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Bitu Cassundé um rabdomante das artes visuais
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Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense

Paulo Linhares arte e cultura

Bitu Cassundé um rabdomante das artes visuais

O curador que colocou o Ceará no mapa do Brasil
Bitu Cassunde (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Bitu Cassunde

Não sabe o que é rabdomante? Segundo o pai dos burros, é o nome dado à prática de achar coisas perdidas ou ocultas graças ao movimento de um objeto inanimado qualquer. Uma varinha mágica, por exemplo. Um grande curador é aquele que seleciona, encontra e dá relevância às obras de arte. Ele extrai numa coleção a inferência que pode alterar toda nossa percepção estética. Como na célebre história de Freud, num relance, ele vê uma carta roubada onde outros só vêem uma mesa de trabalho.

Bitu Cassundé é, hoje, um dos maiores curadores de arte do Brasil. E a curadoria é uma especialidade em ascensão. Alguns talentos e qualidades exigidos de um curador são: grande capacidade de concentração, espírito fino e penetrante para selecionar e uma capacidade de manusear obras de arte, concatenando-às numa série que lhe oferece uma nova leitura à nossa percepção.

Bitu é um curador dotado de uma varinha mágica para detectar o que Blake chamava: "A sacralidade do pequeno detalhe". Ele nasceu em Várzea Alegre e atribui essa circunstância geográfica, social e histórica ao fato de ter uma ligação com a Amazônia e outra com São Paulo.

É que Várzea Alegre é cortada por duas grandes rodovias. A BR-116 leva a São Paulo, por onde foram embora do Ceará os peões cearenses que engrossaram a fila dos trabalhadores do ABC. E outra é a Transamazônica (BR-230), que em diferentes épocas e ciclos econômicos levou milhares de cearenses a tentar a vida na Grande Amazônia.

Cassundé é filho de uma professora primária e um agricultor. Na adolescência, a família fez um grande esforço e o matriculou com uma bolsa num dos grandes colégios privados da cidade. Cassundé viveu uma das primeiras grandes inadequações da vida. Desses estranhamentos, extrai a sua força.

Depois de uma passagem pela Escola Técnica Federal, ele entrou como estagiário no Museu de Arte Contemporânea do Dragão. Foi assistente de manutenção de acervo. E seguiu até entender tudo o que acontece num Museu. Ele já dirigiu o MAC, um museu no Recife, foi curador de uma das exposições mais premiadas dos últimos anos sobre o cearense Leonilson, entre muitas outras. Começou um doutorado na USP, onde passou por mais uma crise de inadequação. E prepara uma grande exposição do acervo de Antônio Bandeira na abertura da nova Pinacoteca do Estado. Faz sua tese de doutorado na Federal do Pará e pesquisa o acervo do artista Efrain de Almeida.

Os gostos subversivos e irônicos de Bitú fazem dele um magistral rastreador do que bons artistas têm de melhor. Vou contar um episódio banal que vivemos, mas que diz muito sobre ele. Estávamos no aeroporto de Fortaleza, aguardando um voo para SP na sala de espera. O aeroporto lotado em alta estação. Cassundé, então, descobre sentadinha anonimamente sua musa Gal Costa. Aquela fagulha acende seu humor e sua loucura. Ele circulava pelo aeroporto rindo e fascinado repetindo: "Meu Deus, Maria da Graça está ali", como se estivesse achado uma pedra preciosa naquele entulho de turistas.

Essa é a grande arte de Cassundé, do ordinário ele enxerga, como ninguém, o extraordinário. Os interesses de Bitu ultrapassam muito o campo das artes visuais. Além de curador de gênio, ele é um crítico e pensador bem humorado e percuciente das ambiguidades desse cruzamento, entre a rota da Amazônia e a rota do ABC paulista, chamado Ceará.

Da arte-educação à curadoria, passando pela reserva técnica de acervos

B: Começo a trabalhar no Dragão do Mar em 1998, na primeira exposição do MAC, "Dragões e Leões", como educador. Fui fazer graduação em Letras na UFC. No Dragão do Mar, entrei como educador e fui trabalhar na reserva técnica. Comecei a pesquisar os acervos. Sempre quando olho para a arte, não olho muito como um curador, mas como um técnico, um pesquisador, um arquivista, como alguém que está interessado não no todo da curadoria, mas na constituição daquilo que vai formar uma exposição, um pensamento. Comecei através desse lugar da pesquisa, dentro da reserva técnica. Tenho acesso mais intensamente às obras de Leonilson. Começo a pesquisar Leonilson. Ricardo Resende, curador, assume o MAC. Ele era coordenador do Projeto Leonilson em São Paulo. Ele e a família Leonilson doam para o MAC um acervo considerável. É dali que desdobro meu projeto de mestrado na UFMG. Me mudo para Belo Horizonte, para desenvolver pesquisa de mestrado sobre a obra de Leonilson. Essa relação entre curadoria se dá numa relação muito direta com a pesquisa e com as questões técnicas de toda especificidade da reserva técnica.

Principais experiências de exposições

B: O Itaú Cultural me convida para participar do Rumos, que possibilitava o pesquisador viajar por diversas capitais do Brasil para desenvolver cursos, visitar instituições e ateliês de artistas. Essa pesquisa, de dois anos, resultou numa grande exposição do Itaú Cultural em São Paulo. Surgiu o convite para dirigir um museu em Recife, o Museu Murillo La Greca. Passei uma temporada em Nova Iorque, fui tentar estudar inglês. Aproveitei para desenvolver meu projeto de doutorado na USP. Vou para São Paulo, passo no doutorado. Não rolou. Volto para Fortaleza com a possibilidade de trabalhar no Dragão do Mar de novo. A exposição do Leonilson no Itaú Cultural reuniu um grande acervo do Leonilson, que estava fora do Brasil. Ocupou os três pisos do Itaú Cultural. Teve uma estrutura muito grande, com digitalização dos cadernos, que são importantes materiais para a pesquisa do trabalho dele. Fazia muito tempo que não tinha uma exposição grande do Leonilson. Fiz junto com Ricardo Resende. Um ano depois, essa mesma exposição é apresentada na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre. Se chamava "Sob o peso dos meus amores". É o primeiro projeto que desenvolvo como curador.

Exposição sobre Bandeira e documentário sobre Efrain

B: Estou desenvolvendo um projeto curatorial sobre Antônio Bandeira para a abertura da Pinacoteca da Estação das Artes em Fortaleza, em novembro. É um processo imersivo na obra de uma das figuras mais fascinantes do Brasil. Grande parte da coleção faz parte de uma coleção comprada pelo Governo do Estado. Muito desse material traz um Bandeira experimental, dos cadernos, do ateliê. Tem muito material inédito. Um lugar interessante que estou pesquisando e trazendo é essa imagem do Bandeira como um homem preto. A abstração brasileira embranqueceu muito o Antônio Bandeira. Nessas pesquisas, encontrei um desenho em nanquim de um Exu muito grande e 54 figurinhas humanas com chifres. O Bandeira se interessava muito pela cultura afro-brasileira. Essa exposição se dedica a olhar para esse Bandeira que transita por Fortaleza, articulador político, conectado ao seu lugar, à sua terra, às relações.

Documentário sobre Efrain Almeida

B: Estou filmando um documentário sobre Efrain Almeida, um dos mais significativos artistas do Brasil, com posicionamento muito presente na arte contemporânea, trazendo religiosidade, cultura popular, artesanato e ressignificando por diferentes leituras: desejo, sexualidade, sagrado… Desde esculturas em madeira e bronze, ao bordado. A questão biográfica é forte no trabalho dele.

Doutorado no Pará

B: O Norte é povoado por cearenses. Na Segunda Guerra Mundial, quem trabalhava na política de arregimentar esses nordestinos e levar para o norte era Jean-Pierre Chabrol. É uma das figuras que pesquiso no meu doutorado. Essa figura eurocêntrica e endeusada, mas que hoje necessita de outras leituras. Esse doutorado discute a relação entre o Norte e o Nordeste do Brasil a partir desses trânsitos, deslocamentos, articulados principalmente por ciclos econômicos: seja da borracha, do ouro. Pego artistas que se relacionam com esse campo, como Chico da Silva e Chabrol. Estou imbricado pela arte cearense.

Foto do Paulo Linhares

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