
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Escrevo essa coluna no Dia Internacional da Mulher. Não sou muito fã destas datas que o mercado faz alarde, mas o Dia das Mulheres, além de ter surgido a partir de um movimento histórico de grande legitimidade política, as sufragistas, tem um sentido ritual de extrema importância.
Rituais são ações simbólicas que representam valores e processos que organizam uma comunidade.
Criar uma percepção simbólica da importância das mulheres na nossa vida, num País que bate, humilha e assassina mulheres diariamente, é o mínimo que podemos fazer para tentar mudar essa situação.
Rituais promovem eixos de ressonância socio-culturalmente estabelecidos, ao longo dos quais se tornam experienciáveis relações de ressonância verticais (com Deus, cosmo, tempo, eternidade), horizontais (na comunidade social) e diagonais (em relação às coisas), ensina o filósofo alemão Hartmut Rosa.
Portanto, eu quero falar aqui das mulheres. Mas vou falar das mulheres que estão bem próximas de mim no meu dia a dia. Nada abstratas. Bem vivas e atuantes.
Vou começar pela número 1 e depois todas que chegam com ela na minha vida. Minha preta "amefricana" Bel Andrade. Ela lidera o dia a dia de quatro homens: eu e três filhos, sendo um deles de três anos. Prepara uma tese de doutorado na UFRJ onde expõe as vísceras do racismo imposto a cada momento por este pacto banco vigente no Brasil (e como eu enxergo as minúcias hoje por causa dela!).
As reuniões onde os brancos se dirigem aos brancos como se ela não estivesse ali, nos aeroportos eles espezinham cada detalhe, o olhar masculino para uma mulher preta é sempre cheio de estranheza, o poder é sempre compartilhado pelos brancos, etc.. etc…
As aulas de yoga e dança para superar as dores musculares, lombares, os projetos que lidera e outros que coordena na sua vida pública e como jornalista, e ainda as crianças, seus livros e leituras, filmes, médicos, sonhos, tudo atravessado por preconceito e força para superá-lo. Ela escolheu o pensamento pela vida, a lógica a partir da prática, o laser da análise a partir da dor concreta, sem a vaidade retórica, sem firulas, sem mentiras.
É com ela que vem um bando de mulheres que aparecem e desaparecem num só dia, centenas de vezes no telefone, no apartamento, nos supermercados, na pracinha, nas aulas, na universidade, à noite, nas telas.
Grazielle Albuquerque e suas teses, suas leituras, seu novo livro que vai ser lançado em maio. Grazy Costa e sua luta para o jornalismo ser exercido com dignidade. Tayane Sales e suas ações, planos que trazem a periferia para exercer ofícios criativos nessa cidade excludente. Lucivânia Souza e os seus programas que ensinam respeito às pessoas trans. Natalia Sobral e sua consciência mística e a força telúrica que nos ampara e dá vida quando desfalecemos.
Henriette de Salvi, com sua efervescência criativa seguida de tédio diante da mediocridade. Renatinha Milério e sua rede de sobrevivência coletiva que, às vezes, esbarra na aspereza dos obstáculos. Julianna Formiga, revelando os mistérios da alma e da vida com sabedoria e generosidade. Clarisse Linhares e seu espírito resolutivo, que nos auxilia nas madrugadas com uma resposta pediátrica que ninguém pensou.
Indi Carolina com suas ligações interurbanas e a ponte afetiva de quase 20 anos entre Arraial d'Ajuda e Fortaleza. Dona Wanda que, entre um trançado e outro do seu artesanato, acolhe e cuida dos meninos. Luana com seu astral inquebrantável e sua paciência infinita. E minha irmã Ana Carolina: proteção à distância e força tranquila.
Sim, são tantas e tão fortes que nenhuma analogia é capaz de abarcar o que é a singularidade de cada uma delas. A complexidade, a tenacidade, a capacidade dessas mulheres de se manterem vivas e atuantes me intriga, pois as respostas não pertencem ao campo intelectual e filosófico habitual, apenas.
É um mistério do amor à vida, de onde vêm as fortes ventanias que as movem, ventanias vindas das profundezas desses seres. Nem os doutores da igreja, nem as rainhas do candomblé, ou filósofos acadêmicos seriam capazes de explicá-las na sua inteireza. Enfim, essas mulheres e seus mistérios multiversos.
Como canta o imortal Erasmo Carlos: "Mulher, mulher, na escola em que você foi ensinada/jamais tirei um dez/ sou forte, mas não chego aos seus pés".
Acepipes, às vezes indigestos.
Tudo joia, leitores? Não esqueçam que em 1789 um colar de brilhantes fez Maria Antonieta e Luís XVI perderem a cabeça num guilhotina e apressaram a revolução francesa.
Como diriam aqueles antigos colunistas sociais, não convidem para o mesmo ônibus o governador Elmano e o prefeito Sarto.
Ninguém merece um Eduardo Barão falando platitudes e obviedades o dia inteiro (Band News-São Paulo). Essa semana ele chamou várias vezes o ministro Juscelino Filho (das Comunicações) de ministro do Turismo. Chegou a imaginar cenas do ministro vendendo o Brasil no Exterior. E ninguém corrigiu o idiota da objetividade, com diria Nelson Rodrigues.
O governador Elmano, que tinha anunciado somente a duplicação da BR-116 entre Pacajus e Boqueirão do Cesário, ampliou o pacote para o ministro dos Transportes Renan: o trecho da BR-304, entre Aracati e a divisa do Rio Grande do Norte, como havíamos sugerido aqui na coluna. Saiu da reunião com os dois trechos garantidos. Como artista, jornalista e antropólogo são tudo megalô, acho que ele aceitou minha sugestão kkk.
Comecei a ler "A Fronteira", uma viagem em torno da Rússia na madrugada quente da quarta-feira. Uma tradução do perfeccionista Leonardo Pinto. Comento na próxima semana em "Cabeceira".
Hábito de quem trabalhou com opinião pública: de três em três meses analiso a popularidade dos chefes de estado dos principais países, os que contam no jogo internacional, bem explicado. França: Macron vai mal com a reforma da Previdência. Tem 30 de aprovação e 45 de reprovação. O milionário indu Rishi Sunak, da Inglaterra, vai de mal a pior. Deve cair em poucos meses.
Joe Biden tem 40% de aprovação e um pouco mais de reprovação. Boric, no Chile, tem baixa aprovação e enfrenta crise de Segurança Pública e crescimento da direita. Quem vai bem? Depois de surpreender os críticos com posições moderadas e reuniões cordiais com líderes internacionais, a primeira-ministra ultradireitista Giorgia Meloni vai com mais da metade dos italianos aprovando seu governo e ganhando todas as eleições municipais e regionais. Andres Manuel Lopez Obrador, o presidente mexicano, continua voando em céu de brigadeiro. Ele tem aprovação recorde e mais de 90% dos mexicanos. AMPLO, como é conhecido, já acena com a candidatura da prefeita da Cidade do México, Claudia Sheinbaum, à sua sucessão. Será um passeio.
Uns haters, torcedores do Fortaleza, me ameaçaram na Internet pelos comentários críticos quanto aos atos racistas da torcida e as providências formais de Marcelo Paz. Merci, pela audiência.
O filme "Tudo em todo lugar ao mesmo tempo" é um desses produtos artísticos que dá uma bagunçada nos paradigmas. Os diretores Daniel Kan e Daniel Scheinert, The Daniels, e a atriz Michelle Yeoh fizeram uma comédia épica (existe isso, F F Farias?) de arrasar quarteirões. O filme brinca com a ideia do multiverso dos físicos quânticos. Não confundir com metaverso. O multiverso é a ideia que existem vários universos paralelos. O metaverso é a ideia de uma realidade paralela, entre o real e o virtual. Um multiverso tem muitos universos. O metaverso tem um único universo, o da Meta/facebook. Brincadeira, essa última frase. Entenderam? Não? Perguntem ao filho de vocês de quatro anos. Ele sabe e explica melhor do que eu. O filme é muito bom. Assistam.
A volta de um clássico francês
A gastronomia cearense tem um passado bastante pobre e sem muito brilho. Com algumas honrosas exceções: o Hofbrauhaus e seus rapés no final da noite, o Sandra's, na Dunas, e, depois, na Praia de Iracema, o Lido, onde reza a lenda, Paul Mattei descobriu a lagosta cearense.
O Anísio, onde começou o Pessoal do Ceará e suas peixadas de sirigado fresquinho. O Alemão, da av. Desembargador Moreira, que esqueci o nome. Um clássico do final dos anos 90 foi o La Nuit, da Praia de Iracema. E ele voltou, agora, com o nome de "Matisse cuisine et Art", na rua Silva Jatahy 942, vizinho ao La France (outro clássico), e no mesmo endereço onde foi o Piaf.
Um clássico precisa ter, antes de mais nada, densidade. Ou seja: várias características referenciais que o tornam inesquecível. E o novo Matisse tem de sobra. Um chef de personalidade, Herve Tassigny, autor de alguns pratos exaustivamente copiados na cidade, que voltou em grande estilo. Uma decoração à la Casablanca. A música perfeita que não atrapalha as conversas. A luz e conforto ambiental raro na cidade.
O Matisse é tão imponente que ninguém ousa falar alto. E olha que Fortaleza é uma cidade terrível para quem quer fugir do barulho. E tem o cardápio com as criações de Hervê Tassigny como o camarão flambado no conhaque com molho holandes e fettuccine. O filé de sirigado ao molho beurre blanc na crosta de pão acompanhado de cuscuz marroquino. Nao posso esquecer das sobremesas imperdíveis:tarte tatin e creme brulée. Enfim, é muito bom ter uma casa com essa densidade em Fortaleza. Donc, je pense que cela mérite un toast.
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