Formada em medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC), residência médica em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP), Título de Especialista em Psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria
Formada em medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC), residência médica em Psiquiatria pela Universidade de São Paulo (USP), Título de Especialista em Psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria
Caminhava pela calçada quando parei diante de uma banca. Na capa da revista Quatro Cinco Um, a manchete: "Cem anos de Mrs. Dalloway", um clássico de Virginia Woolf. Que coincidência! Havia terminado o livro naquela semana. Fiquei feliz; para mim, a revista era um presente que chegava na hora certa. Comprei-a e comecei a folheá-la, sentada em uma loja próxima, quando um senhor entrou sozinho e perguntou: - Eu tô ficando velho, e a calça cresceu. Vocês fazem o ajuste?
A vendedora foi solícita e sorriu. Achei uma graça a pergunta dele. Inverteu a perspectiva: não foi ele quem diminuiu, foi a calça que cresceu. O passar dos anos não lhe diminuía o tempo que viria; ao contrário, alargava a trama do tecido da vida vivida.
"Mrs. Dalloway disse que ela mesma compraria as flores." Assim começa o livro, que se passa concretamente em um único dia, cujas vinte e quatro horas são marcadas pelas badaladas do Big Ben. Mas, entre um som e outro, cabe uma vida inteira. As horas que o relógio mede são poucas diante das que a memória de Clarissa, a protagonista, abriga. O tempo de fora corre em linha reta, o de dentro se esparrama, desdobra-se e se multiplica para todos os lados. É infinito.
Fiquei pensando em como usufruir melhor do que nos é mais sagrado: o tempo. Não apenas na dimensão da quantidade ou das escolhas que dão sentido aos nossos dias, mas também na forma de alargar a trama da existência, para que ela não cresça só no comprimento, e sim na densidade do que vivemos.
Clarissa Dalloway saiu em busca de flores, eu fui à banca de revista, e aquele senhor saiu para ajustar a calça. Há uma semelhança entre nós três: estávamos fazendo coisas triviais, comuns à rotina da vida diária. Não havia nada de extraordinário em nossas ações.
Um livro escrito há cem anos foi capaz de me tocar e transformar um instante comum em algo mais profundo, que vai além do que simplesmente "acontece". O passado e o presente pareciam um só, eu estava aqui e lá. São os pequenos momentos em que o banal se torna sagrado - e a vida, maior.
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