
A história do Ceará e do mundo desde 1928, narrada pelas lentes do acervo de O POVO
A história do Ceará e do mundo desde 1928, narrada pelas lentes do acervo de O POVO
* desde 1928: As notícias reproduzidas
nesta seção obedecem à grafia da
época em que foram publicadas.
EDITORIAL. A chacina de presos realizada pela Polícia Militar na Casa de Detenção de São Paulo é o mais novo escândalo que enlameia o nome do Brasil no Exterior, levantando a indignação da opinião pública mundial que se une às vozes da comunidade nacional a exigir o esclarecimento dos fatos e a punição dos responsáveis. O número das vítimas continua sendo motivo de polêmica, embora a relação oficial de 111 mortos já seja por si espantosa. Nem Iugoslávia, imersa numa guerra animalesca, registrou num único dia tal número de baixas; a média diária entre abril e agosto ficou em 62,5 pessoas. Testemunhas afirmam que as mortes ultrapassam a duas centenas. Fala-se em motim, em briga de quadrilhas, etc, mas nada justifica um número tão expressivo de mortos. Mais lastimável ainda porque se tratava da galeria de presos novatos, onde a maioria era de jovens na faixa de vinte anos de idade. De acordo com os relatos, alguns dos cadáveres foram encontrados com as mãos na nu- ca, numa demonstração clara de que haviam se rendido. E o mais absurdo é que um paralítico, totalmente impossibilitado de fugir, foi encontrado com o corpo perfurado de balas. Exames cadavéricos indicam terem alguns prisioneiros sido dilacerados por cães. O governo de São Paulo deve uma explicação ao Brasil e ao mundo, pois organismos internacionais de direitos humanos estão colhendo dados suficientes para denunciar às autoridades paulistas perante os tribunais que tratam de crimes de lesa-humanidade. O massacre foge aos padrões verificados até aqui, em episódios passados, pois demonstra que a Polícia Militar se sentiu totalmente livre para desencadear a carnificina, sem cuidar, sequer, de salvar as aparências. O fato de as prisões brasileiras estarem regurgitando de prisioneiros tem uma explicação que vai muito além da simples degradação moral, além do que o discurso ideológico desfiado pelas autoridades paulistas contra a figura do delinqüente, segundo o jurista Miguel Reale Júnior, está na base da tragédia da Casa de Detenção.
6 DE OUTUBRO DE 1992
Número de mortos na Casa de Detenção pode aumentar
A Corregedoria - da Justiça Militar do Estado tem recebido insistentes denúncias de familiares de presos e de pessoas, que por enquanto não querem ser identificadas, de que o número de mortos na Casa de Detenção de São Paulo na sexta-feira ultrapassa em muito o número oficial de 111. Para mascarar a verdadeira extensão da tragédia, muitos cadáveres podem ter sido desviados do Instituto Médico Legal e levados para necrotérios e outros municípios da periferia de São Paulo. O Promotor Corregedor Luís Roque Lombardo Barbosa reafirmou ontem que todas as denúncias "serão apuradas a fundo" no Inquérito Policial Militar (IPM) já instaurado. As investigações serão apuradas pelo promotor e pelo juiz corregedor militar Paulo Roberto Marafanti. O Procurador-Geral da Justiça, Antonio Dal Rozzo, deverá baixar portaria indicando um promotor especial para atuar no IPM. Caso a escolha não recaia sobre o próprio promotor Lombardo Barbosa, ele também pretende instaurar sindicância para complementar as informações que forem reunidas no IPM. "Se for apurado que a Política Militar se excedeu, os responsáveis serão enquadrados criminalmente", disse o promotor corregedor.
11 DE OUTUBRO DE 1992
Detentos cearenses também temem massacre
O Departamento de Pesquisas O POVO foi ouvir os detentos do Instituto Penal Paulo Sarasate para saber como eles se sentem em relação a sua segurança dentro do presídio e suas sugestões para melhorar a situação do presidiário. A pesquisa preocupou- se em trazer um panorama do que a população carcerária quanto ao grave problema da segurança dentro dos presídios, das insatisfações, dos temores e das medidas que as autoridades deveriam tomar para minimizar esses problemas. Pouco debatido no Brasil é o problema do sistema penitenciário. A criminalidade, a superlotação nos presídios e a violência policial deveriam ser questões debatidas por analistas sociais, órgãos do governo e a sociedade em geral. Conforme verificado nesta pesquisa, as penas recebidas pelos detentos entrevistados variaram entre a mínima de 2 anos e a máxima de 36 anos. A faixa etária varia entre 19 e 49 anos. Os detentos quando questionados sobre a possibilidade de algo semelhante ao ocorrido em São Paulo poderia acontecer no Ceará ficaram divididos entre 54% que responderam afirmativamente e 36% que não acreditam que semelhante tragédia possa acontecer nos presídios cearenses. Já 10% dos entrevistados não sabem ou não quiseram responder a questão.
21 de outubro de 1992
O massacre do Carandiru
O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, repartição agregada ao Ministério da Justiça, divulgou ontem um relatório sobre a chacina do Carandiru. O documento afirma o óbvio: "Houve uma chacina, um massacre", na Casa de Detenção de São Paulo. A "ação criminosa" foi praticada com requintes de crueldade. Segundo o documento, não houve rebelião, mas apenas briga entre grupos de presos. Não houve tentativa de fuga. Os presos não portavam armas de fogo, como divulgou a Polícia. Também não havia refém no presídio. Tampouco houve tentativa de negociação para debelar o distúrbio. Um detalhe importante: os corpos que resultaram do massacre foram exibidos nus para as lentes da imprensa. A nudez do preso é sinônimo de rendição, anota o relatório. Depois de rendidos, os detentos são habitualmente desnudados. A providência facilita a revista em suas roupas e os deixa indefesos. Se estavam vestidos no instante em que foram mortos, é sinal de que poderiam representar ameaça à força policial. Se estavam nus, é porque foram executados após sua rendição. A análise das roupas dos presos elucidaria as dúvidas. Se calças e camisas estiverem ensangüentadas e perfuradas de bala, os presos podem ter morrido em combate. Se estiverem intactas, não restará dúvidas de que os presos morreram depois de dominados, o que tornaria o episódio ainda mais absurdo. Rubens Approbato Machado, autor do relatório, diz ter encontrado nos últimos dias uma legião de "pessoas sérias, cultas e honestas, achando pouco o número de mortos", no Carandiru, 111 pela contagem oficial. Ele diz ter encontrado "no próprio meio jurídico" pessoas de "extraordinário conceito" que aprovaram a execução dos presos, num movimento que chama de "psicose coletiva da violência". Imaginar que a execução sumária de presos resolverá o problema da criminalidade é algo parecido a combater a AIDS enviando para o cadafalso um batalhão de aidéticos. O problema não está apenas dentro das prisões, mas também do lado de fora. O cotidiano não se cansa de oferecer evidências dessa monumental verdade. Vide o arrastão que nublou o domingo ensolarado do carioca. A solução está na erradicação da miséria.
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