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Governo chinês organiza passeatas pró lei marcial
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A história do Ceará e do mundo desde 1928, narrada pelas lentes do acervo de O POVO

Governo chinês organiza passeatas pró lei marcial

36 anos do Massacre da Praça da Paz Celestial, no dia 4 de junho 1989, onde as tropas do Exército Chinês avançaram sobre manifestantes pró-democracia em Pequim. O protesto, liderado por estudantes foi reprimido com violência acarretando em muitas mortes
Massacre na Praça da Paz Celestial, China 1989
 (Foto: O POVO É HISTÓRIA)
Foto: O POVO É HISTÓRIA Massacre na Praça da Paz Celestial, China 1989

* desde 1928: As notícias reproduzidas nesta seção obedecem à grafia da época em que foram publicadas.

1º de junho de 1989

Pequim - O Governo ampliou ontem sua campanha contra o movimento pró-democracia, reavivando ataques contra idéias políticas ocidentais e organizando passeatas para apoiar a lei marcial, decretada para por fim a semanas de manifestações de massa antigovernamentais. Cerca de 10.000 estudantes e trabalhadores se dirigiram à sede da Polícia de Pequim exigindo informações sobre o paradeiro de três trabalhadores detidos por seu papel na criação de um sindicato independente em apoio do movimento estudantil. "Trabalhadores, estudantes, lutem pela democracia, lutem unidos", gritava a multidão, enquanto autoridades policiais usavam alto-falantes portáteis para advertir que deviam se dispersar e obedecer à lei marcial.

Com a lei marcial em seu 11.º dia em Pequim, testemunhas disseram que era maior, embora discreto, o movimento de soldados na cidade. Cerca de 200.000 soldados estão parados na periferia da Capital e ainda não avançaram sobre o centro para pôr em vigor o decreto da lei marcial.

Massacre na Praça da Paz Celestial, China 1989 (Foto: O POVO É HISTÓRIA)
Foto: O POVO É HISTÓRIA Massacre na Praça da Paz Celestial, China 1989

3 de junho de 1989

População de Pequim enfrenta o Exército

Pequim - Mais de um milhão de pessoas invadiram o Centro de Pequim hoje de madrugada para impedir a passagem dos soldados do Exército Popular de Libertação da China, que tenta entrar na capital para recuperar seu controle. Pelo menos quatro pessoas foram atropeladas e ficaram gravemente feridas por um jipe militar.

Bloqueando as principais ruas do centro de Pequim com ônibus e caminhões, milhares de civis cercaram os soldados, que aparentaram estar assustados e desconcertados com a situação. A maré humana rechaçou os militares, em sua maioria muito jovens e sem armas, salvo alguns que possuíam adagas, que foram imediatamente tomadas pelos civis.

Na confusão, os soldados perderam ainda suas mochilas, rádios portáteis, botas e quepes.

A multidão recebeu o Exército aos gritos, enquanto os soldados permaneciam entrincheirados contra uma parede, prisioneiros dos civis. "Você é chinês, nós também somos: volta ao posto. O povo de Pequim não quer vocês", gritavam os manifestantes.

Milhares de soldados haviam entrado hoje de madrugada na capital. Mulheres de idade, crianças, operários e estudantes com trapos vermelhos atados à cabeça e bordados com a palavra "democracia", fizeram estremecer a cidade cantando a Internacional. Milhares de mãos faziam o "V" da vitória.

 

4 de junho de 1989

Iminente na China um banho de sangue

A cidade de Pequim está na iminência de assistir a uma carnificina. Tropas do Exército avançaram, durante a noite e a madrugada de hoje, rumo à Praça da Paz Celestial, onde milhares de estudantes se encontram acampados, há 23 dias, protestando contra a corrupção e a ausência de liberdades no País. Já houve choques esporádicos entre a população, que procura defender os estudantes, e os militares. Tiros de canhão e rajadas de metralhadoras eram ouvidos, esta manhã, na região sul da Capital. O ar estava carregado da fumaça dos incêndios e do cheiro de pólvora. Relatos de testemunhas indicavam que já é grande o número de mortos e feridos. Houve quem anunciasse até mesmo o linchamento de um soldado pela multidão, não muito longe da Praça.

Massacre na Praça da Paz Celestial, China 1989 (Foto: O POVO É HISTÓRIA)
Foto: O POVO É HISTÓRIA Massacre na Praça da Paz Celestial, China 1989

Pequim vive a pior onda de violência em 40 anos

Pequim - Tiros de canhão e rajadas de metralhadora eram ouvidos, hoje (domingo) de manhã na região sul de Pequim. Os disparos encobriam o som das armas automáticas e podiam ser ouvidos a vários quilômetros de distância. Uma coluna de fumaça se elevava sobre o bairro de Dongdan. O ar estava carregado da fumaça dos incêndios e do cheiro de pólvora. É a pior onda de violência interna a convulsionar a China em 40 anos de regime comunista.

Relatos de testemunhas em toda a cidade e reportagens dos correspondentes da "UPI" indicam um grande número de mortos e feridos nast batalhas que se sucedem, à medida que milhares de soldados marcham para aplicar a lei marcial e terminar uma ocupação de 23 dias da praça central de Pequim, tomada pelos estudantes que exigem maior liberdade e a renúncia do premier Li Peng.

PAZ CELESTIAL

Na Praça da Paz Celestial, os manifestantes incendiaram um carro blindado e usaram barras de ferro para desmontar outro, enquanto o som do tiroteio ao sul ecoava na maior praça do mundo, o coração politico da China Comunista.

Dezenas de milhares de pessoas desafiaram as ordens militares e o caos crescente para permanecer ao redor da praça, protegendo-se atrás de barricadas. Menos de um quilômetro a oeste, um conflito violento surgiu entre soldados e manifestantes às portas do Salão do Povo, o santuário murado da liderança comunista, que trava uma batalha interna.

Os manifestantes tambem construiram ali barricadas de fogo e queimaram pelo menos um veículo, cuja fumaça se mistura às nuvens crescentes de gás lacrimogêneo.

Um funcionário do hospital Fuxing, no lado oeste da cidade, disse que 100 civis foram levados para o hospital com ferimentos a bala, e 20 deles morreram. Pelo menos dois membros das forças de segurança foram mortos, um deles em um choque violento entre 1000 policiais da Polícia Armada do Povo e milhares de cidadãos enfurecidos, do lado de fora do Hotel Minzu, no leste da cidade.

O corpo do policial foi jogado no lobby do hotel, junto com nove outros policiais seriamente feridos e sangrando profundamente de feridas inflingidas por pancadas de barras de metal.

INEVITÁVEL

Um comboio com três quilômetros de comprimento, com 70 carros blindados para transporte de pessoal, mais de 100 caminhões de tropas e um número superior a 10 mil soldados e pé, passou pelo hotel, atirando na multidão enquanto se dirigia para a Praça da Paz Celestial.

Um soldado do Exército de Libertação do Povo foi morto quando um tanque tentou furar uma barricada construída por caminhões de um comboio de 25 veiculos tomado do tentava seguir para a praça. Cerca de 15 mil populares, quando soldado caiu do caminhão, em uma avalanche de equipamentos e teve a cabeça esmagada no asfalto.

Na praça, dezenas de milhares de estudantes e populares exibem bombas incendiárias, pernas quebradas de cadeiras, barras de ferro e qualquer outra arma a que tiveram acesso, prontos para enfrentar a batalha que eles sabem que será inevitável.

Testemunhas afirmaram ter visto soldados sendo linchados pela multidão e estendidos mortos ao longo da estrada, a cinco quilômetros da praça.

Massacre na Praça da Paz Celestial, China 1989 (Foto: O POVO É HISTÓRIA)
Foto: O POVO É HISTÓRIA Massacre na Praça da Paz Celestial, China 1989

5 de junho de 1989

Massacre na China: 1.400 mortos

Pelo menos 1.400 pessoas morreram e cerca de 10 mil ficaram feridas no massacre ocorrido ontem, em Pequim, em conseqüência da intervenção do Exército chinês para restabelecer a ordem na capital. Os hospitais de Pequim estão saturados em sua maioria, com os feridos depositados em meio a poças de sangue nos corredores, enquanto as equipes cirúrgicas operam sem descanso. Os irados e desafiantes habitantes civis de Pequim voltaram ontem a levantar barricadas para continuar reivindicando reformas democráticas no país. Governantes de todo o mundo lastimaram a sangrenta repressão desatada pelas autoridades da China contra o movimento a favor da democracia.

Sangue em Pequim - Editorial

A opinião pública mundial acompanha com apreensão o desenrolar dos acontecimentos na China, onde o florescimento da Democracia mais uma vez é interrompido, desta vez com um banho de sangue. Desde a política das "Cem Flores", no final da década de 50, quando Mao Tse-Tung ensaiou uma descompressão política controlada, nunca haviam sido abertas tantas esperanças para a ascensão da sociedade chinesa a um estádio mais avançado de liberdades públicas.

Ironicamente, é na Praça da Paz Celestial, no centro de Pequim, que assistimos hoje a um dos atentados mais clamorosos contra a Paz, já que quando se massacra um povo, cria-se uma condição de ruptura com qualquer ideal de justiça. E quando esta inexiste, a Paz é uma mera ficção.

Bem sabemos que a China enfrenta problemas que não podem ser dimensionados pelos nossos parâmetros, já que uma população de mais de um bilhão de habitantes é algo difícil de ser apreendido por uma mente ocidental. Não temos ilusões de que ali as instituições políticas venham a reproduzir o modelo de Democracia ocidental, mas isso não implica que a violência contra segmentos tão representativos da população possa ser argüida como razão de Estado para justificar o discurso da ordem.

É verdade ter o regime conseguido criar um certo nível de organização social e econômica que conseguiu o milagre de erradicar a fome que sempre foi um dos inimigos mais devastadores da sociedade chinesa, e a China pode se orgulhar de não exibir cadáveres de vítimas da fome, em suas ruas, como acontece com a vizinha Índia. Mas também é verdadeque alcançado esse padrão mínimo - que é um feito portentoso dada a sua dimensão populacional - o país queira avançar no sentido de criar espaços para outras dimensões igualmente importantes da vida humana, sufocada por uma concentração absoluta nos mecanismos de subsistência. Além do que, uma ideologização excessiva já levara ao comprometimento do desenvolvimento material e cultural, seja através de premissas econômicas falsas, seja pelo congelamento do esforço técnico-científico, resultante do desastre da Revolução Cultural, nos anos 60.

Massacre na Praça da Paz Celestial, China 1989 (Foto: O POVO É HISTÓRIA)
Foto: O POVO É HISTÓRIA Massacre na Praça da Paz Celestial, China 1989

Para um povo que já foi tão embalado por campanhas massivas, através de palavras-de-ordem que pareciam encerrar a solução genial para seus problemas desde o endeusamento do Grande Timoneiro e seu Livrinho Vermelho até a irrupção iconoclasta posterior - o ceticismo em relação ao Partido dirigente já é algo mais do que entranhado. O Grande Salto, a política das "Cem Flores", a Revolução Cultural, o Bando dos Quatro, a Retificação de Deng Xiaoping são os espasmos através dos quais o colosso chinês vem construindo a sua contraditória história. Os fiascos são seguidos de autocríticas contorcivas, onde uma dialética extremamente elástica tenta vez por outra conciliar o inconciliável, mas o que não consegue mesmo é trazer de volta as vítimas fatais ou reintegrar a psiquê dos muitos que foram massacrados moralmente.

Quando será feita a autocrítica do derramento de sangue que ora se realiza na Praça da Paz Celestial? Quando os jovens agora mortos irão ter os seus monumentos oficiais?

Já está sobejamente demonstrado ser esse um tipo de lógica que não encontra mais guarida no seio das pessoas portadoras de um mínimo de consciência crítica. Chegamos ao fim dos falsos contorcionismos ideológicos e da teleologia de magarefe.

A opinião pública mundial exige que seja detido o braço do Exército do Povo, hoje conspurcado no sangue de sua própria gente. Nenhuma razão de Estado ou ideológica consegue esconder o fato de que testemunhamos a repetição da arrogância de governantes que, como tantas vezes vimos na História, querem impor o seu domínio a ferro e fogo, quando se vêem repudiados por seus governados. O povo chinês não está só, na sua dor.

 

6 de junho de 1989

Massacre causa 1.400 mortes e fere 10 mil

Pequim - Pelo menos 1.400 pessoas morreram e cerca de 10 mil ficaram feridas em conseqüência da intervenção do Exército chinês para restabelecer a ordem em Pequim sábado à noite, informaram fontes médicas. Os hospitais da Capital estão saturados em sua maioria, com os feridos depositados em meio a poças de sangue nos corredores, enquanto as equipes cirúrgicas operam sem descanso.

Os irados e desafiantes habitantes civis de Pequim voltaram ontem a levantar barricadas para continuar reivindicando reformas democráticas no país e resistir às tropas que sábado à noite invadiram a Praça da Paz Celestial. Os soldados, com fuzis automáticos e metralhadoras, abriram passagem em direção à Praça da Paz Celestial na noite de sábado, atirando indiscriminadamente contra manifestantes civis desarmados.

RENÚNCIA

Os manifestantes vinham ocupando a praça há três semanas, exigindo reformas democráticas e a renúncia do primeiro-ministro Li Peng, que declarou a lei marcial no dia 20 de maio para enfrentar os manifestantes. Milhares de manifestantes regressaram ontem à interseção de Xidan, a uns dois quilômetros a oeste da praça, para voltar a levantar barricadas e incendiar veículos militares e ônibus.

Os manifestantes bloquearam algumas ruas laterais com caminhões de carga, e outras com caixas de transporte de alimentos. Ontem à noite, um grupo de soldados atacou um bairro residencial situado ao norte da Praça da Paz Celestial, disparando contra as passagens e pátios, enquanto mulheres aterrorizadas fugiam carregando seus bebês e outros caíam no chão. Depois do ataque, os residentes do local saíram de seus refúgios e desafiaram os militares com gritos de "fascistas".

Centenas de milhares de pessoas ocupavam as ruas, e era clara a raiva que todos sentiam contra a matança realizada sábado à noite pelos soldados. "Antes que isto acontecesse, amávamos o Partido", disse um trabalhador de uns 40 anos de idade. "Agora nos opomos ao Partido, nos opomos profundamente ao Partido".

O trabalhador era um dos milhares que desfilavam pelo Hospital Fuzing, no setor ocidental de Pequim, onde 21 mortos permaneciam expostos no chão, todos eles vítimas da matança da noite anterior.

PROTESTOS

Os governantes de todo o mundo lastimaram ontem a sangrenta repressão desatada pelas autoridades da China contra o movimento a favor da democracia nesse país, e atos de protesto foram realizados diante das embaixadas chinesas em várias capitais contra "o domingo negro de Pequim", segundo qualificou uma agência de notícias, que deixou um saldo de centenas de mortos.

Em Formosa, o presidente Lee Teng-Hui ordenou que forças armadas desse país se preparassem contra possíveis ações militares de unidades continentais chinesas, no caso de o Governo de Pequim ser derrubado pela oposição.

Cerca de dez mil estudantes, professores, legisladores e artistas de Formosa se concentraram em um parque de Taipei para denunciar a matança. Muitos dos manifestantes levavam tarjas negras em sinal de luto. Estudantes chineses realizaram atos de protesto em Taipei, Paris, Londres, São Francisco, Nova Iorque, Los Angeles, Oslo, Noruega e Vancouver.

Em Paris, cerca de cem jovens chineses, em sua maioria estudantes de universidades francesas, realizaram ontem uma manifestação diante da embaixada chinesa nesta Capital.

Em Hong Kong, a colônia britânica que passará a estar sob domínio de Pequim em 1997, militantes anunciaram planos para realizar uma greve de fome e protesto pacífico em frente à redação da agência de notícias oficial Nova China.

Em Londres, simpatizantes dos dissidentes chineses realizaram uma vigília de protesto diante da embaixada da China e alguns estudantes disseram que estavam organizando um ato de massas no bairro chinês da Capital britânica que culminaria uma passeata até a sede diplomática.

 

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