
A história do Ceará e do mundo desde 1928, narrada pelas lentes do acervo de O POVO
A história do Ceará e do mundo desde 1928, narrada pelas lentes do acervo de O POVO
* desde 1928: As notícias reproduzidas nesta seção obedecem à grafia da época em que foram publicadas.
22 de junho 2004
O Brasil foi surpreendido, ontem à noite, com a morte de Leonel Brizola, uma de suas mais expressivas lideranças políticas dos últimos 50 anos. Era o último grande representante do trabalhismo getulista que, reunindo nacionalismo e ideário social, embasou as lutas políticas das décadas de 50 e 60 em favor de um projeto nacional que desse substância estratégica à industrialização brasileira.
Oriundo do Rio Grande do Sul, um dos estados mais politizados do País, iniciou-se na política como deputado constituinte estadual do PTB, em 1946, e desde que se casou com a irmã do então ministro do Trabalho, João Goulart, passou a fazer parte dos políticos da nova geração de seguidores e pupilos de Getúlio Vargas, em cuja escola política se desenvolveu com muito brilhantismo.
Pode-se discordar de Brizola, considerá-lo polêmico e até caudilhesco, mas não se pode negar seu entranhado amor pelo Brasil e seu povo. Nesse último meio século, nunca deixou de tomar posição nitida em relação aos problemas nacionais e internacionais, zelando, antes de tudo, por aquilo que considerava ser o interesse nacional. Por conta disso, sempre foi um homem público diante do qual ninguém ficava indiferente - seja a favor ou contra. A ele não se poderia aplicar aquela máxima evangélica: "Porque és morno - nem quente, nem frio – vomitei-te de minha boca". Pois, sempre foi um homem de posições definidas, ainda quando acusadas de paradoxais ou contraditórias.
Sua liderança política ganhou ares de mito quando, como governador do Rio Grande do Sul, recusou-se a aceitar a tentativa golpista de uma junta militar que quis impedir a posse do vice-presidente constitucional do País, João Goulart, após a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961. Graças à sua coragem e determinação, o III Exército, sediado em Porto Alegre, ficou ao lado da ordem constitucional, juntando-se ao povo em armas e à Rede da Legalidade que exortou o País a defender a democracia.
O seu exemplo contaminou o Brasil e permitiu às forças democráticas reagruparem-se e abortarem o golpe. Naturalmente, concorreu para uma solução política da crise, a posição moderada do presidente João Goulart, que aceitou taticamente a imposição do parlamentarismo, contra a opinião de Brizola. Logo depois, o povo brasileiro lhe devolveria os poderes plenos através de um plebiscito, que reconstituiu o presidencialismo.
Graças a seu gesto, o prestígio de Leonel Brizola se estendia de uma ponta a outra do País. Foi quando resolveu concorrer a deputado federal pelo Estado de seu arquiinimigo, Carlos Lacerda, obtendo a maior votação já registrada até então por um parlamentar na antiga Guanabara. Nessa condição, tornou-se a maior liderança da esquerda brasileira, não-comunista. Esse fato, sem dúvida alguma deu lastros à sua impetuosidade, a ponto de ser acusado por alguns de principal responsável pela radicalização excessiva do processo político brasileiro de então, enfraquecendo a posição de seu cunhado, o presidente João Goulart, perante as forças conservadoras-o que teria apressado a deposição deste, em 1964, por um golpe de Estado vitorioso.
Embora a História tenha-lhe negado o posto ambicionado - e que por justiça tinha direito a ambicionar (o de presidente da República) – e muito tenha perdido de seu antigo prestígio, nos últimos tempos, Leonel Brizola jamais deixará de ser considerado uma das figuras políticas mais eminentes e polémicas da história contemporânea, nacional Mesmo considerando seus equivocos – quem não os tem? -, não há como deixar de reconhecer perante as gerações presentes e futuras a verdade de que o Brasil foi para ele a paixão máxima de sua vida. Isso ninguém jamais lhe poderá arrebatar e é um legado que poucos homens públicos podem apresentar.
Ex-governador do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, Leonel de Moura Brizola morreu às 21h20min de ontem, aos 82 anos, no Rio de Janeiro, de infarto decorrente de complicações infecciosas. Trabalhista histórico, o presidente nacional do PDT foi líder, em 1961, da "cadeia da legalidade", destinada a garantir a posse na Presidência do petebista João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros.
Nascido em Passo Fundo (RS) em 22 de janeiro de 1922, Leonel Brizola, que comia e bebia moderadamente e se orgulhava de jamais ter tido uma doença séria, havia sido internado no início da tarde de hoje no hospital São Lucas, em Copacabana, com febre, dores no corpo e disenteria, sintomas que sentia havia quatro dias e que surgiram durante uma viagem ao Uruguai, de onde ele voltara na última quinta-feira.
Ele chegou ao hospital em cadeira de rodas e, segundo seu assessor de imprensa, Fernando Brito, suspeitava de uma gripe ou até mesmo de uma ameaça de pneumonia. Brizola estava fazendo exames quando, segundo o médico Marcos Batista, sentiu uma parada respiratória, depois diagnosticada como infarto. Levado para o CTI (Centro de Tratamento Intensivo) do hospital, morreu poucas horas depois.
O corpo de Brizola será velado no Palácio Guanabara, sede do governo do Estado. No caminho, passará pelo Ciep (Centro Integrado de Educação Pública) Tancredo Neves, no Catete (zona sul), o primeiro "brizolão" inaugurado pelo ex-governador no Rio. O desejo da família é que o corpo seja enterrado em São Borja (RS), ao lado dos túmulos de sua mulher, Neusa Brizola, e do presidente João Goulart (1961-1964).
Ontem, às 22h30min, após a exibição da pré-estréia do filme "Pelé Eterno", o locutor do Teatro Municipal do Rio anunciou a morte do ex-governador. O público fez uma homenagem ao político com um minuto de silêncio. O gaúcho Brizola foi a pessoa que "melhor representou o getulismo" no Brasil, definiu ontem a historiada Celina Vargas do Amaral Peixoto, neta do ex-presidente Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954).
O assessor Fernando Brito disse que o ex-governador estava bem durante o dia de ontem e que chegou a conversar durante uma hora com ele sobre política, antes da internação. Na noite de domingo, ele teve uma reunião em seu apartamento, na avenida Atlântica, com a governadora Rosinha Matheus (PMDB) e seu marido, Anthony Garotinho, e com deputado federal Moreira Franco (PMDB-RJ).
Moreira, ex-inimigo politico, e Garotinho, ex-aliado que rompeu com Brizola em 2000, quando deixou o PDT, negociavam uma aliança para eleição municipal do Rio. Pessoas próximas ao casal Garotinho disseram ontem que o PMDB chegou a oferecer apoio a uma candidatura de Brizola à prefeitura, abrindo mão do pré-candidato do partido, o vice-governador Luiz Paulo Conde.
A notícia da morte de Brizola, de quem os principais políticos do Rio são herdeiros, causou comoção entre correligionários, admiradores e ex-aliados. A governadora Rosinha chegou chorando ao hospital São Lucas, acompanhada de Garotinho, por volta das 21h30min. Também foram ao hospital o arquiteto Oscar Niemeyer, a cantora Beth Carvalho e o ator Hugo Carvana, entre outros. Filhos e netos também estavam no hospital.
A morte de Leonel Brizola levou a Câmara dos Deputados a adiar a votação do salário mínimo que ocorreria hoje, quando o governo tentaria derrubar o valor de R$ 275 aprovado pelos senadores e recuperar sua proposta original, de R$ 260. A decisão de adiar a votação foi tomada ontem à noite pelo presidente da Casa, João Paulo Cunha (PT-SP) quando ele estava reunido com nove ministros, acertando as estratégias para votar. A sessão de hoje será reservada a homenagens a Brizola.
João Paulo Cunha espera ter hoje, por volta das 15 horas, uma avaliação sobre a possibilidade da votação ser realizada amanhã. A previsão inicial é de que não seria possível, pois ainda não havia certeza sobre quando será o sepultamento do ex-governador, que deverá mobilizar muitos políticos. Da mesma forma, as festas juninas no Nordeste, têm o seu auge neste e na próxima semana, envolvendo mais de 150 parlamentares da bancada da região.
O líder do PT, Arlindo Chinaglia (PT-SP) disse que é mais provável que a votação ocorra na semana que vem."Vamos avaliar. Não sabemos ainda a repercussão disso tudo e também tem a festa de São João que é um fator de esvaziamento do plenário", afirmou.
O ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, disse que a votação da MP dificilmente poderá ser realizada até a próxima semana, porque o prazo para a realização das convenções partidárias termina na quarta-feira dia 30.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que, apesar das divergências, "lamenta profundamente” a morte do ex-governador do Rio de Janeiro e presidente nacional do PDT Leonel Brizola, 82. Lula terminava um jantar com o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, quando foi avisado da morte do pedetista e declarou luto oficial de três dias.
Brizola apoiou Lula no segundo turno das eleições presidenciais de 2002, mas rompeu com o governo no final do ano passado. "Obviamente que eu lamento profundamente a morte de uma personalidade política como a do governador Brizola. Todo mundo sabe que, mesmo nos momentos de divergência, eu sempre nutri um profundo respeito e admiração pela história política do Brizola”, afirmou.
Para Lula, Brizola foi um personagem de "mais de meio século". "Eu acho que ele foi um personagem de nossa história durante mais de meio século. Acho que ele é uma figura de muita importância política para o Brasil. E acho que nós perdemos. Perdemos uma referência importante da nossa política.
A ruptura do PDT com o governo Lula se deu no final do ano passado. À época, Brizola alegou que a decisão da saída da base aconteceu depois de uma análise do primeiro ano do governo, na qual se chegou à conclusão de que Lula repete FHC (1995-2002).
O ex-governador chegou a declarar que o povo brasileiro havia sido "enganado pelo governo Lula". Criticara ainda as reformas da Previdência e tributária, dizendo que não eram reformas, "mas retoques em leis existentes". Brizola também foi uma das fontes do jornalista Larry Rohter, do New York Times, na polêmica matéria sobre os supostos problemas do presidente com o consumo de álcool.
Leonel Brizola foi um dos principais líderes nacionalistas do país. Simpatizante do presidente Getúlio Vargas, ingressou no PTB em 1945 e, em 1947, foi eleito deputado estadual. Em março de 1950, Brizola casou-se com Neuza Goulart, irmá do deputado Jojo Goulart, tendo Gerullo Vargas como padrinho de casamento.
Quando o presidente Jânio Quadros renunciou, em 25 de agosto de 1961, os ministros militares tentaram impedir a posse de Jango, então no exterior. Brizola liderou a campanha da legalidade, em defesa da posse do vice. O Congresso acabou aprovando às pressas uma emenda que instituiu o parlamentarismo como sistema de governo, para possibilitar a posse de Goulart.
Em 1962, Brizola foi eleito deputado federal com votação recorde (269 mil votos). Em 1964, o presidente João Goulart foi deposto por militares e Brizola teve de se exilar no Uruguai. Voltou ao país em 1979, com a Lei da Anistia.
Em 1989, disputou a Presidência, ficando em terceiro lugar. Em 1990, voltou a ser eleito governador do Rio. Faz um acordo com o presidente Fernando Collor e, em 1992, demorou a aderir à campanha pelo impeachment. Voltou a disputar a Presidência em 1994, mas teve apenas 3,2% dos votos. Em 1998. candidatou-se a vice-presidente na chapa de Lula, igualmente derrotada. Em 2000, disputou a Prefeitura do Rio, mas obteve apenas 9,1% dos votos. Foi sua última campanha.
23 de junho de 2004
Os gritos de "traidor" dirigidos ao presidente Lula marcaram o velório do ex-governador e presidente nacional do PDT. Leonel Brizola, morto aos 82 anos de infarto agudo do miocárdio. Acompanhado de sete ministros, Lula chegou às 13h28min ao salão principal do Palácio Guanabara, sede do governo do Rio, onde o corpo estava sendo velado. Mas só ficou quatro minutos ao lado do caixão, em razão do protesto.
"Traidor, traidor", gritaram cerca de 300 militantes do PDT quando Lula e José Dirceu (Casa Civil) entraram no salão, vindos do gabinete da governadora Rosinha Matheus (PMDB). Familiares de Brizola e políticos pediam silêncio com as mãos. Sem sucesso.
"Brizola presente, é o nosso presidente", insistiam. Pouco mais de três metros separavam Lula e os ministros dos manifestantes. Uma corda e dezenas de seguranças impediam a aproximação. Houve empurra-empurra. Ciro Gomes foi o único dos ministros que ficou ao lado do caixão por minutos.
A segurança pediu que a comitiva se retirasse, temendo pelo rompimento do cordão de isolamento. Lula retirou-se sob mais gritos de "traidor". Depois que cruzou a porta de volta ao gabinete de Rosinha, pedetistas cantaram um samba de Jorge Aragão e Dida, tornado hino da oposição à gestão Lula. "Você pagou com traição a quem sempre lhe deu a mão", no refrão de "Vou Festejar", de Beth Carvalho.
Militantes ainda gritaram "cachaceiro". Rosinha e o secretário Anthony Garotinho, acompanharam Lula e Dirceu até os jardins de inverno do palácio, área restrita ao público. Questionado pela reportagem sobre os gritos de traidor. Lula abriu os braços, franziu o cenho e se limitou a dizer. "É normal, é normal". Às 13h40min, 12 minutos após ter chegado, entrou no carro que o levou ao helicóptero com o qual foi para a Base Aérea do Galeão, de onde embarcou para os EUA.
O pedetista e o atual presidente mantinham uma relação instável, ora aliados, ora adversários. Brizola apelidou Lula de "sapo barbudo". E o petista havia afirmado que o pedetista "pisaria na própria mãe" para ser presidente. Na saída, Dirceu comentou a manifestação: "Faz parte do jogo".
Ciro voltou com a mulher, a atriz Patricia Pillar, sem ser vaiado. "Há aquí pessoas apaixonadas e chocadas com a morte de Brizola, mas, voltando para casa, perceberão a grosseria que fizeram com o presidente e com o próprio Brizola", disse. "Lutaram juntos a vida toda, e, neste momento, é descabido ajuizar quem tem razão."
Cerca de 200 mil pessoas, segundo a PM, até as 17h30min, passaram pelo local. Na fila para ver o corpo, de cerca de duas horas, muitos, em lágrimas, inventavam homenagens e diziam palavras de ordem como "Brizola vive". O professor João de Andrade, 58, por exemplo, pendurou num varal um poema dedicado a Brizola. "Muitos que estão no poder devem isso ao Brizola", disse Joyce Steiner, 21, afilhada de Brizola e funcionária do Detran graças ao padrinho. Outro afilhado, Giulani dos Reis, 34, contou que recebe, por ordem do padrinho, ajuda de mensal do PDT de R$ 400.
Às 8h de hoje, o corpo será levado ao Ciep (Centro Integrado de Ensino Público) Tancredo Neves, o primeiro a ser construído, obra-símbolo dos mandatos de Brizola no Rio (1983-1986 e 1991-1994). Às 11 horas, o corpo segue para Porto Alegre (RS), onde haverá outro velório, no Palácio Piratini, que Brizola também ocupou como governador entre 1959 e 1962.
O enterro será amanhã em São Borja (a 583 km de Porto Alegre), às 16h, no mesmo cemitério em que estão a mulher de Brizola, Neusa, e os presidentes Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954) e João Goulart (1961-1964).
24 de junho
O corpo do governador Leonel Brizola foi saudado por cerca de 10 mil pessoas em Porto Alegre, segundo cálculo da Brigada Militar, durante desfile em carro aberto do aeroporto internacional Salgado Filho ao Palácio Piratini, sede oficial do governo gaúcho. Com atraso de duas horas e meia do horário previsto, o avião com o corpo Brizola chegou às 15h05. Com honras militares, que incluíam 30 cavalarianos vestidos com roupas de gala, o caixão do governador foi colocado em um caminhão do Corpo de Bombeiros e desfilou durante 1 hora e 17 minutos pelas ruas da cidade.
O corpo chegou às 16h45 ao Palácio Piratini, onde em 1961 Brizola liderou a chamada "campanha da legalidade", movimento vitorioso em defesa da posse de João Goulart após a renúncia do presidente Jänio Quadros. O pedetista governou o Rio Grande do Sul entre 1959 e 1962, quando encampou as companhias de energia elétrica e telefonia, pertencentes até então a empresa norte-americanas.
Na entrada do Piratini, um coral de 30 vozes cantou em homenagem a Brizola “Querência Amada”, canção de Teixeirinha de exaltação ao Rio Grande do Sul. Em seguida entoou o “Hino da Legalidade”, cuja letra diz: “Marchemos todos juntos de pé/ Com a bandeira que prega a igualdade/ Protesta contra o tirano/ Se recusa à traição/ Um povo só é bem grande/ Se for livre como a nação”.
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