
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Seu pai, um agricultor de Morada Nova, tinha 25 filhos. 21 do primeiro casamento e 4 do segundo. A mãe não suportou a dor da realidade pós-parto e surtou. Foi adotada por uma irmã do primeiro casamento. Uma mulher negra, casada com um negro. Vieram para a Capital e foram morar no Ancuri, Caucaia. Na escola pública, seu desejo se chocava com a resistência social para aceitar a existência de um corpo fora do binário sexual.
Um dia, sentada numa estação de trem, pensou: ou terminava sua vida ali mesmo ou nascia outra pessoa, a Lucivânia, que quer dizer "luminosa". Começava uma longa, dolorosa e deslumbrante travessia, que Édouard Glissant chama de "um tremor". "A travessia é o lugar da incerteza, da não-evidência, do estranho. E tudo isso não é uma fraqueza, mas um poder", diz Paul Preciado, um dos mais importantes filósofos Queer.
Foram dez anos de algumas cirurgias, doses e doses de hormônios para redução da testosterona, e uma imensidão de trâmites legais para conseguir a redesignação de gênero. "Um processo de redesignação de gênero em uma sociedade dominada pelo axioma científico-mercantil do binarismo sexual,(...), é cruzar aquela que talvez seja, justamente com a raça, a mais violenta das fronteiras políticas inventadas pela humanidade. Cruzá-la é ao mesmo t empo saltar uma parede vertical interminável e caminhar sobre uma linha desenhada no ar", diz Preciado.
Lucivânia saltou. E caminhou numa linha tênue. Não sem medos. Lutou em todas as instâncias. Depois de concluir uma graduação em Serviço Social e, anos mais tarde, uma especialização em Educação e Direitos Humanos em São Paulo, numa trincheira da Vice-Prefeitura de Fortaleza, ela criou o Festival Mulheridades, para as mulheres festejarem a luminosidade que possuem. Na nossa conversa virtual, surge uma garota de uma lucidez impressionante, domínio intelectual dos problemas e capacidade de suportar, muita, muita dor, pela delícia de ser o que QUER, parafraseando Caetano.
Morada Nova:
25 irmãos e os pais adotivos
L: Sou de Morada Nova. Não conheci muito meu pai biológico. Sou a 25ª filha desse homem. A primeira esposa teve 21 filhos. Minha mãe, a segunda, teve quatro, e tinha o que hoje se entende como depressão pós-parto. Meu pai entra em contato com uma das filhas do primeiro casamento e solicita que ela vá ficando com os filhos dele até que essa mulher recobre a consciência. Vai primeiro Maria de Fátima, seguidamente, vai Lucivaldo. Um terceiro faleceu após o nascimento. Ela tem uma quarta gestação, que é a minha. Catarina, minha irmã por parte de pai, e seu José, marido de Catarina, criam a gente. Catarina é a história que me antecede, meu presente e meu futuro. Ela tem 74 anos e eu vou fazer 32. É a mais velha viva e eu sou a mais nova.
Infância e trincheiras
L: A gente vem para Araturi, em Caucaia. Cresço na periferia, vendo a condição de um borracheiro e uma costureira, analfabeta, negra. Ele, também, um homem negro, falecido em 2020. A escola foi um espaço de enfrentamento. Nem sabia o que era identidade de gênero, sexualidade, sexo, mas já sofria bullying. Ali, já começava a compreender que eu iria estar, boa parte da vida, nas trincheiras. Teria que ter coragem.
Arte, depressão
e primeiro amor
L: Na escola pública, crio meios de sobreviver pela arte. Entro no processo de gerir Lucivânia. Não podia começar uma transição com 15 anos, num bairro que não se ouvia falar de trans e travestis. Ingenuamente, achava que, por um milagre, conseguiria acordar com traços femininos. A ideação suicida faz parte da história de pessoas travestis, mulheres trans, transgêneros. Quando percebo que poderia ser a finitude de alguém que tinha tanto para construir, e que não tinha chegado nem à maioridade e pensava quase diariamente como morrer, começo a tentar viver. O menino mais popular da escola já enxergava a Lucivânia. Um dia, ele coloca uma lagartixa no bebedouro. Fui defendê-lo. No outro dia, ele bate lá em casa e chama pela janela: "Fui expulso". Começa uma amizade que dura oito anos. Francisco foi minha primeira vida afetiva, meus primeiros contatos sexuais e minha sobrevivência.
Transição e
retorno ao interior
L: Compreendo que tive privilégios genéticos, de acesso a oportunidades, de uma família pobre, mas que me deu condições de estudar. A transição é bem menos fantasiosa. É o acesso ao bloqueio da testosterona. Quando começa a injetar doses de estrogênio, tem um processo oposto. Mas o maior sofrimento é na cisgeneridade, quando você começa a se dissolver no dia a dia. Começo a hormonioterapia no Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto, que sequer tinha um serviço especializado para a população trans. Depois, vem a retificação na Certidão de Nascimento. No fim de 2017, volto para Morada Nova para a retificação. Em 2018, tenho acesso à cirurgia de mamoplastia. Compreendo o que é o corpo feminino no mundo, os assédios.
Festival Mulheridades
L: Na graduação, fiz o I Seminário sobre Diversidade Sexual da Fatene. Em 2015, minha primeira contratação profissional foi no Centro Educativo Patativa do Assaré. Fui para a Coordenadoria Especial de Políticas Públicas LGBT, da Secretaria de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS) do Estado. Na SPS, deixo a primeira pesquisa sobre a população trans no Ceará. Conheço a doutora Luciana Teixeira, que me convida para o Gabinete (da Vice-Prefeitura). O "Mulheridades" se monta com várias linguagens e vivências. É construir para mulheres com deficiência, trans, travestis, transgêneros, pretas, com todas essas intersecções. O evento muda o formato a cada três meses. Vai acontecer novamente em 2 de julho, na Biblioteca Pública Estadual do Ceará.
Cinco melhores restaurantes para levar seus pimpolhos
Quase nenhum restaurante da cidade pensa em criar um bom espaço para oferecer uma boa experiência para os filhos dos seus clientes. Os poucos que enfrentam o desafio, merecem um prêmio, mas podem melhorar muito.
VILA MOSQUITO
É o melhor da cidade, segundo Benjamin, meu pimpolho de 2 anos. Fica numa casa bem legal, na maravilhosa Vila Bachá. O espaço Kids (que nome careta!) tem bom tamanho e você pode escolher uma mesa em frente e ficar conferindo se tudo corre bem. A cuidadora é sensível e inteligente. Os brinquedos diversos e em bom estado. Só peca um pouco no quesito arrumação. As pizzas são interessantes e os pobres papais podem beber um vinho a preços honestos atendidos por garçons atenciosos. Não é à toa que 70 por cento dos clientes são pais com filhos pequenos.
SANTA GRELHA
É grande, bem grande. Tem cuidadoras ótimas. Sua mesa pode ficar bem em frente.Tem boa diversidade de brinquedos, mas um cheiro de mofo terrível.
e não deixa a massa cair.Será que a ideia é deixar as crianças órfãos.
PRIMO PIATTO
Não tem um um espaço kids. tem uma mesinha em frente ao forno em que as crianças aprendem a cuidar da massa e fazem biscoitos bem gostosinhos.Elas curtem demais participar do processo.A cuidadora é muito esperta
LA PASTA GIALLA
É bem miúdo. Não tem bom sortimento de brinquedos.Nenhuma cuidadora para ajudar na recreação.A sorte é que tem o melhor Maitre da cidade, o Barrinha, que segura todas as barras.
MURANO GRILL
Pequeno.Não tem cuidadora.São raros os brinquedos. Um arremedo de espaço infantil.Uma pena.
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