Logo O POVO+
A fotógrafa dos grandes intelectuais
Foto de Paulo Linhares
clique para exibir bio do colunista

Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense

Paulo Linhares arte e cultura

A fotógrafa dos grandes intelectuais

UMA ENTREVISTA INTERROMPIDA COM A FOTÓGRAFA DOS GRANDES INTELECTUAIS DO SÉCULO XX
Fotógrafo cearense Solon Ribeiro (Foto: reprodução)
Foto: reprodução Fotógrafo cearense Solon Ribeiro

Ruídos e mal entendidos, os lapsos, são a essência na comunicação. Mas, como todos os atos falhos, as parapraxias ou uma revelação ou ação na hora errada, eles dizem muito mais do que pensamos.

Quando escrevi minha coluna sobre minha biblioteca em recomposição, não disse pela web, para meu editor atencioso e perspicaz, que a foto de Walter Benjamin era na sua casa, mas ele imaginou pois eu falava no texto na biblioteca pessoal de Walter e de Alberto Manguel.

Na verdade, na foto que publicamos, Walter Benjamin está na Biblioteca Nacional de Paris, a BNF.

O que causou o pequeno ato falho digital é que Benjamin, que por sinal é o nome que dei a meu filho, hoje com três anos e meio, em homenagem ao filósofo, escreveu o ensaio que deu título ao artigo em 1931, que ele intitulou "Desencaixotando minha biblioteca", um discurso sobre o ato de colecionar", na ocasião em que tirava das caixas os seus dois mil livros e lambia as feridas de um casamento fracassado.

Pois bem, as fotos dele que publicamos, foram feitas tempos depois, na Biblioteca Nacional de Paris, cidade para onde ele fugiu quando a barra começou a pesar na Alemanha pré-nazista. Uma delas, Benjamin pensando na biblioteca, é talvez uma das fotos de intelectuais mais icônicas de todos os tempos.

Pouco tempo depois, ele fugiu para atravessar a fronteira e escapar dos alemães que invadiram Paris e, antes de conseguir atravessá-la, na noite final, não resistiu a tensão e, no desespero, tomou um comprimido de cianureto. Na manhã seguinte, os judeus que estavam na fronteira conseguiram fugir.

Daí a importância da obra da fotografia de Gisele Freund. foram os últimos momentos de criação intelectual de mais um mártir da maldita guerra.

Quando fui morar em Paris, conheci um jovem fotógrafo cearense, Solon Ribeiro, e um dia resolvemos entrevistar Gisele Freund. Eu tinha ido fazer meu doutorado, mas havia combinado com meu querido amigo Demócrito Dummar que ficaria como um espécie de correspondente de O POVO e enviaria algumas matérias especiais.

O status de correspondente me dava algumas vantagem em Paris, como frequentar museus, grandes coletivas e comer nos restaurantes universitários que escolhesse. Solon é um gênio do humor. Divertido e inventivo, ele é um dos maiores especialistas na vida e obra do grande artista plástico Hélio Oiticica.

Solon marcou a entrevista com Gisele e fomos num dia frio, mas ensolarado, visitar a grande fotógrafa.

Eu estava bem nervoso, era minha estreia internacional, e Gisele tinha sido amiga e havia fotografado o filósofo que marcou meu pensamento.

Deixem-me explicar melhor quem foi ela.

Fotógrafa francesa, de origem alemã, nascida em 1908, em Berlim, estudou Sociologia antes de fugir dos "nazis". Em 1933, refugiou-se em Paris, onde começou a fotografar para sobreviver. Trabalhou para as revistas Life e Paris-Match. Paralelamente, escreveu a sua tese "La photographie en France au XIX e siècle", uma abordagem sociológica da fotografia francesa do século XIX.

Em 1935, começou a retratar uma série de intelectuais da época (Colette, Jean-Paul Sartre, André Malraux, James Joyce e Virginia Woolf, entre outros). Gisele Freund foi pioneira no uso da cor, que lhe permitia conseguir uma aproximação realista e sensível à personalidade do retratado.

Ela, que naquela época morava em Denfert- Rochereau, delicadamente convidou a subir para a mansarda, no alto da sua casa, onde ficava seu atelier.

Nossa entrevista fluía maravilhosamente bem, falávamos de Benjamin, depois das suas fotos famosas. O sol brilhava, bebíamos um vinho branco delicioso, até que abri minha bolsa cearense de couro e tirei um livro de Benjamin publicado no Brasil.

Ela parou. Fixou o olhar na capa que tinha a famosa foto de Benjamin e folheou nervosamente o livro. Ficamos paralisados.

Essa publicação não recebeu minha autorização para usar essa foto. Não é pelo dinheiro. E começou a xingar todos os editores do mundo. A entrevista virou um pesadelo. Eu e Solon agradecemos e caímos fora.

Fomos a um restaurante marroquino que ficava pertinho e que eu adorava e rimos demais da trapalhada.

Lembro que entre uma garfada e outra no cuzcuz marroquinno, que não tem nada com nosso cuscuz, é um cozido bem servido acompanhado de cuscuz, Solon me contou outra historinha engraçada que se passara com ele logo que chegou a Paris.

Ele tinha arranjado uma namorada francesa que, além de linda, lhe ajudava a melhor dominar o idioma.

Quando foram fazer amor pela primeira vez, já nos momentos finais, a menina gritava desesperadamente "ancore". Sólon ainda não sabia muito bem o que significava o termo, que por sinal é um anglicismo que pode ser traduzido por " mais, ainda mais". Quanto mais ele acelerava o processo tentando decifrar o que ela dizia, mais ela gritava. Como podem notar, o "lapsus linguae", como se diz em latim, às vezes pode funcionar muito bem.

Enfim, minha memória retém a chave daquele domingo de sol e muito frio e, de vez em quando, ela se abre e saem as impressionantes fotos de Gisele Freund, a capa da edição do livro de Benjamin, sua linda água furtada, o cuscuz marroquino e a menina gritando "ancore".

 

Série
Série "Guia Astrológico para corações partidos", da Netflix

Itália em casa

Às vezes você quer tomar um vinho, conversar ou ver uma série e não tem a menor paciência de pegar carro, estacionar, enfrentar a lógica dos restaurantes, mas como comer bem com tanta coisa ruim na web?

Abriu um delivery de antepastos italianos muito bons. Acho que poucos restaurantes têm antepastos tão deliciosos e com ingredientes e preparação tão cuidadosos.

Chama-se Antepasteria Das6 (basta procurar no ifood). Experimentei e aprovei a Polenta e Salsiccia. São dadinhos de polenta salteados na manteiga, linguiça ao vinho e ervas, molho de queijo provolone picante e parmesão (R$48,92).

Também estava muito bom o Trio "Di Carne". Porchetta romana, patê de frango cremoso, polpette al sugo e barriga e lombo suíno assados com ervas finas e pimenta do reino, fatiados e servidos frios; patê de frango com cream cheese, azeitonas verdes e páprica defumada;

Almôndegas ao molho de tomate caseiro, parmesão e manjericão; Pão branco, integral com gergelim, schiacciata. (R$55,80).

E pra concluir pedi uma panna cotta. Era uma clássica panna cotta com geleia caseira de morango. (R$12,50). Foi uma das melhores que lembro ter comido na Fustaleza (como pronunciavam os antigos).

Para completar uma noite bem italiana, você pode assistir uma série sobre um artista que representa a bota, o renascimento e toda a riqueza cultural da Itália. Se você preferir uma versão mais moderna, ágil e bem emocionante assista uma série disponível na Disney chamada "Os demônios de Leonardo da Vinci". Se preferir uma versão mais reflexiva, com cuidados históricos mais precisos, assista "Leonardo da Vinci", da Globo Play.

As duas mostram Leonardo Da Vinci com toda sua genialidade de polimata (se você não sabe o que é, por favor volte algumas colunas atrás, como naqueles joguinhos) e numa dimensão de criador e gênio que provavelmente nenhum outro ser humano vai chegar perto.

Foto do Paulo Linhares

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?