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O Brasil da elite cabeça de ovo
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Doutor em Sociologia pela Universidade de Paris I. Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenador do Núcleo de Cidadania, Exclusão e Processos de Mudança (Nucem – UFPE)

O Brasil da elite cabeça de ovo

A Ideologia da Negação e a Manutenção da Desigualdade
Tipo Opinião

É cada vez mais urgente analisar o comportamento da elite brasileira diante dos sinais recentes de recuperação econômica, aumento da renda dos brasileiros e lucros recordes de empresas e bancos.

Ao decifrar a entrevista do empresário Ricardo Faria, que culpabiliza o Bolsa Família pela dificuldade de contratação, é possível verificar a captura do debate econômico pelo setor financeiro e como a elite brasileira opera sob uma ideologia de negação sistemática da mudança social e econômica, preferindo sustentar uma narrativa de crise permanente para justificar privilégios e bloquear políticas que reestruturem a economia, reduzindo privilégios.

O caso Ricardo Faria: as ideias dos cabeças de ovo

A entrevista de Ricardo Faria, o “rei do ovo”, à Folha de S.Paulo (15/06/2025) tornou-se um marco recente da forma como a elite empresarial interpreta a realidade social. Sua frase "as pessoas estão viciadas no Bolsa Família" transforma um dos maiores programas de combate à pobreza do mundo em símbolo de preguiça e improdutividade.

Essa declaração ilustra um padrão discursivo que:

- Ignora dados objetivos sobre aumento de renda e melhoria de indicadores sociais e econômicos

- Demoniza políticas de inclusão social, apresentando-as como entraves à produtividade

- Reforça a visão moralista, segundo a qual os pobres são culpados por sua própria miséria (o discurso do escravismo)

Dois dias depois de sua entrevista a própria Folha de S.P. desmentiu seu papo com dados: apesar do aumento, a partir do segundo semestre de 2022, do valor do Bolsa Família para cerca de R$ 600, a taxa de desocupação hoje é menor do que há dez anos, quando o programa pagava menos de R$ 100 por pessoa.

Além disso, a análise por quintos da distribuição de renda domiciliar per capita entre 2019 e 2023 revela que o desemprego caiu em todas as faixas, mas sobretudo entre os mais pobres. Foi entre eles que o trabalho com carteira assinada ganhou mais terreno (+1,1 ponto percentual).

A renda do trabalho dos ocupados também subiu em todas as faixas, mas sobretudo entre os mais pobres (+9,5% ao ano, ou +43,6% acumulados no período).

O crescimento que a elite se recusa a reconhecer

Enquanto o discurso de crise domina a opinião publicada, os dados macroeconômicos contam outra história:

Lucros recordes de bancos e grandes empresas: instituições como Itaú e Bradesco registraram resultados históricos, Os três maiores bancos privados do País encerraram 2024 com lucro líquido de R$ 74,8 bilhões, um crescimento de 22,1% em relação a 2023. E, atenção, as 44 estatais federais deram lucro em 2024. Investiram R$ 96 bilhões e distribuíram R$ 100 bilhões em dividendos no ano passado. Isso provoca raiva pois não é possível falar de gestão pública competente.

Crescimento da massa salarial: Segundo o IBGE, 2024 e 2025 mostraram crescimento real da renda dos trabalhadores, puxado por programas sociais e aquecimento do consumo interno.

Expansão do PIB: O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2025 projeta o País como a oitava maior economia do mundo. Segundo dados da Austin Rating, o Brasil avançou 1,4% no primeiro trimestre de 2024, ficando entre os que mais cresceram em uma lista de 58 países. Essa expansão reforça a previsão de crescimento do PIB para 2025, que deve chegar a 2,1%, conforme estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Brasil.

O desempenho do PIB do Brasil no primeiro trimestre de 2025 se destaca, principalmente, em comparação com outras grandes economias. O Brasil ultrapassa economias como Itália, Canadá, Rússia, México, Austrália, Coreia do Sul e Espanha, mantendo-se atrás apenas dos Estados Unidos, China, Alemanha, Japão, Índia, Reino Unido e França. Em 2023, o País já havia subido uma posição, do 11º para o 9º lugar, no ranking das maiores economias.

Ainda assim, o discurso hegemônico da elite segue ancorado em narrativas de "descontrole fiscal", "vício em assistência" e "ambiente hostil ao investimento”.

As raízes ideológicas: Cafardo e o Elite Quality Report

O jornalista Pedro Cafardo, do jornal Valor, enfim um jornalista na grande mídia, demonstra que mais de 80% das fontes ouvidas nos jornais sobre economia pertencem ao mercado financeiro. O debate público fica restrito a variáveis como Selic, câmbio e bolsa de valores, enquanto emprego, renda e inclusão social são tratados como assuntos menores ou periféricos. A elite brasileira carrega um horror estrutural à redistribuição, herança direta do escravismo. Essa elite não apenas ignora os avanços sociais: ela os desqualifica moralmente, como se todo ganho por parte dos pobres fosse uma aberração econômica ou ética.

O Elite Quality Report 2024, um comparativo da geração de valor das elites mundiais produzido na Suíça, confirma: a elite brasileira é classificada como uma das menos criativas e mais extrativas do mundo. Prefere ganhos fáceis por meio de monopólios, protecionismo e rentismo, ao invés de apostar em inovação e inclusão produtiva.

O mecanismo da negação: como a elite constrói a ilusão de um país em crise e a recusa em reconhecer os avanços sociais e econômicos cumpre uma função política: impedir a consolidação de políticas distributivas e proteger os privilégios de classe. O mecanismo ideológico opera assim:

Conexões entre discurso, poder e reprodução de desigualdade

- Eixo Ideológico - “Vício no Bolsa Família” > Demonização de políticas sociais

- Eixo Econômico - Fontes financeiras hegemônicas > Indicadores exclusivos (Selic, bolsa, PIB)

- Eixo Estrutural - Naturalização da desigualdade > Elite extrativa com poder institucional

Esses três eixos se reforçam: a narrativa elitista legitima uma estrutura institucional que mantém a desigualdade e marginaliza vozes dissidentes.

Esse processo de inversão da realidade reforça o discurso da crise eterna e legitima as propostas de austeridade, arrocho fiscal e desmonte das políticas públicas.

As consequências políticas e sociais da negação

Esse comportamento não é apenas discursivo: ele tem efeitos concretos na vida nacional e provoca três impasses políticos graves.

O freio em reformas sociais: a elite bloqueia avanços estruturais como reforma tributária progressiva e expansão de programas de transferência de renda.

A erosão da legitimidade democrática: Ao negar os avanços, a elite alimenta um discurso de descrédito das instituições públicas.

A reprodução da desigualdade: Mantém-se o círculo vicioso onde poucos ganham muito e muitos ganham pouco.

Caminhos para romper a ideologia da negação

Superar esse ciclo exige democratizar o debate econômico. Ampliar a participação de intelectuais, universidades, movimentos sociais e sindicatos nas análises de conjuntura.

Um dos pontos principais desta luta é fortalecer os indicadores sociais como métricas centrais no jornalismo econômico. Este me parece um ponto central: Disputar a hegemonia do discurso econômico com estes economistas vendidos ao setor financeiro e construir novos indicadores e estudos capazes de enfrentá-los.

A elite brasileira permanece presa a uma lógica extrativa, alimentando um discurso de crise que não reconhece os próprios dados que indicam crescimento, geração de renda e inclusão social.

A fala de Ricardo Faria é apenas um sintoma de um problema mais profundo: a recusa histórica da elite em aceitar um Brasil mais igualitário.

Romper essa estrutura ideológica não é tarefa apenas econômica: é antes de tudo uma disputa de narrativas, valores e projetos de futuro.
Enquanto a elite escravista cabeça de ovo mandar no noticiário político econômico não conseguiremos superar os entraves estruturais que amarram o País.

Um coreano digno

Há um coreano muito bom na cidade, o Manur Izakaya — dica de Fernando Costa. Fica na Rua Araken Silva, 113, aquela da emergência da São Carlos. Uma casinha que nem chama muita atenção, mas o restaurante é "profiça" total. Rafael Joo Young Kim comanda tudo: é um paulistano descendente de coreanos que aprendeu todos os segredos com sua avó, dona Park. Atendimento a mil, cozinha frenética e de altíssimo nível, diversidade de pratos asiáticos no cardápio, comida saborosíssima. O problema é que não há reservas e a moçadinha já tomou conta. Então chegue cedo (às 19 horas) para comer no melhor coreano da Cidade.

Foto do Paulo Henrique Martins

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