimento da carreira de um artista é ele entrar no cotidiano, aceitar o dia-a-dia como forma de vida. Eu acho, particularmente, que há um ser criador e absolutamente necessário para a criação. A paixão move o mundo. Pode ser que a paixão não te deixe com a tranquilidade das pessoas mais velhas. Elas vivem do amor e da amizade. Mas os seres mais jovens precisam de paixão e eu não me sinto uma pessoa tão velha assim".

Elis conduziu seu pensamento: "Tem dias em que eu me sinto com mil anos, mas tem dias em que eu tenho três. E eu quero aproveitar o máximo possível, esses três anos pra fazer um equilíbrio e ter os 36 agradáveis".

Elis Regina completaria 37 anos no próximo dia 17 de março.

ELIS, 25 ANOS ARTISTA

Elis Regina Carvalho da Costa, nascida em Porto Alegre em 17 de março de 1945, iniciou sua carreira musical aos 11 anos na Rádio Farroupilha. Após se estabelecer no cenário musical gaúcho, mudou-se para o Rio de Janeiro em 1964, assinando contrato com a TV-Rio. Sua ascensão nacional ocorreu em 1965, quando interpretou "Arrastão" no Festival da Música Popular Brasileira, seguido pelo lançamento do LP "Dois na Bossa" com Jair Rodrigues.

Após o programa "O Fino da Bossa" e experiências internacionais, Elis Regina consolidou sua carreira em 1970 com sucessos como "Madalena". No mesmo ano, a TV Globo estreou "Som Livre Exportação" e, em 1971, "Elis Especial". Seus álbuns subsequentes, incluindo "Águas de Março" (1972) e "Elis" (1974), gravado em Los Angeles, marcaram momentos significativos em sua trajetória musical. Com colaborações notáveis, como o LP "Elis & Tom" com Tom Jobim, ela deixou uma marca duradoura na música popular brasileira.

 

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