
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), antecipou as "férias" para comparecer ao cruzeiro do cantor Wesley Safadão, na Flórida (EUA).
Na última semana, Lira se empenhou para acelerar as votações e aprovou dois projetos considerados prioritários pelo governo Lula: a reforma tributária e o projeto de lei que retoma o chamado "voto de qualidade" no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Na foto publicada pelo perfil "Choquei", no Twitter, o deputado aparece conversando com o artista.
Lira viajou antes mesmo do recesso parlamentar, que começa em 18 de julho. Pela Constituição, os parlamentares só poderiam iniciar o período caso tivessem aprovado a LDO, o que ainda não ocorreu. Essa foi uma das notícias mais comentadas da semana.
Não, não estou aqui para falar mal da classe política em geral como fazem os analfabetos políticos. Afinal, o discurso antipolítico produz o fascismo e a extrema direita sob o rótulo anti-sistema. O que importa aqui é entender a formação do gosto no Brasil que leva à adoração a Safadão.
O sociólogo Pierre Bourdieu, morto em 2002, realizou na década de 60, na França, uma grande pesquisa intitulada "Anatomia do Gosto", que foi transformada no livro " A distinção-crítica social do julgamento". Nessas duas obras, Bourdieu discute a validação do gosto em segmentos sociais.
Bourdieu acabou por provar que o gosto cultural e estilo de vida estão marcados pela trajetória social vivida por cada sujeito. Ele joga na lata do lixo a ideia que o gosto seria uma questão de foro íntimo.
A pesquisa francesa não serve para o Brasil. Na França, o peso da cultura erudita como marcador social faz uma diferença danada. No Brasil gostar de museus ou de música erudita é zero à esquerda.
Nunca se fez uma boa pesquisa sobre o gosto brasileiro. Não se sabe porque Lira ama Safadão a ponto de parar o Congresso e o País para embarcar num cruzeiro. Ninguém explica muito bem. Mas é possível avançar algumas casas entendendo como a música se situa na escala de gosto da brava gente.
Na minha trajetória de estudos são dez os eixos de produção de conteúdo hoje que movem a economia dos bens simbólicos:
Música. Quatro centros de produção de conteúdo lideram o mercado musical brasileiro popular hoje: o forró estilizado e o piseiro, que pode ser entendido por Safadão (Ceará); o funk carioca do morro representado por Anitta (Rio), o sertanejo da sofrência representado pelo legado de Marília Mendonça (Goiás) e o Axé que tem como índice simbólico Ivete Sangalo (Bahia). Que esses conteúdos tenham como geografia o sertão nordestino, o morro carioca, o agro do Brasil Central e recôncavo baiano não é mera coincidência. Eles trazem mais do que conteúdos, trazem a essência do habitus (o conjunto de práticas culturais característicos de um grupo de agentes).
E além de música, a economia de bens simbólicos do Brasil é movida por mais nove eixos simbólicos:
1.Futebol (entendido como produção de conteúdos de entretenimento),
2.Web influencers,
3. Conteúdos religiosos neopentecostais (o espírito da ética capitalista popular que a extrema direita capturou e a esquerda não sabe como funciona),
4. Food and drinks pop (comida e bebida de massa).
5.A dark economia cultural das drogas (pouca pesquisa e completo desconhecimento),
6.Corpo/estilo/ e sexo (a vida nas academias e do culto ao corpo),
7.Games.
8.Streamers (que vai dominando paulatinamente a produção de conteúdos para as telas)
9.Natureza e animais.
Assim, para entender a equação Safadão é preciso entender a anatomia do gosto brasileiro. A única pesquisa de qualidade antropologicamente perfeita feita aqui foi realizada nos anos 60/70 por um antropólogo panamenho chamado Homero Icaza Sanchez, então para a iniciante Rede Globo. Homero descobriu como era o habitus de uma nova classe média brasileira.
As tardes da mãe, a chegada dos filhos, e sugeriu as novelas para esses momentos. Depois o Jornal Nacional (feito pela Globo para entender os anseios de integração nacional dos militares) e a chegada do pai. Ou seja: Homero criou há mais de 60 anos a grade de programação vitoriosa da Globo.
O que ele sacou a seguir de mais valioso foi que o Brasil tem uma hierarquia de renda que não corresponde em nada à hierarquia do gosto estético. Assim, temos gente de renda AAA com gosto estético D.E vice-versa, grupos com gosto estético alto e renda baixíssima.
O velho sábio criou uma escala cruzada de renda e gosto que foi capaz de esclarecer um pouco nosso enigma e ao lado de Boni (padrão de produção) e Walter Clark (genialidade comercial) tornou a Globo o que é até hoje.
Lira tem alto capital econômico, capital social, capital simbólico (prestígio), mas capital cultural baixo. Não é a cara da elite brasileira?
Os marketeiros de hoje, pesquisadores com suas especializações, não sabem nada desse assunto.
Uma pesquisa estava sendo feita com financiamento da Fapesp por um dos maiores especialistas em Bourdieu no Brasil, Sérgio Miceli, que estudou os intelectuais brasileiros e a história das ciências sociais, mas ela desapareceu do meu radar.
Vejam a importância desses estudos: quem compreender a estruturação da economia dos bens simbólicos vai ver para quem e como os conteúdos devem ser produzidos. Vai enxergar as estruturas sociais da nossa economia.
A frase que serve de epígrafe do livro de Pierre Bourdieu com este título é uma ótima síntese da solução da equação: "Por que Lira ama Safadão?". Segundo a frase de Russell, "enquanto a economia mostra como os homens fazem suas escolhas, a sociologia mostra como eles na verdade não têm nenhuma a fazer".
Lira ama Safadão porque não aprendeu nem na família, nem na escola, a gostar de nada melhor. Bom para economia do Ceará. Ruim para o padrão estético nacional. É como disse Caetano Veloso, em 1968, recebendo a vaia durante a execução da música "É Proibido Proibir":
- "Se vocês em política, forem como são em estética, estamos feitos".
Estamos feitos.
NOVIDADES DO MERCADO GASTRONÔMICO
A gastronomia cearense está mais aquecida do que nunca. E os novos lançamentos não param de surgir.
Quem abriu as portas essa semana foi a Doc Trattoria & Wine Bar, na Ana Bilhar 1173, em frente à Cervejaria Turatti.
É uma casa gigante, nascida da parceria dos empresários gastronômicos Lissandro Turatti, proprietário da cervejaria Turatti e Luc Lungui, do restaurante La Bella Italia.
A Doc tem como diferencial um wine bar, que serve vinho em taças com uma oferta bem interessante. Ou seja, você pode degustar vinhos incríveis em pequenas quantidades, sem investir uma fortuna na garrafa.
A decoração do wine bar é fria, sem graça. O decorador pode dizer que ela é muito italiana, nos estilos por exemplo o Harry 's Bar, o bar restaurante mais famoso de Veneza, onde foram criados o drinques Bellini e o Carpaccio.
Aliás, eu fui lá umas três vezes para conferir. Não sei o que Ernest Hemingway, Orson Welles e Charlie Chaplin viram de bom por lá.
A cozinha do Doc é correta, sem ser genial, não empolga. Tem o padrão La Bella Italia, que é bem superior às invenções italianas cearenses, não colocam cream cheese em tudo, nem creme de leite, mas não abriu com nenhuma receita inesquecível.
Para não dizer que não falei de flores, tem uma polenta com ragu de costata (polenta com manteiga de queijo grana, finalizada com costela bovina desfiada) de entrada, que eu repeti duas vezes e marcou pontos na minha memória gustativa afetiva .
Ah, o Doc tem café da manhã sábado e domingo. Uma inovação gastronômica que merece ser investigada.
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