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Réquiem para um garoto e herói morto
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Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense

Paulo Linhares arte e cultura

Réquiem para um garoto e herói morto

Morte do ator e diretor Rogério Mesquita levanta problemas dramáticos de um campo cultural restrito
Ator cearense Rogério Mesquita foi um 
dos fundadores do grupo Bagaceira de Teatro (Foto: Joyce Vidal/Divulgação)
Foto: Joyce Vidal/Divulgação Ator cearense Rogério Mesquita foi um dos fundadores do grupo Bagaceira de Teatro

Hoje acordei triste, me lembrando de Rogério Mesquita, o fundador e ator do Bagaceira que morreu há uma semana. Recordei as conversas que tivemos quando o convidei para ser curador do Teatro do Centro Dragão do Mar.

Estávamos sendo assediados politicamente, sem dinheiro para nada e lhe pedi para cuidar do Teatro da melhor maneira possível. E foi o que ele fez.

E naquele dias e outras vezes, nos sentamos e conversamos durante horas. Rogério estava angustiado com a falta de saídas do teatro cearense. Tentei lhe explicar os impasses do nosso campo cultural.

A dificuldade de sairmos da crise permanente pela lógica de um campo restrito. Um sistema cultural restrito como o do Ceará é aquele onde o público que tem acesso aos bens simbólicos é tão pequeno que não permite a formação de um circuito de autonomia e consagração social em relação aos campos econômicos e político.

O giro completo é: criadores e produtores trabalhando, bens simbólicos circulando, público amplo com capital cultural e acesso a esses bens (habitus), crítica, legitimação de criações pelo debate e a discussão, consagração e distinção social.

O bom pensamento bourdieusiano, o melhor da sociologia cultural, mostra que o campo cultural tem duas lógicas. E sem enxergá-las bem não se entende a permanente crise do teatro.

Ao fim de um longo processo de especialização do campo cultural no Brasil, consolidou-se uma produção cultural especialmente destinada ao mercado e, em parte como reação contra esta, de uma produção de obras de inovação e destinadas à apropriação simbólica.

Os campos de produção cultural organizam-se, segundo um princípio que diferencia a distância objetiva e subjetiva desses empreendimentos.

As estratégias dos produtores se situa entre estes dois limites que, de fato, jamais são atingidos, a subordinação total e cínica a demanda e a independência absoluta com respeito ao mercado e às suas exigências.

O teatro de qualidade localiza-se na lógica de produção simbólica de prestígio e precisa de um campo cultural amplo para financiar a chamada produção da não economia.

No Brasil, a economia da cultura só é razoavelmente forte em São Paulo e Rio onde suas sobras, atores e atrizes populares na TV e no cinema, de par com um mecenato empresarial e público, possibilitam a existência teatral de invenção.

Na periferia da periferia não temos público, nem personas artísticas suficientemente consagradas para atraí-lo, nem interesses do mecenato privado ou público capazes de financiar os projetos teatrais permanentemente.

O teatro está, assim, no pior dos mundos no Ceará.

Rogério era um menino generoso que lutava por uma guerra perdida. Ele me parecia sensato e capaz de compreender a imensidão da tragédia da nossa cultura e, mesmo assim, era capaz de juntar forças para continuar o combate, mas logo intui que ele era uma hipersensibilidade recebendo diversas dores e as absorvendo.

Quando vejo um desses fortes como era Rogério, que lutam e são mais ainda, receptáculos das angústias de todos, temo pela sorte deles. Uma hora os mais sensíveis e mais capazes de captar as dores não suportam mais.

Brecht, sempre ele, tem um poema que explica:

"Eu o sobrevivente

Sei naturalmente: apenas por sorte

A tantos amigos sobrevivi. Mas hoje à noite, em sonho,

Ouvi esses amigos dizerem de mim: "Os mais fortes sobrevivem."

E tive ódio de mim. Eu sou sobrevivente".

Então queria conclamar todos que viveram e passaram pela trajetória de Rogério e os que compreendem o grande drama de uma cultura periférica (quando vejo essa teoria Zemista de que não existe mais periferia, ser adotada por pensadores da cultura, tenho vontade de chorar por todos que tombaram nessa luta) a homenagear a Rogério Mesquita, o Bagaceira, e tudo o que esse grupo fez pela cultura cearense sintetizado na pessoa deste menino talentoso e terrivelmente humano: vamos chamar o Teatro do Dragão, que ele foi o curador de 2019 a 2021, de Teatro Rogério Mesquita/Bagaceira.

Ele foi imenso. Foram 25 anos de buscas, presença de palco e energia poderosa na produção.

Ele foi intenso. Sofreu o diabo e manteve a nave no rumo.

Ele foi genial. Quem o viu no palco entende seu amor ao teatro e sua capacidade de traduzir esse amor em cena.

A partir de hoje, eu só chamarei o Teatro do Dragão de Teatro Rogério Mesquita/Bagaceira.

Ele teria adorado saber disso. Sei que de alguma forma ele vai saber. Se ninguém me acompanhar nesse meu sonho, não tem problema, já comecei muitas vezes caminhando sozinho.

Livro
Livro "China Contemporânea – seis interpretações" (Editora Autêntica, 2021)

A China é azul

Todo mundo ouviu falar na China de hoje. Mas a cada dia que passa sabemos menos sobre este imenso país e seu povo. Então, foi com muita avidez que caí de cara num livro que faz interpretações bem diversas do ponto de vista temático e teórico da China de hoje.

O livro "China Contemporânea - seis interpretações" (Editora Autêntica, 2021), organização de Ricardo Musse, dá uma geral interessante sobre a realidade chinesa na economia, política, cultura, história e sociologia.

No texto que abre o livro, "A ascensão chinesa e a economia-mundo capitalista: uma perspectiva histórica", Alexandre de Freitas Barbosa faz uma discussão a partir do conceito de sistemas-mundo de Fernando Braudel. O autor recupera e interpreta a China a partir do conceito braudeliano de capitalismo como camada superior, acima da economia de mercado.

No segundo texto do livro, "Apontamentos sobre a geopolítica da China", os autores Elias Jabbour e Alexis Dantas propõem uma síntese entre a Economia Política e a Geopolítica para interpretar a trajetória chinesa.

O texto de Wladimir Pomar, "Comentários sobre a Economia Política chinesa", faz uma recuperação da trajetória da construção nacional da China, desde os desafios do início do século 20, em termos do desenvolvimento econômico, até as metas atuais de modernização energética, que vêm sendo buscadas pelo partido.

No texto "Crise de hegemonia e rivalidade EUA-China", Bruno Hendler faz uma discussão sobre a China contemporânea tendo como perspectiva central as disputas entre EUA e China, partindo da teorização de Giovanni Arrighi acerca das hegemonias e ciclos sistêmicos.

No texto "Simultaneísmo e fusão na paisagem, na cultura e na literatura chinesa", Francisco Foot Hardman, da Unicamp, faz um ensaio em que analisa a China contemporânea sob o ponto de vista de sua cultura, procurando mostrar as possibilidades de aproximações entre China e Ocidente, mais do que as diferenças. O autor recupera a obra do escritor Mo Yan e do cineasta Jia Zhangke.

Meu amigo genial José Wilker (tomamos porres inesquecíveis) escreveu uma peça teatral auto biográfica chamada " A China é azul ", onde lembrava uma brincadeira da criançada no Cariri cearense que se você cavasse o seu quintal bem fundo, ia parar na China, que seria um outro planeta azul.

Os textos do livro China Contemporânea apresentam todos um ponto de vista de que a China é azul. E eu fiquei me perguntando se o modelo Chinês sobreviveria num país que não tivesse imerso no confucionismo que apazigua fortemente as tensões políticas.

Ou seja, e se a gente cavar mais e descobrir que nem tudo é azul na China?

O livro é muito bom para começarmos a cavar.

Pode ser que a China seja realmente azul como pensamos um dia. Pode ser que não.

Teatrólogo Aderbal Freire-Filho atuou nos palcos, na TV e nas rádios
Teatrólogo Aderbal Freire-Filho atuou nos palcos, na TV e nas rádios

Agosto de todos os desgostos

Acabei de colocar um ponto final na coluna e recebo a notícia da morte do outro amigo genial do teatro cearense, Aderbal Freire Filho. Aderbal é tão importante para a cultura cearense e brasileira que terei de escrever uma outra, talvez muitas outras páginas, centenas, para recuperar um pouco do que ele significou para todos nós.

Foto do Paulo Linhares

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