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Que loucura!
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Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense

Paulo Linhares arte e cultura

Que loucura!

Freud, Foucault, homeopatia e acupuntura foram parar na lata de lixo de Natália Pasternak
Natália Pasternak e Carlos Orsi lançam o livro
Foto: Arquivo pessoal Natália Pasternak e Carlos Orsi lançam o livro "Que bobagem!"

Acaba de chegar às livrarias um livro que vai provocar polêmica e bate boca.

O livro é "Que bobagem!" (editora Contexto) de Natália Pasternak e Carlos Orsi

A obra pretende denunciar o que o casal (sim, são marido e mulher) considera pseudo ciência, absurdos que segundo eles não merecem ser levados a sério, apresentando uma espécie de alfândega epistemológica. Entre os campos que eles consideram uma grande bobagem estão acupuntura, constelação familiar, astrologia, curas energéticas, dietas da moda, discos voadores e a própria psicanálise.

Pasternak é microbiologista, professora de Ciências e Políticas Públicas na Universidade de Colúmbia (EUA) e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC). A cientista teve participação importante na CPI da Pandemia, em 2021, na qual criticou o negacionismo por parte do governo federal na gestão da crise de saúde.

Carlos Orsi, por sua vez, é jornalista, escritor, editor-chefe da revista Questão de Ciência e diretor do IQC. A dupla já recebeu o prêmio Jabuti de literatura, em 2021, pelo livro "Ciência no cotidiano".

Não são leigos, portanto.

As 12 áreas de conhecimento abordadas no livro podem ser divididas em dois grupos: as que que reivindicam — de modo ilegítimo, segundo os autores — parte na família das ciências; e as que se dizem baseadas em uma lógica própria, alternativa à atitude científica, para interpretar a realidade.

A divisão, entretanto, costuma ser abandonada pelos defensores dos campos.

"Uma mesma doutrina (homeopatia ou acupuntura, por exemplo) pode apresentar-se primeiro como 'apoiada em estudos científicos' e, logo em seguida, como 'baseada em saberes tradicionais dotados de lógica própria', e isso sem que seus defensores gaguejem", escreve o casal.

No capítulo em que interpretam diferentes abordagens psicoterapêuticas, os autores comparam o trabalho de Freud a uma "Disneylândia discursiva". Eles denunciam a falta de embasamento científico em conceitos básicos da doutrina e até resgatam relatos de pacientes que acusam Freud de implantar neles memórias inexistentes.

Grande parte dos efeitos experimentados pelos defensores dos tratamentos abordados no livro são atribuídos ao placebo — fenômeno, esse sim, com base científica e bioquímica.

A profundidade epistemológica que os dois se permitem expor tem alguns princípios básicos de lógica do conhecimento.

Dizem eles: há uma extensa lista de falácias (estilos inválidos de argumentação que tendem a produzir conclusões equivocadas) e vieses cognitivos (predisposições psicológicas) que indicam onde o raciocínio sai dos trilhos quando tentamos interpretar e fazer sentido do que nos contam ou do que vivenciamos. As principais, ao menos no que diz respeito aos temas tratados neste livro, são: a falácia da afirmação do consequente, a "post hoc" e o viés de confirmação.

Afirmação do consequente é a falácia de inferir uma causa única a partir de um efeito que pode ter várias causas.

"Se chover, o asfalto ficará molhado" não implica que "se o asfalto está molhado, então choveu". A água pode ter ido parar lá de muitas outras maneiras (adutora com defeito, caminhão-pipa, lavagem da rua). Do mesmo modo, "se esse remédio for bom, eu vou sarar" não permite concluir que "se sarei, é porque o remédio é bom".

O "post hoc" (nome completo em latim, post hoc ergo propter hoc, "depois disso,

logo por causa disso") é a falácia de concluir que uma relação no tempo - uma coisa aconteceu depois de outra - implica uma relação de causalidade (o primeiro evento provocou o segundo).

Muitas vezes, raciocínios do tipo "post hoc" são induzidos por manipulação da atenção - por exemplo, uma pessoa supersticiosa pode, depois de quebrar um espelho, passar a atribuir todos os azares que tiver a esse fato. Ou uma pessoa que sara depois de tomar um remédio homeopático pode atribuir uma eventual melhora a esse produto específico, ignorando todos os demais fatores que podem ter contribuído para a recuperação.

O viés de confirmação é a tendência inconsciente de prestar mais atenção em exemplos que confirmam aquilo em que queremos acreditar e ignorar ou tratar como irrelevantes os exemplos do contrário.

Assim como a heurística de representatividade, esse viés é um grande motor de preconceitos.

Em conferência da série fronteiras do pensamento, Natália Pasternak lembrou que na metade do século XVII, em Londres, foi criado o primeiro café onde também funcionava o que se chamava Universidade de Vintém. Por um vintém se tomava café e discutia filosofia com pensadores e estudantes. Era o começo do iluminismo.

No começo do século XX, um grupo de intelectuais se reunia em Viena para combater a metafísica e defender o neopositivismo. Foi o que se chamou "o círculo de Viena".

Para o círculo de Viena, o também chamado de Positivismo Lógico, a Lógica e a Matemática são conhecimentos, a priori, independentes da experiência e fundamentam a linguagem científica. Mas o conhecimento empírico, diversamente do formal, não tem outro meio de obtenção que não a observação pura e alguma forma de indução

Os principais temas tratados pelo Círculo de Viena foram o princípio da verificabilidade, o fenomenalismo, a linguagem fisicalista e o método lógico indutivo.

Ao atacar o homem que descobriu o inconsciente, Freud, como um reles picareta e jogar na lata do lixo dois mil anos de conhecimento oriental como homeopatia e acupuntura, Natália e Orsi se juntam às incontáveis ondas de neopositivistas americanos que infestam a história do pensamento contemporâneo.

Pena, ela teve um papel importante combatendo a extrema direita durante a pandemia. Lembro que o último pensador importante que escreveu um livro contra Freud foi Michel Onfray.

Hoje, o filósofo francês lidera a extrema direita neofascista francesa.

Navegando numa linha tênue entre o marketing da divulgação científica e a batalha das ideias, o casal Natália/Orsi derrapou feio.

Como diria Narcisa Tamborindeguy: que loucura.

 

FORTALEZA - CE, BRASIL, 18-11-2020: Retrato do Chef Fernando Barroso para Vida e Arte. (Foto:Barbara Moira / O Povo)
FORTALEZA - CE, BRASIL, 18-11-2020: Retrato do Chef Fernando Barroso para Vida e Arte. (Foto:Barbara Moira / O Povo)

A província nem mesmo reconhece seus heróis

Morreu Fernando Barroso.

Um homem apaixonado pela gastronomia e que sonhou em dar ao campo da gastronomia cearense uma qualidade e consistência que nunca obteve.

Fernando era economista. Filho de ex- reitor da UFC, cresceu sensível às causas do pensamento.

Na TV O POVO, ele começou a fazer comunicação pública e se transformou num batalhador incansável da formulação de uma teoria e prática gastronômica do povo cearense.

Era um homem íntegro e generoso.

Sempre correto, obsessivamente cuidadoso nas suas relações com as pessoas mais humildes.

Tinha um coração imenso.

Maisa Vasconcelos observou que ele mereceu ser nacionalmente conhecido se o Ceará tivesse mais potência simbólica e menos picuinha.

Foi um herói dessa nossa causa de transformar essa terra num centro de produção do conhecimento simbólico. Infelizmente, a província não reconhece seus heróis.

Foto do Paulo Linhares

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