
A história do Ceará e do mundo desde 1928, narrada pelas lentes do acervo de O POVO
A história do Ceará e do mundo desde 1928, narrada pelas lentes do acervo de O POVO
* desde 1928: As notícias reproduzidas
nesta seção obedecem à grafia da época
em que foram publicadas.
A abolição da escravatura no Brasil, que hoje completa 100 anos, está sendo questionada pelos descendentes daqueles que foram submetidos ao cativeiro. Para o integrante do Movimento de União e Consciência Negra, Paulo Pereira Lima, referindo-se ao saldo deixado pelos 100 anos, "nos tiraram das condições subumanas das senzalas e nos colocaram nas misérias da favela". Estudos recentes no País admitem que o escravo tinha uma alimentação mais rica em proteínas e calorias do que a que se pode comprar hoje com o equivalente a 60 dólares mensais. Quando se celebra o centenário da Abolição, ao contrário de comemorações, a data merece uma profunda reflexão dos brasileiros sobre a situação do negro. Apenas as correntes foram tiradas, substituídas por outras mais visíveis como a discriminação e o preconceito, que grassam no País.
Vertical - Lei Áurea
Há um século, a princesa Isabel, no exercício do trono que pertencia ao pai, o imperador Pedro II, assinou a Lei Aurea, que formalmente acabou com a escravatura no Brasil, com atraso de decênios em relação a outros povos. Aliás, outras conquistas sociais, como a separação da Igreja do Estado e a existência do divórcio, também demoraram muito a ser introduzidas em nossa legislação.
Nesses 100 anos que ficaram para trás, o negro não se nivelou de todo ao branco como ser humano. Permaneceu como subalterno, desempenhando de preferência as funções mais humildes e menos presente nas universidades e nas atividades políticas. Numa Constituinte formada por 559 deputados e senadores, os homens de cor não chegam a uma dúzia e em 23 governadores dos Estados, nenhum é preto.
De qualquer forma, porém, o Brasil oferece um exemplo ao mundo de convivência pacífica entre negros, brancos e mestiços, sem discriminação por causa da pele. E discriminação racial no Brasil não passa de petulância de uma insignificante minoria, aqui e acolá respondendo a processo por violação da chamada Lei Afonso Arinos, que pune toda forma discriminatória pela pigmentação da pele.
A rigor, o que existe mesmo é a grande e única raça humana, dotada dos mesmos atributos e que só tem a lucrar com a sua integração numa grande família. Neste dia em que festejamos os 100 anos da Lei Aurea, não é o negro que tem de se sentir envergonhado, mas o branco que o discriminava e explorava.
Império libertou: República esqueceu - Editorial
No dia do centenário da Lei Aurea, que libertou os escravos no Brasil a 13 de maio de 1888, a data pode sugerir um convite para a reflexão e uma proposta de reconciliação interracial. Os estudos mais recentes sobre a questão do negro no País apresentam razões fundamentadíssimas de que a Abolição só foi parcial, devido à situação social lamentável do indivíduo afrobrasileiro contemporâneo. Entretanto, essas concepções carregadas de sociologismos correm o risco de, ao se tornarem panfletárias, pregarem o chamado racismo ao contrário, o do negro contra o habitante de procedência européia, como se as gerações atuais tivessem culpa pelo que aconteceu mais de 100 anos atrás.
A Abolição e a proclamação da República, registradas com um ano e seis meses de diferença, são episódios complementares na História do Brasil. Grande parte dos abolicionistas era republicana e a libertação dos escravos foi trabalhada como uma estratégia para derrubar o Império. Cabia, portanto, à República a tarefa de integrar o negro à sociedade, depois de libertado pela princesa Isabel. Como ironia da História, a Redentora permaneceu a heroína dos homens escuros no Brasil a ponto de, em ano recente, 1971, quando os restos mortais da Princesa e do conde d'Eu foram trasladados da Europa para Petrópolis, os caixões mortuários receberam a visita de filas e filas de pessoas negras na câmara ardente, no Rio. É uma veneração equivalente à do presidente Abraham Lincoln, nos Estados Unidos.
A Abolição extinguiu uma aberração social, mas foi acompanhada de decisões desastrosas, quando a lei Aurea determinou a incineração de todas as escrituras e documentos correspondentes ao tráfico de escravos. Os historiadores e sociólogos, como perderam uma grande fonte de estudos para interpretar o caráter afro-brasileiro. Há diferenças de comportamento básicas entre o negro que vinha trabalhar na lavoura e o africano escalado para serviços domésticos, por exemplo. O mesmo se pode dizer a respeito dos traços físicos de quem era originário de Angola e da Etiópia. Todos esses estudos perderam-se por excesso de moralismo.
O que restou foi uma tradição oral que reproduz episódios violentos, como a figura do escravo castigado no tronco. Entretanto, a herança cultural é muito maior e está vinculada à alimentação, à música, à dança, ao vestuário e a outros setores no qual contribuíram espontaneamente para a formação do Brasil. Em discurso ao Congresso Nacional, o deputado federal Paes de Andrade denuncia "a militante suposição de que os negros não eram seres humanos, mas simples mamíferos semi-racionais". São as duas faces da moeda.
No dia de hoje, é preciso lembrar que a Abolição foi obra conjunta de brancos como Castro Alves e Joaquim Nabuco, e de negros a exemplo de José do Patrocínio e Luiz Gama. Essa é a maior motivação para que haja uma reconciliação interracial. Ao contrário dos Estados Unidos, o Brasil libertou os escravos sem que fosse preciso uma guerra civil e o Ceará deu o maior exemplo, abolindo a escravatura quatro anos antes do País, fato saudado na Europa até por Victor Hugo.
Existem preconceitos no Brasil, mas estes são menos de cor do que sociais. A grande massa de negros no Brasil pertence às profissões de baixa renda e preenche a maior parte da população carcerária. O Império, sem qualquer nostalgia aqui pela Monarquia, cumpriu sua parte abolindo a escravatura. Cabia à República a segunda etapa, a da integração do descendente de africanos ao Brasil.
Negros estão questionando o centenário da Abolição
Escravidão. "Regime social de sujeição do homem e utilização de sua força, explorada para fins econômicos, como propriedade privada". Define, laconicamente, o "Dicionário Aurélio", a forma de regime oficialmente abolida há 100 anos com o nobre gesto da branca e loura princesa Isabel. Caso se subtraia "como propriedade privada" à definição, dificilmente alguém perceberia que não se está falando das atuais condições a que está submetida a esmagadora maioria dos trabalhadores brasileiros, quer brancos ou negros. "A princesa Isabel esqueceu de assinar nossa carteira de trabalho", protestam os negros baianos. Os cearenses fazem coro. "Negros: o 13 de maio não é o nosso dia" reagem, num protesto que expõe a dura face da realidade dos negros no País que se orgulha em ser uma "autêntica democracia racial".
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