
Doutor em Sociologia pela Universidade de Paris I. Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenador do Núcleo de Cidadania, Exclusão e Processos de Mudança (Nucem – UFPE)
Doutor em Sociologia pela Universidade de Paris I. Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenador do Núcleo de Cidadania, Exclusão e Processos de Mudança (Nucem – UFPE)
Se existe um fenômeno que se oferece a leituras ambivalentes é o da culpa. Nos regimes feudais a culpa está associada à punição dos "infiéis" que transgridam as regras impostas pelo poder teocrático. No pensamento filosófico moderno a culpa tanto está ligada a uma limitação moral que impediria a libertação da vontade humana, como vemos em Nietzsche, ou, diferentemente, como uma condição ontológica do ser no mundo, em Heidegger.
No Ocidente, a eficácia da culpa está associada ao amedrontamento do "Outro" (estrangeiros, mulheres etc.) como condição para se impor a vontade do governante. No processo colonizador a culpa constituiu um dos dispositivos eficazes de controle cultural e político das populações "pagãs" do ultramar. Culpa e medo sempre foram eficazes para destruir as resistências dos indivíduos a regimes autoritários.
Em certas sociedades não ocidentais, porém, vemos que a culpa tem importância pedagógica para a manutenção de uma ordem coletiva fundada mais no pacto moral que na repressão. Vemos isto em muitas comunidades pré-coloniais. No entanto, chama atenção o caso do confucionismo chinês clássico. Trata-se de uma doutrina curiosa sobre o valor pedagógico da autoculpa para gerenciar comportamentos dissonantes, facilitando a aplicação de regras de solidariedades mútuas; valorizando rituais coletivos de boas maneiras que estimulam a autorresponsabilidade.
O caráter didático da culpa tem tudo a ver com os dispositivos de normalização da democracia, no momento atual, em vários países, e com os desafios de se aplicar a justiça aos que buscam desorganizar o pluralismo democrático. O julgamento de Bolsonaro é histórico por não se limitar à mera aplicação punitiva da lei.
A justa culpa, no caso, tem valor educativo para fixar politicamente os limites morais da ordem republicana. Aqui, está em jogo a sobrevivência de um sistema de ação coletivo, o da democracia, que depende em última instância da eficácia pedagógica das práticas de autocontenção mutualmente consentidas dos que vivem sob o manto de uma ordem constitucional pública.
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