
A história do Ceará e do mundo desde 1928, narrada pelas lentes do acervo de O POVO
A história do Ceará e do mundo desde 1928, narrada pelas lentes do acervo de O POVO
* desde 1928: As notícias reproduzidas nesta seção obedecem à grafia da época em que foram publicadas.
Rio, 28 - POVO - O vespertino “A Noite” publica um telegrama que recebeu do sr. Durval Rocha, de Maceió, noticiando que Virgolino Ferreira, vulgarmente conhecido por Lampeão, sua amante e dez comparsas foram decapitados pela policia alagoana na fazenda “Angicos”, pertencente ao Estado de Sergipe.
A cabeça do bandido foi levada para vila de Piranhas, em Alagoas, na fronteira com Sergipe.
Logo que se divulgou a noticia da morte de Lampeão o correspondente do O POVO procurou o interventor Eronides de Carvalho, que aqui se encontra, afim de entrevistá-lo a respeito. Como se sabe, na última vez que foi noticiada a morte de Lampeão, o nome do interventor de Sergipe esteve em jogo, pois se afirmava que o bandido teria pilhado numa fazenda pertencente ao pai do sr. Eronides de Carvalho, essa versão foi desmentida posteriormente e só agora tomou de verdade o terror no nordeste.
Abordado pelo O POVO, o chefe do governo sergipano declarou que desconhecia o fato, extranhando que a estação de radio da localidade Monte Alegre perto do sitio onde tomou o facinora, não tenha avisado.
Terminado suas declarações disse que tinha radiografos urgente para seu Estado, solicitando informes precisos.
Do correspondente especial do O POVO - Onze bandidos, inclusive Lampeão, Luiz Pedro, Angelo Roque e Maria bonita, amante do primeiro, foram mortos ontem, no lugarejo Angicos, por um destacamento da policia alagoana, sobre o comando do Tenente João Bezerra.
Os bandidos se encontravam naquela povoação, que fica no Estado de Sergipe, á margem do Rio S. Francisco, quando a força policial, depois de atravessar a fronteira, foi surpreendê-los em seu próprio covil.
Cercados pela violante, os fascinoras improvisaram a resistencia, orientados pelo proprio Lampeão, mas não poderam contrapor-se á violencia do ataque. Dentro de pouco tempo estavam dizimados pelas cargas de fuzis e metralhadoras da policia.
A luta foi reunhida e no fim da mesma estavam mortos onze bandidos e um soldado. Sairam feridos o aspirante Ferreira de Melo e varias praças.
As cabeças dos bandidos foram cortadas pelos soldados e trazidas pelo tenente Bezerra para Santana, que é a sede do 2. Batalhão da Policia de Alagoas.
De Santana, as cabeças de Lampeão e seus “cabras”, convenientemente salgadas, serão conduzidas para Maceió, servindo depois para importantes estudos criminológicos.
Maceió, 29 - Não era da novidade que Lampeão se fazia acompanhar por uma amante ha varios anos, tendo circulado as mais desencontradas versões sobre a mesma, que alguns dizem ser de Joazeiro, no Ceará, e outros afirmavam ter nascido na Bahia.
O que é certo, segundo os ultimos informes chegados a esta capital, é que Maria Bonita - tal é o seu nome - lutou até a morte ao lado de Lampeão, manejando uma arma com a mesma precisão e sangue frio de seus companheiros.
Na busca realizada pela policia, após o exterminio do grupo de Lampeão, foi encontrado muito dinheiro em poder dos bandidos, os quais possuiam armas automaticas modernas e farta copia de munição.
Os apetrechos de Lampeão e seus asseclas, de acordo com as noticias chegadas do local onde eles tombaram, eram enfeitados a ouro. Todos eles traziam muitos aneis de brilhantes nos dedos.
Enorme o regosijo nesta capital com a morte de Lampeão. Do interior chegam noticias no mesmo sentido .
O “Correio da Manhã”, comentando a morte de Lampeão, diz que os sertões nordestinos ficaram livres de uma praga infernal.
30 de junho 1938
Maceió, 30 - Sabe-se agora que, entre os bandidos mortos no grupo de Lampeão, figura a mulher Enedina, amante do cangaceiro Luiz Pedro, que era um dos cabras de maior confiança do chefe.
Maceió, 30 - A imprensa desta capital noticia que um irmão de Lampeão, de nome Antonio Ferreira, mora na cidade de Crato, no Estado do Ceará.
Maceió, 30 - Noticiaram os jornais que o tenente João Bezerra e seus soldados recebrão premios em dinheiro por terem exterminado Lampeão.
Piranhas [Alagoas] 29 - Informo que houve ontem, 28, pela manhã, o tiroteio no local denominado Angicos, territorio sergipano á margem direita do rio São Francisco, distante duas leguas desta cidade, entre a tropa policial de Alagoas comandada pelo tenente Bezerra, e o grupo de Lampeão, que se achava daquele local. Ao meio dia, a força estava de regresso a esta cidade, trazendo onze cabeças de bandidos, inclusive as do proprio Lampeão e sua mulher Maria bonita. Saudações. Enisia Santos, agente do Correio.
No dia 12 de janeiro do ano passado, estampou este jornal interessantes declarações do sr. Benjamin Abraão, que acabava de chegar dos sertões bahianos, onde estivera em contacto com Lampeão e seu grupo. Apanhando uma pelicula cinematografica para a Aba Filme, cuja exibição foi proibida depois pela censura, poude aquele moço colher excelentes dados sobre a a vida do famigerado cangaceiro, os quais dariam um livro de sensação, se não tivesse o autor morrido antes de publicá-lo, assassinado que foi ha poucos mêses no Estado de Pernambuco.
Segundo os informes do sr. Benjamin Abraão ao O POVO, naquele tempo, faziam parte do bando de Lampeão apenas duas mulheres: Maria Oliveira [amante de Lampeão] e dona Nenen [amante de Luiz Pedro]. Esta ultima, conforme o cabograma acima publicado, de nosso correspondente em Alagoas, também foi morta em combate. Diz aquele despacho que ela se chama Enedina.
Quanto a Luiz Pedro, dizia o sr. Abraão que era ele o cangaceiro de maior confiança de Virgolino.
Sobre a mulher de Lampeão, esclarecia o nosso entrevistado:
“A mulher de Lampeão, ao contrario do que fôra noticiado por um cronista cearense, não se chama Maria da Gloria, nem é natural de Joazeiro. Seu nome é Maria de Oliveira, sendo tratada pelos companheiros por “dona Maria” ou “a mulher do capitão”.
É branca, bem parecida, com a pele conserada, apesar de viver ao sol. Nasceu na Bahia, municipio de Santo Antonio da Gloria, tendo ingressado no grupo quando o mesmo se internou nos sertões bahianos, em 1929, por sua livre e espontanea vontade. Vive maritalmente com Virgolino, tudo indicando que reina a melhor harmonia entre o casal.
Ela tem no maximo 25 anos, enquanto ele já atingiu 37.”
Tendo sida a entrevista concedida em janeiro de 1937, verifica-se que Lampeão morreu com 39 anos aproximadamente.
1º de agosto de 1938
Rio, 1 - O dr Lourivel Fontes, diretor do Departamento Nacional de Propaganda, entrevistou telegraficamente o chefe de policia de Alagoas sobre a morte de Lampeão. O serviço telegrafico, feito impecavelmente, transmitiu em breves instantes as declarações do chefe de policia, em resposta ás perguntas daquele jornalista.
Depois de narrar as medidas tomadas para o combate ao bandoleiros, informa a autoridade que Lampeão estava com 58 homens em Angico, quando o tenente Bezerra, atravessando o rio São Francisco, lhe deu combate. Acrescentou o chefe de policia:
- Depois de investidas formidaveis, a força do tenente Bezerra se empenhou em combate corpo a corpo, conseguindo desalojar todos os bandidos de seu covil.
Cessado o tiroteio, verificou-se terem sido mortos Lampeão, sua companheira Maria bonita e mais 9 bandidos, entre os quais chefes de grupos, que são Luiz Pedro, Diferente, Quinta-feira e elétrico.
O chefe de policia concluiu suas declarações dizendo:
- Prevejo, com a morte de Lampeão e de seus chefes de grupos, uma diminuição ou extinção total do banditismo nos sertões alagoanos.
Maceió, 1 - Ás 20 horas de ontem, chegou a esta capital o tenente João Bezerra, que traz nove cabeças de bandidos por sua tropa mortos em Angico, entre elas a de Lampeão e Maria Bonita. Referidas cabeças, que foram devidamente formolizadas para resistir ao tempo sem se putrefazerem, servirão para estudos de criminologia.
Rio, 1 - Quando governador da Bahia, o capitão Juraci Magalhães estabelecera um premio de cem contos para os matadores de Lampeão. Divulga-se agora que o tenente João Bezerra e seus comandados têm direito á referida quantia.
Maceió, 1 - O estado do tenente Bezerra, ferido no combate contra Lampeão, está inspirando cuidados.
Maceió - Os jornais afirmam que não existe mais duvida sobre o lugar onde nasceu Lampeão. Ele era natural de Traipú, no Estado de Alagôas.
Maceió - Comunicam de Penedo, neste Estado, que as quotas arrecadadas por Lampeão, nos ultimos dias, na zona onde foi rechassado, ultrapassam de cem contos, afôra cinco quilos de ouro. Estes ultimos se encontram em poder de um fazendeiro protetor do bandido e contra o qual a policia pretende agir, seguindo se afirma naquela cidade.
Maceió - Sabe-se que o proprietario da fazenda “Angicos”, onde Lampeão foi morto, era um dos “coiteiros” do bandido. Foi ali que ele se curou da hemorragia pulmonar que o acometera ultimamente.
Maceió - Informa os jornais que o tenente Bezerra, poucos dias antes de abater Virgolino Ferreira, declarara textualmente: - “Ou eu acabo com Lampeão ou deixarei a policia”.
Adianta-se que o mesmo oficial estava “jurado” pelo temivel bandoleiro, o qual não lhe perdoava a morte de varios companheiros.
Maceió, 30 - Acabo de regressar do Necroterio, onde vi as cabeças dos bandidos chegados a esta capital. As de Lampeão e Maria Bonita são facilmente reconheciveis em confronto com as fotografias dos dois.
Enorme multidão impede o transito nas imediações do Necroterio.
2 de agosto de 1938
Maceió , 1 - Sabe-se agora, que Lampeão, no momento do ataque levado a efeito pelo tenente Bezerra, recebeu uma bala na boca, perdendo os dentes. A bala atingiu-o no momento em que o audacioso bandoleiro tomava café, de maneira que os cacos da chicara estilhaçada encheram-lhe a boca.
Rio, 2 - Noticias de Alagoas dizem que o cangaceiro “Corisco” assumiu o comando dos remanescentes do Grupo de Lampeão.
Maceió, 1 - Os jornais desta capital publicam noticias de Santana do Ipanema noticiando a chegada áquela cidade da tropa que dizimou o bando de Lampeão.
O soldado José Araújo Correia conduzia 2 bornais enfeitados, uma cartucheira e um apito pertencente a Lampeão, como também o fuzil de Luiz Pedro.
O soldado Artur Rodrigues dos Santos conduzia um bornal pertencente tambem ao chefe de grupo Luiz Pedro, bem como parabelum de Lampeão.
O soldado José Pereira trazia um chapéu com as iniciais C.L. pertencentes a Lampeão. Havia no chapéo 7 medalhas de ouro encravadas. Tambem conduzia ele um anel com o nome “Santinas” e duas inscrições: “Lembranças” e “Amizade”. Trazia ainda o soldado José Pereira outro chapéo e três metralhadoras gravadas com os nomes “Amor”, “Recordação” e “Amizade”.
Santana, 1 - O bandido “Bolão”, ferido no combate e foragido, revelou em Pão de Assucar, onde foi dar, terem morrido mais quatro cangaceiros.
O coiteiro que entregou os bandidos ao tte. Bezerra chama-se Pedro Candido e era amigo do sogro daquele oficial.
Maceió, 1 - A imprensa, depois de ouvir os soldados que tomaram parte na luta contra Lampeão, assim resume o combate:
Lampeão, por intermedio dos coiteiros, reuniu todos os grupos que atuavam no sertão nas vizinhanças, afim de tentar um ataque a Propriá, que realizaria dentro de poucos dias, desconhecendo-se de que maneira.
Um coiteiro, então, levou as tropas do tte. Bezerra ao local onde haviam se reunido os bandoleiros, a cerca de meia legua abaixo de Piranhas, na margem sergipana. A policia cercou completamente o lugar com metralhadoras, determinando o comandante das volantes que dois soldados atirassem isoladamente em Lampeão e Maria Bonita.
As cinco horas da manhã, o soldados, vendo a fumaça que se dependia do local onde os bandidos se reuniam, avançaram cautelosamente.
Rio, 2 - Falando ao representante d’O POVO, nesta capital, o professor Lourenço Filho, que já escreveu um livro sobre o ambiente sertanejo no nordeste, fez a seguinte declarações:
A morte de Lampeão não representa a morte do cangaço. Ele terá um continuador, que não será, talvez, seu filho, mas será, no futuro, se persistirem as mesmas causas, qualquer daqueles sertanejos carecidos de escola e de justiça, sem trabalho certo, sem o sentido humano da existência. Não desaparece a malaria pelo fato de morrerem alguns mosquitos. As causas do cangaço são a falta de organização do trabalho, do encaminhamento profissional, da educação para o trabalho. Os nordestinos são titans que vivem em oasis. Mas titans de energias estragadas ou adormecidas e oasis que se não aproveitam.
3 de agosto de 1938
Rio, 3 - Os jornais daqui continuam a publicar interessantes detalhes sobre a morte de Lampeão e de seus asseclas, pela volante do tenente João Bezerra.
Rio, 3 - Comunicam de Maceió que desapareceram misteriosamente um anel no valor de 450 contos (?), roubado por Lampeão a um fazendeiro da Paraiba, e tambem um riquissimo colar de perolas que o “rei do cangaço” trazia ao pescoço.
Rio, 3 - O sr. Artur Ramos, autoridade em assuntos sociologicos, ouviu novamente por um vespertino carioca afirmou que causa curiosidade ser Lampeão um dolicocefalo, isto é, ter a cabeça comprida, sendo como era, da terra dos “cabeças chatas”.
Além disso, os criminosos tarados, em geral, são braquicefalos, isto é têm achatada a cabeça.
Continuando, disse que ninguem pode afirmar se Lampeão era ou não um louco. Supõe-se apenas que ele não soube resistir ao meio fisico, entregando-se a uma vida desregrada, de aventuras e de crimes.
Algumas atrocidades praticadas pelo celebre bandido podem ser explicadas pelo fato de Lampeão ser tuberculoso, pois, como se sabe, esses enfermos são sujeitos a certas anomalias. Caso contrario, podem ser atribuidas tais façanhas ao fato de Lampeão ser um verdadeiro louco moral.
Concluindo suas declarações, o sr. Artur Ramos frisou o seguinte, quanto aos provaveis sucessores de Lampeão nas caatingas nordestinas.
- “Só não surgirão outros Lampeões se as locomotivas penetrarem pelo Nordeste a dentro, com a sua missão civilizadora, conduzido a escola, a higiene, o trabalho e a Justiça”.
Maceió, 3 - O soldado que matou Maria Bonita fez uma revelação sensacional, registrada em destaque para imprensa. Disse que, quando cortou a cabeça da companheira de Lampeão, ela ainda estava com vida.
4 de agosto de 1938
Maceió, 4 - As opiniões autorizadas que, á vista da morte de Lampeão, afirmavam não se extinguir o banditismo com a simples eliminação do “rei do cangaço”, acabam de ter a confirmação de suas previsões mais depressa do que era de presumir.
O cangaceiro Corisco, que assumiu a chefia do bando em substituição a Virgolino Ferreira, num gesto assombroso de audacia, atacou ontem a fazenda Patos, de propriedades do cel. Antonio Brito, avô da esposa do capitão João Bezerra, comandante da força que exterminou Lampeão, tendo essa noticia causado grande alvoroço nas redondezas.
Maceió - O bando chefiado por Corisco que ontem assaltou a fazenda “Patos” no municipio de Piranhas, é composto de oitenta homens.
Maceió - No assalto levado a efeito contra a fazenda do cel. Brito, o bando de Corisco matou um vaqueiro e cinco pessoas da familia daquele sertanejo, remetendo as respectivas cabeças ao prefeito de Piranhas comum recado ameaçador.
Macei[o - O interventor Osman Loureiro recebeu telegramas urgentes, confirmando que o cangaceiro Corisco atacou a fazenda Patos, nesse Estado, matando um vaqueiro e cinco pessoas da familia.
Corisco, lugar-tenente de Lampeão, estava ao lado do mesmo durante o recente refrega em que pereceu o rei do cangaço.
Rio, 4 - Antonio Brito, agora morto pelo bando de Corisco, é avó da esposa do tenente Bezerra.
Maceió - Comunicam da cidade de Piranhas, neste Estado, que causou profunda impressão ali o macabro presente de seis cabeças recebidas pelo prefeito local.
Maceió - O coronel Lucena, comandante do 2º Batalhão da Policia Militar do Estado, seguiu ontem mesmo para o local onde está atuando o bando de Corisco.
Maceió - As forças volantes da policia, divididas em grupos, estão batendo as caatingas á procura dos bandoleiros.
As populações do interior estão alarmadas, pois Corisco promete maiores vinganças.
Está provado que o assalto de Patos prende-se a uma vindita, pois o coiteiro que traiu Lampeão, denunciando o lugar onde se encontrava o grupo, estivera antes refugiado naquela fazenda.
Rio, 4 - O ministro da Educação sugeriu ao interventor de Alagoas incorporar ao patrimonio dos museus e das instituições de cultura do Estado do país os objetos encontrados entre os despojos de Lampeão que apresentam interesse sob o ponto de vista de etnografia, como roupas, indumentaria regional e profissional, armas, amuletos, assentamentos, rezas, escritos, etc.
Maceií, 4 - Vêm circulando boatos de que os bandidos que escaparam ao cerco de “Angicos” têm praticado os maiores crimes em sua fuga, assassinando quem quer que encontrem no caminho.
5 de agosto de 1938
Telegrama ontem publicado neste jornal informa que a imprensa de Maceió entrevistou na penitenciária daquela capital cangaceiro Josias Inacio, vulgo Gato Bravo, o qual evocou interessantes episodios da visita de Lampeão ao Joazeiro do Padre Cicero.
Tratando-se de uma fase da vida do temivel bandoleiro que está relacionada com o nosso Estado, julgâmos oportuno reviver, por nossa vez, o que se passou áquela época, recorrendo para isso, são jornais que então se editavam nesta capital.
Encontrámos no “O Ceará” em cuja redação trabalhava o diretor do O POVO, os elementos de que careciamos para oferecer os leitores as informações que se seguem.
Foi na tarde do dia 4 de março de 1926 que Lampeão em seu bando chegaram á cidade do Padre Cicero, via Barbalha, acoitando-se nas imediações da fazenda do deputado Floro Bartolomeu. Ás 10 horas da noite transportaram-se para o centro da cidade, onde se hospedaram na casa do poeta popular João Mendes de Oliveira. Cerca de 4 mil pessoas se transportaram para aquela fazenda, afim de ver de perto o “terror do Nordeste”.
Quarenta e nove homens compunham o bando, afóra o “capitão” Virgolino Ferreira. Todos estavam bem armados de rifles e fusis-mauser, revolveres,punhais e cartucheiras com quatrocentas balas cada um.
Acompanhou-os até Joazeiro o tenente Chagas, comandante da 3a. companhia dos “Batalhões Patrioticos de Juazeiro”, organizados para combater a coluna Prestes.
Pouco menos de mil soldados desses “batalhões” se encontravam em Joazeiro quando Lampeão ali penetrou…
O correspondente do “ O Ceará”, desejoso de entrevistar Lampeão, foi encontrá-lo num casebre em que residiu um irmão do bandido.
Apresentada a Virgolino, poude com o mesmo palestrar longamente, apanhando no corredor da conversação um perfil do cangaceiro, que foi assim traçado em correspondencia para aquele jornal:
Estatura mediana, constituição franzina, crânio dolicocefalo, angulo facial aberto, rosto oval, arrematado por um queixo ponteagudo, torax e membros regularmente proporcionados, eis os traços antropometricos mais incisivos do bandido, o qual ali se fotografou em companhia da familia.
Contrastando com os homens de seu grupo, Lampeão é de todos eles o de côr mais “carregada”, aproximando-se mais do negro do que do tipo comum do caboclo do norte. Cabeleira farta, preta, luzidia, cortada á americana, cangote raspado, deixando a nuca a descoberto, num mixto grotesco e irritante, a impressão que se tem do facinora, neste primeiro balancear de traços humanos, é o do mulato pernostico do litoral.
Mas essa impressão vai mudar-se depois.
Dedos munidos de aneis de preço, engastados de pedras preciosas, verifica-se facilmente, no indicador e no anular, um tapazio, um rubi, três brilhantes de regular tamanho e uma esmeralda - simbolos ironicos das chamadas profissões liberais do Brasil…
Usa oculos com vidros esfumados, engastados em tartaruga e ouro, com o fim de encobrir um extenso leucoma da cornea do olho direito.
Durante todo o tempo que conversou, - e foi por espaço de uma hora - não riu uma só vez e manteve-se em grave circunspecção, compenetrado das suas responsabilidades e da fama de seu nome…
Assim relatou o jornalista a sua palestra com Lampeão:
- Que idade tem?
- Vinte e sete anos.
- Ha quanto tempo está nesta “vida”?
- Ha nove anos; desde 1917, quando me ajuntei ao grupo de senhor Pereira.
- Não pretende abandonar a profissão?
A essa pergunta, Lampeão respondeu-nos com outra:
- Se o senhor estiver em um negocio e fôr se dando bem com ele, pensará em abandoná-lo?
- Está claquo que não!
- Pois é o meu caso; porque me vou dando bem com esse “negocio”, ainda não pensei em abandoná-lo.
- Em todo caso, espera passar a vida toda nesse “negocio”?
- Não sei… talvez… Preciso, porém, “trabalhar” ainda uns três anos. Tenho alguns “amigos” que visitar, o que ainda não fiz esperando uma oportunidade.
- E, depois, que profissão adotará?
- Talvez a de negociante.
- Não se comove em extorquir dinheiro e “avariar” propriedades alheias?
- Nunca fiz isso. Quando preciso de algum dinheiro, mando pedir amiguivamente a alguns camaradas.
O resto da entrevista foi obtido não mais na casa do irmão de Lampeão mas num sótão da residencia do “poeta” João Mendes de Oliveira.
Foi ai que o jornalista pediu um autografo a Virgolino Ferreira e êle não se fez de rogado, escrevendo “com mão firme e caligrafia regular”:
“Joazeiro,6 de Março de 1926.
Lembrança de Eu
Virgolino Ferreira da Silva
Vulgo Lampião”
Continúa o jornalista:
“Os outros fascinoras observaram-nos com um mixto de simpatia e desconfiança. Ao lado, como um cão de fila, velava o homem de maior confiança de Lampeão - Sabino Gomes, o seu lugar-tenente, mal encarado.
- É verdade, rapazes! Vocês vão ter os nomes nos jornais.
(A essa afirmativa de Lampeão, uns gosaram o efeito dela, outros não gostaram da coisa).
- Agora, Lampeão, escreve os nomes dos rapazes de sua maior confiança.
- Pois não. Mas, para não melindrar os demais, porque todos merecem igual confiança, poderia citar o nome dos companheiros que estão ha mais tempo comigo.
E escreveu:
1- Luiz Pedro; 2 - Jurlil; 3 - Chumbinho; 4 - Nevoeiro; 5 - Vicente e 6 - Jurema.
E o estado maior:
1 - Eu, Virgolino Ferreira; 2 - Antonio Ferreira e 3 - Sabino Gomes.
No caso de Um insucesso
- No caso de um insucesso com a policia, quem o substituiria como chefe do bando?
- Meu irmão Antonio Ferreira ou Sabino Gomes.
- Os jornais disseram ultimamente que o tenente Octeto, da polícia pernambucana, tinha entrado em contato com o seu grupo, correndo na noticia oficial da morte de Lampeão.
- “O tenente é um corredor. Ele nunca fez diligencia de se encontrar com nós. Nós é que lhe mantemos siguas soldados mais efeitos”.
- E o coronel João Nunes, comandante da policia de Pernambuco, que tambem já esteve no seu encalço?
- Ah! Esse é um velho frouxo, peor do que os outros…
A despedida, Lampeão nos acompanhou até a porta. Pediu o nosso cartão de visitas e acrescentou:
- Espero contar com os “votos” dos senhores em todo tempo!
O mesmo jornalista assim reproduziu as explicações que lhe prestou o Padre Cicero, procurando justificar a visita de Lampeão a Joazeiro:
Interrogado porque não mandava repelir ou prender Lampeão e seus asseclas, quando para isso bastaria um simples aceno á autoridade policial, então amparada por mais 800 homens armados das forças legais de Joazeiro, o padre respondeu com a bohemia de um apostolo que se arreceia de fazer mal no proximo:
- Não, meu amiguinho! Lampeão procurou o Joazeiro com intuitos patrioticos (sic). Ele pretende se alistar nas forças legais para dar combate aos revoltosos. Uma vez vitorioso, espera que o governo lhe perdôe os crimes.
Esse homem, que vem ao Joazeiro confiado em minha proteção, pretende se regenerar. Si não fôr possivel alistar-lo nas forças legais, eu o encaminharei para Goiás, onde levará vida honesta, como já fiz com Senhor Pereira e Luiz Padre.
Está mais ou menos demonstrado que os governos de Pernambuco e Paraiba não conseguirão prender Lampeão, entregando seu bando á Justiça. O povo é sempre prejudicado nessas cousas: é vitima de Lampeão e muitas vezes da policia tambem… Esse estado de cousas pode ser modificado facilmente: eu consigo que Lampeão se vá embora para muito longe e, assim, ficaremos livres dele.
Mas mandar prendê-lo aqui, em Joazeiro, nestas circunstancias, seria um ato de revoltante traição, indigno de qualquer homem, quanto mais de um sacerdote catolico.
Eu prevejo que muita gente agora, e principalmente meus desafetos, vão dizer que eu estou mancomunado com Lampeão. Mas não é tal. Aqui no Joazeiro eu recebo todas as pessoas que me procuram e fico satisfeito em prestar assistencia a um transviado da sociedade, procurando guiá-lo no bom caminho.
Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.