
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Ontem repeti um padrão de comportamento que constitui uma espécie de cerimônia na minha vida. Saí para a rua, para uma livraria, e fui comprar um livro e um caderno de notas. Há anos, em todos os lugares em que eu morei - foram três: Fortaleza, São Paulo, Paris, ainda vou escrever sobre o que cada uma delas significa para mim-, quando estou angustiado, saio para achar um livro e um caderno onde começo a escrever notas sobre tudo o que preciso resolver, um follow up, como dizem os americanos, que vai deixar minha cabeça mais organizada e tranquila e um livro que vai conter alguma pista importante para meu futuro.
Na livraria, mesmo sendo também uma papelaria, me revolto com o domínio que essa fabricante Cícero tem com o mercado de agendas e cadernos de notas no Brasil. Gosto de cadernos de diversos formatos e cores que vou guardando durante toda vida.
Ainda que insatisfeito, escolhi um cahier de notes, e sai à caça do livro. Então esbarrei num livro que tinha o Contardo Calligaris sorrindo, de olhos fechados, com camisa verde e blazer preto, e aqueles seus clássicos oclinhos de armação fina.
Sempre gostei do Calligaris e o li desde aquele seu primeiro livro, "Hello Brasil", onde ele mostra seu espanto com os filhos da alta burguesia brasileira, que são tratados pelos pais como príncipes, que devem ter todas suas vontades satisfeitas e os filhos dos seres normais são aqueles que devem receber não. Aproximei-me mais ainda dele quando o trouxe para uma palestra em Fortaleza e tivemos uma convivência mais próxima. A princípio ele é bem frio e depois um pouco mais cálido.
Já tinha visto o livro outras vezes, mas foi lançado um pouco após a morte e eu ainda estava fazendo o luto. Sou ruim de luto, me dizia sempre Adriana, que é uma excelente terapeuta. Ontem, na livraria, encarei o livrinho do Calligaris, que me espantou pela pretensão do título, "O Sentido da Vida" (Editora Paidós), mas só ao ler o livro todo fui entender do que ele ria. Era justamente pela empáfia do título que ele dera a seu livro.
Quando ele veio a Fortaleza, almoçamos e jantamos, batemos perna pela cidade durante dois ou três dias, vi que ele era um cara retraído. Acho que os dois caras mais naturalmente elegantes que conheci, sem precisar de nada, foram Aderbal Freire (estou justamente vivendo seu luto) e Contardo. Reservado também.
Esse é um traço dos terapeutas, até por necessidade profissional. Depois de toda convivência, tudo que consegui descobrir é que ele tinha um filho chamado Max e uma mulher chamada Mônica. Monica, fui saber assustado depois, era a atriz Mônica Torres. Explico logo porque me assustei.
Tempos atrás, José Wilker tinha feito umas farras comigo bem malucas. Numa delas, entrou pelado na Praia de Iracema, parecendo o personagem do Jorge Amado (Vadinho) que ele fizera no cinema em "Dona Flor e seus dois maridos". Enfim, ele estava muito abalado, depois de se separar dela, Mônica Torres!
Aliás, Mônica tem um currículo de casamentos de deixar qualquer moçoila de pernas bambas, Marcello Antony, José Wilker e Calligaris.
O livro, que li durante três cafés e 13 notas (meu número cabalístico, desde a campanha da Maria que ganhei) é uma tentativa de explicar uma entrevista que ele deu em que diz que não importa muito na vida ser feliz.
Quem quiser ver a entrevista basta procurar no you tube por Calligaris/Felicidade. Ela é de fato hilária! Calligaris começa implicando com nossa forma de expressão "tudo bem?"". É um enunciado que funciona como uma espécie de acordo pressuposto.
"Na verdade, ninguém quer ouvir que não está tudo bem, todos preferimos só esperar uma confirmação", diz ele. E conta como um dos princípios básicos da psicanálise é levar a sério tudo que se diz, ele responde sempre: "Não sei", o que acaba por irritar seus analisandos. "Como você não sabe? Se você não sabe quem vai saber?", respondem.
Então, no livro, e não na conversa com os pacientes, Calligaris conta que essa é uma pergunta que Aristóteles se faz na Ética de Nicômaco. E a resposta para Aristóteles é parecida com a dele.
Depois de desmontar esse papo de felicidade de autoajuda, ele anuncia sua tese: é a ideia de que é melhor ter uma vida interessante do que uma vida feliz. Para explicá-la, Calligaris usa filosofia, da boa, e algumas histórias de família.
A da tia Rosália é uma frase que ele repete: "un bel morir tutta la vita onora". Caligari é milanês, formado em teoria do conhecimento na Suíça (viu Piaget algumas vezes palestrando, ele me contou displicentemente) e fez doutorado com Barthes, em Paris. O verso de Petrarca que sua tia repetia, descobriria ele muito depois, não está dizendo que uma morte heroica honra uma vida. Ele diz que morrer apaixonado honra uma vida. O que é bem diferente.
A segunda história é do seu pai Trata-se de uma frase do velho: "Não vamos deixar algumas pessoas decidirem nossa vida sob o pretexto de que poderiam decidir nossa morte"". Essa é boa demais para o Brasil de hoje, não?
A partir daí, o pai toma conta do livro e a filosofia é só para justificar a presença genial do médico milanês na vida do filho. Não vou contar todas porque seria muito spoiler, mas o livro se torna bem legal a partir da entrada em cena do pai.
É bom ressaltar que a elegância e simplicidade que Calligaris tinha ao falar tinha também ao escrever. Ele, por sinal, define elegância no livro "não no sentido da moda, mas no sentido de uma certa grandeza". E acrescenta: "Essa ideia de elegância garante a dignidade. Tem uma coisa moralmente boa nessa dignidade e nessa elegância, é como se tivesse uma espécie de apreciação ao mesmo tempo estética e moral".
Vocês entenderam por que eu comecei dizendo que Calligaris, Aderbal, e eu incluiria aqui o Wilker, eram elegantes? Vou terminar com uma interrogação, mesmo.
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