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Primeiros passos nessa Fortaleza de 297 anos
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Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense

Paulo Linhares arte e cultura

Primeiros passos nessa Fortaleza de 297 anos

Faltando três anos para chegar aos 300, Fortaleza ainda é nova em relação a outras cidades, mas já tem suas marcas
O colunista com o irmão André (Foto: arquivo pessoal)
Foto: arquivo pessoal O colunista com o irmão André

Fortaleza está a três anos de completar trezentos anos. É quase uma criança em se tratando das grandes cidades do mundo. Mas são três séculos que já permitem enxergar muita coisa.

Suponha que você, tendo publicado seu primeiro livro sobre a cidade há trinta anos, desejasse dizer como essa cidade sofreu diversas mudanças, então, poderia comparar aquele tempo, os anos 90 com agora, o antes e o depois.

Poderia descrever as transformações das instituições, a economia (as indústrias foram embora), a educação (melhorou muito), a cultura (sou suspeito para falar, o que é ótimo, o campo cultural continua dominado pelo campo político) poderia até mesmo tentar construir um modelo das cidades de serviços, litorâneas e extremamente desiguais.

O problema é que você não tem espaço nem tempo para fazer esse percurso todo. Então, vou falar de lugares em que morei na infância. Você pode começar a enxergar todas as coisas que quiser a partir destes meus pontos iniciais.

Tudo começou na rua Visconde do Rio Branco. Era uma casa branca de entrada lateral que segue a sala principal e a porta se abre na sala de jantar. Meu pai, professor Edgar, me disse um dia que quase morri aos três anos quando meu velocípede virou e bati a cabeça no chão.

Depois fomos morar na Praça do Liceu, no Jacarecanga. A aristocracia cearense, o pouco que existiu dela, já estava saindo de lá e se mudando para a Aldeota.

O Corpo de Bombeiros e o Liceu do Ceará davam o tom das atividades permanentes. Passeatas, juventude e seus hormônios, incêndios.

Eu andava de bicicleta na praça e me apaixonava. Como no poema de Bandeira, um dia subi numa casa e vi uma moça nuinha no banho.

Abriu um internato de mulheres na rua vizinha à minha casa. Eu estudava num colégio do Lauro de Oliveira Lima, do meu pai e do Luiz Edgard Cartaxo, que era uma experiência piagetiana, mas papai achando pouco a modernagem me matriculou à tarde numa escola pública no coração do Pirambu.

Lembro da vergonha que passei quando no dia do aniversário da professora levei uma caixa de sabonete e meu melhor amigo deu de presente um ovo cozido.

Tivemos um breve intervalo de quatro anos fora quando meu pai foi dirigir uma grande escola em Parnaíba. Na volta, moramos na Treze de Maio, na Otávio de Castro, rua que começa bem em frente à Igreja. Eu jogava futebol e espiava as meninas que entravam e saiam do Colégio Nossa Senhora das Graças.

Finalmente, mudamos para a Gonçalves Ledo, já chegando no Centro. Era uma casa grande, e meu pai participava do Governo Virgílio Távora e se assustava com os militares que logo chegariam ao poder e caçariam ele por toda a cidade.

Uma noite, seu carro quebrou e ele pediu a Kombi do vizinho para ir com quatro intelectuais amigos comprar jornal no abrigo da Praça do Ferreira. Eles liam o Correio da Manhã e detestavam o Estado de São Paulo.

Um carro bateu atrás da Kombi que emborcou. Os quatro vermelhos levaram um susto dos diabos.

Moramos também em Maraponga, onde meu pai, impedido de dar aulas na UFC pelo glorioso exército nacional, criou uma fábrica de acrílico.

Belchior e outros artistas frequentavam nossa casa e cantavam na hora do almoço, à noite. Minha irmã mais nova, e sua loira cabeleira, Adriana, foi atravessar a avenida, e morreu atropelada aos 9 anos de idade.

Mudamos para a Tereza Cristina. Papai voltou a dar aulas na UFC, Roberto lançou debaixo dos caracóis do seus cabelos para homenagear Caetano. Tudo parecia voltar a ficar papo firme, como se dizia então, quando a sombra da ditadura e o luto da minha irmã voltaram a nos abater. Papai resolveu dirigir um colégio de vanguarda em São Paulo, na Granja Viana.

Acabou a minha infância e minha adolescência. São Paulo entrou na minha vida e me fez trabalhar e estudar pro resto da vida.

É como cantava Belchior, na varanda da nossa casa em Maraponga, "mas não se preocupe, meu amigo, com os horrores que eu lhe digo, a vida realmente é diferente, quer dizer, ao vivo é muito pior".

FORTALEZA, CE, BR,  20.06.19 -  Karim Ainouz, ceneasta, em entrevista ao O POVO (Foto Fco Fontenele/O Povo)
FORTALEZA, CE, BR, 20.06.19 - Karim Ainouz, ceneasta, em entrevista ao O POVO (Foto Fco Fontenele/O Povo)

ACEPIPES. ÀS VEZES INDIGESTOS.

Karim Ainouz (foto) é o sol do nosso cinema. Karim na seleção oficial de Cannes é muito importante para a história do cinema cearense. Ele é um gênio do ofício e pensa no Ceará com preocupações legítimas e generosas. Cada passo dele em direção ao futuro representa muito para todo mundo que vive e pensa o audiovisual no Ceará. Quanto mais ele brilha mais chance teremos de sair da escuridão.

Futebol é entretenimento. A presidente do Palmeiras, Leila Pereira, disse essa semana o óbvio: futebol é entretenimento. Espero que a nova diretoria do Ceará entenda o que isso significa. A do Fortaleza sabe.

A padaria Portuguesa da Varjota. Abriu uma padaria Portuguesa com certeza, na Frei Mansueto,526, quase em frente ao Museu da Fotografia. O Português sabe fazer pães, salgados e doces. Chama-se Sabores de Portugal. Já disse aqui e vou repetir, uma boa padaria, uma boulangerie, como dizem os francófonos, é um importante traço de boa vida comunitária.

O que a Forbes nos diz. Mário Araripe é o homem mais rico do Ceará, diz a Forbes. É o novo dinheiro da Energia Verde. Vamos nos acostumar: o dinheiro mudou de direção. A economia velha está desaparecendo. Mário foi o primeiro cara que me deu sua conta de propaganda quando eu ainda era imberbe. Ele sabe para onde sopram os ventos. KKKK. Não resisti a boutade.

 

Lúcio Alcantara e Moreira
Campos Campos.

Lúcio Alcântara, homem de hábitos tradicionais e sóbrios, escreveu uma carta entregue na portaria do jornal, dizendo que ele também, como governador, concedeu poucas e merecidas Medalhas da Abolição. É verdade. Minha amiga Carolina Campos, neta do grande Moreira Campos, lembra que eu também indiquei seu pai. Verdade, também. Acho o Moreira Campos melhor, muito melhor que Dalton Trevisan e seus vampiros.

Moreira tem mais consistência filosófica, digamos assim. Um dia disse para o Karim que ele deveria filmar "Dizem que os cães veem coisas". Ele disse que quase o fez e ainda sonha em fazê-lo.

Foto do Paulo Linhares

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