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A vida mentirosa das elites, segundo Elena Ferrante
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Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense

Paulo Linhares arte e cultura

A vida mentirosa das elites, segundo Elena Ferrante

Nápoles deve ser substituída por Fortaleza para se entender essa série da Netflix
Livro
Foto: divulgação Netflix Livro "A Vida Mentirosa dos Adultos" (Elena Ferrante) ganhou adaptação no Netflix. Produção fica bem mais interessante quando traçamos paralelos com a realidade nordestina

A vida mentirosa dos adultos, adaptação da Netflix para o livro do mesmo nome de Elena Ferrante, está apanhando mais no Brasil do que as obras de arte dos três poderes. Eu ouso contestar a psicanalista Fabiane Secches, a maior especialista em Ferrante nos trópicos.

Gosto que me enrosco desta série dirigida pelo Edoardo De Angelis. Para quem não leu o livro, trata-se de mais um Ferrante com características do que chamamos de romance de formação.

A vida mentirosa narra a juventude de Giovanna, uma garota de 12 anos (na adaptação a garota deve ter quatro anos mais) numa turbulenta Nápoles dos anos 90.

Os críticos têm razão: a série tem muitos altos e baixos. Mas o que tem de fascinante supera os deslizes.

O meu leitor deve se perguntar por quê a série me parece tão interessante para merecer destaque.

Esse é o ponto.

Elena Ferrante é uma napolitana que nunca foi identificada com exatidão. Mas seus romances, de estupendo sucesso, se passam todos nessa cidade que pode ser melhor identificada como o sul da Itália, região pobre em relação ao Norte industrial e rico, contradição que mereceu reflexões de Gramsci em seu texto clássico "A questão Meridional, intelectuais e classe dirigente."

Nápoles é como se fosse uma capital do Nordeste (Fortaleza, Recife, Salvador) com mais de 2600 anos.

Esse ponto é fundamental para entender A vida mentirosa.

A série trata de uma conjunto de paradoxos: Nápoles versus Milão, Periferia versus bairros abastados, pobre versus elite, e finalmente intelectuais versus gente sem instrução superior e capital cultural.

Se você assistir a série sob o prisma napolitano tudo ficará mais claro e menos superficial.

É como se Elena Ferrante estivesse discutindo a partir de um ponto de vista nordestino.

Ela passa a ser "A vida mentirosa das elites". As elites das metrópoles centrais (no Brasil seria São Paulo e Rio,), as elites econômicas, as elites do conhecimento.

A série, que tem em Ferrante como uma das roteiristas, pega pesado com os intelectuais, mesmo os sói- disant de esquerda.

O que tem de bom?

A direção toma emprestado os padrões impressionistas do cinema dos anos 90, como Steven Soderbergh e mostra uma cidade de edifícios cheios de charme e design construídos em lugares degradados. A montagem utiliza aqueles recursos de diálogos passados em cenas posteriores ressignificando-os.

E tem um duo de protagonistas geniais, a adolescente Giordana Marengo, contida e pensativa, e a tia maluca periférica e rebelde Valeria Golino, a tia Vittória.

O pai, centro de todas as decepções da filha, representa a própria esquerda italiana, lachê, como diriam os franceses, covarde, vil, desprezível, acomodada, cheia de privilégios e passiva diante do avanço da direita como a recém-eleita Giorgia Meloni.

Imagino que parte das críticas que a série recebeu no Brasil vem destes detalhes de contexto. A esquerda italiana, que já foi uma das mais cultuadas e ativas do mundo, mesmo quando derrotada, pensemos em Gramsci e Enrico Berlinguer, virou uma geleia.

Nápoles, capital do sul que poderia liderar um movimento de ideias contra a direita industrial e rica (representado na política pela Lega Nord), nunca teve lideranças políticas capazes.

Se fizermos uma transposição imediata para o Brasil nada combina.

A esquerda Nordestina é forte e lidera o país hoje, comandando os principais postos de estado. A direita fascista italiana acabou de vencer espetacularmente as eleições comandada pelo Fratelli d Ïtalia e por aí vão as diferenças.

Sim, a vida mentirosa é, às vezes, esquemática nos seus parti pris gerais, mas qual adolescente não é? Eles estão começando a descobrir o mundo e mergulhar na dura realidade.

Para completar, a trilha da série é muito boa, vai de Ace of Base a Peppino de Capri, o Roberto Carlos deles, magistralmente selecionado e curtido.

Enfim, assistam a vida mentirosa e pensem nas seguintes questões: com a internet, os conflitos de dominação das periferias regionais, continuam com os mesmos contornos?

O que mudou ou tudo continua igual?

 

FEIOS, SUJOS E MALVADOS. A ESTÉTICA DOS GOLPISTAS.

Ao ver as fotos dos golpistas na Internet não consigo fugir da questão estética. A palavra estudada na filosofia da arte, vem do grego aisthesis, que significa apreensão pelos sentidos. Ou seja, como entender o que se passa pela sensibilidade. A maioria dos personagens fotografados são homens brancos de corpos ressentidos e retesados, parecem infelizes e cheios de ódio. São feios, sujos e malvados, como diria Ettore Scola.

Miami. O paraíso do dinheiro e dos políticos fujões é muito brega

Miami nunca é o destino certo quando se trata de sair do país como cafajeste. A cidade do extremo sudeste da Flórida, hoje um estado governado pela extrema direita, recebeu Bolsonaro e o ex-secretário de Segurança do Distrito Federal Anderson Torres. Ela foi também o centro de recepção dos cubanos de direita que fugiram da revolução de Fidel nos anos 60. A cidade fica a 260 km de Havana e 157 de Cuba. Quem quiser entender essa diáspora cubana leia "Como poeira ao vento" (Boitempo), de Leonardo Padura.

É verdade que em Miami viveu Ernest Hemingway, meu mestre na escrita. Mas, vamos combinar, Papá apesar de genial, era um grande cafajeste.

E Miami com sua arquitetura colorida art decor, praias cheias de surfistas e casas noturnas horrorosas é brega demais. Aliás, Ciro Gomes desta vez trocou Paris por Miami. O que diz muito da desorientação do meu caro amigo até na hora de cair fora.

Seriado Cangaceiro do futuro (Netflix): humor cearense de primeira
Seriado Cangaceiro do futuro (Netflix): humor cearense de primeira

O HUMOR CEARENSE, SEM CLICHÊS PRECONCEITUOSOS, NA NETFLIX

Muito boa, muito boa mesmo a série Cangaceiro do futuro de Hélder Gomes, o midas do audiovisual cearense. Direção segura e virtuosa à la Guel Arraes, atores inspiradíssimos comandados por Edmilson Filho, é uma delícia assistir.

A série está provocando controvérsia na web. Sabem por que?

Ousou mexer no padrão clássico do humor popular cearense: misógino, capacitista e homofóbico. O viés progressista do roteiro está incomodando a tradicional família conservadora brasileira.

Ótimo.

É uma aula de como temos que aproveitar o que temos de engraçado e inspirador e refazer de forma atualizada, sem preconceitos. Vai servir e muito para nossa cultura.

BOLSONARISTAS DEMITEM PARA PUNIR LULA

A bolsonarista Riachuelo escolheu o começo do Governo Lula para demitir 2.000 cearenses. Coincidência? Claro que não. Levaram os empregos e deixaram as lojas para levar nosso dinheiro. Pode, Arnaldo?

Foto do Paulo Linhares

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