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Morte e vida da Varjota, nosso baixo Leblon
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Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense

Paulo Linhares arte e cultura

Morte e vida da Varjota, nosso baixo Leblon

O QUE TEM PRA VER E COMER NO QUADRILÁTERO MAIS ANIMADO DA CIDADE.
Pães artesanais da Panificadora Painê, da Varjota  (Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita Pães artesanais da Panificadora Painê, da Varjota

O livro que mudou o urbanismo mundial foi escrito quando Lúcio Costa e Oscar Niemeyer acabavam de construir Brasília. E ele vai atacar justamente os fundamentos do funcionalismo modernista que criou Brasília, dividindo a cidade e projetando-as com as funções bem separadas, tendo como prioridade os carros.

"Morte e vida das grandes cidades", de Jane Jacobs, é uma ode às cidades no esplendor da sua diversidade e efervescência. Por isso, as primeiras palavras dela na apresentação falam em ataque:

"Este livro é um ataque aos fundamentos do planejamento urbano e da reurbanização
ora vigentes"".

No capítulo I, sobre os usos das calçadas, ela explica um princípio norteador: "O principal atributo de um distrito urbano próspero é que as pessoas se sintam seguras e protegidas na rua em meio a tantos desconhecidos. Não devem se sentir ameaçados por eles de antemão. O distrito que falha nesse aspecto também fracassa em outros e passa a criar para si mesmo e para a cidade como um todo, um monte de problemas".

Ou seja, quanto mais gente melhor, quanto mais diversidade melhor, Jane defende o adensamento urbano contra a burrice do modernismo de espalhar a cidade. A segurança policial funciona muito pouco, explica Jane. É preciso gente e famílias misturadas a comércio, misturadas a igrejas, misturadas a boates, tudo deve ser misturado e por aí vai.

A cena que Fausto Nilo gosta de descrever poeticamente, e poderia ser a abertura de filme do Godard, é o último boêmio saindo de uma casa de shows fazendo "bilu bilu" para um bebê que passeia com a mãe no seu carrinho.

Em Fortaleza, raros são os exemplos de diversidade e efervescência. Um deles, que está explodindo de boa qualidade urbana, é o nosso baixo Leblon, a Varjota. E a prefeitura (foi Roberto Cláudio quem ouviu os conselhos da própria população e dos donos de restaurantes e incentivou a nossa Varjota) tem uma importante tarefa: incentivar a diversidade. Apoiar os moradores que ficam, reduzir IPTU das famílias e manter as vias de baixa velocidade.

Segue uma lista bem pessoal (com todos os meus comentários idiossincráticos, afinal, sou morador da Varjota e vivencio essas experiências cotidianamente) do que tem de melhor no nosso baixo Leblon (o exemplo não é fortuito, o Leblon tem todos os indicadores de boa qualidade urbana).

Padarias

Paine Padaria Artesanal (Rua Castro Monte),899.

Um dos fundadores da nova Varjota.Vale a pena fugir do trabalho no meio da tarde e tomar uma café com um croissant saindo do forno da Paine.

Primeira Linha.(Rua Tavares Coutinho,1871).

A padaria dos verdadeiros Varjotenses (que tal esse gentílico?). Uma loucura de gente e de produtos saindo dos fornos e das panelas. É para quem acorda cedo e que tomar um café da manhã comme il fault.

Padaria Sabores de Portugal.(Rua Frederico Borges,526).

A minha preferida. Atendimento carinhoso, pães portugueses com certeza preparados com muito cuidado.

A Padoca. Rua Professor Dias da Rocha,1286.

A novidade. A padaria do chefe do Le cuisinier. Um espetáculo de bons pães e docinhos para desmoralizar qualquer regime.

Monte Carlo. Senador Virgílio Távora, 820.

O tem tudo: paes, sushis, vinhos, doces, laticínios. Já foi 24 horas mas começou a fechar durante a pandemia e não voltou mais ao horário antigo. Uma pena.

Sorveterias

Bacio di Latte -Espaço Meireles.Avenida Virgílio Távora, 303.

Um clássico paulista em Fortaleza.

Juarez. Rua República do Líbano,1080.

Sim, tem Juarez na Varjota. Sorvetes artesanais com pureza e excelentes sabores. O meu preferido é o de Jaca, que infelizmente aparece vez ou outra (acho que faço parte de uma minoria muito especial).

Bellucci.(Frederico Borges,624)

O dono italiano disse que se o Bozo perdesse voltaria para a Itália. Deveria ter voltado. Estou esperando. Tchau fascista.

Outras: San Paolo, Pittucio.

Restaurantes

Baretta. (R.Ana Bilhar,1136).

Dessa vez, vou dar razão ao Fernandinho, o que é muito raro (quase sempre tenho razão nas nossas divididas), mas o Baretta evoluiu muito e é hoje, talvez, o melhor restaurante da Varjota. Quer experimentar? Vá conhecer o executivo. Não tem pra ninguém.

DOC Trattoria & Wine Bar.(Ana Bilhar 1173)

O Bella Italia da Varjota é muito bom. Tem um bar a vin para a gente tomar uns vinhos bons sem falir. E um restaurante muito bom que vive lotado.

Le Cuisinier Primer (Ana Bilhar, 1100).

A cozinha primorosa do Chef Juarez Santana (gente muito fina e competente) da aldeota sul agora no coração da Varjota. Um francês pra chamar de seu.

Pecorino Bar & Trattoria(Frederico Borges,585).

Mais um paulistano que vem para a Varjota (Sabe o que significa? Óbvio, pequena várzea).O Pecorino é uma cadeia paulistana que se espalha pelo Brasil. Um italiano com bom padrão técnico e uma mesa de self service no almoço que faz você se sentir na Paulista.

Marquês da Varjota..(Rua Frederico Borges), 426.

É o nosso representante portugues da Varjota. Tao bom que um amigo portugues, de Braga, quando vem a Fortaleza diz que vai no Marquês para comer comida da terra dele.

Um pioneiro e um clássico. Vive lotado e merece porque tem um padrão que nunca cai.

Cantinho do Faustino.(Delmiro Gouveia,1520).

Sim , o cantinho do Faustino voltou. E voltou para a Varjota, claro. A culinária cearense é muito doida do Faustino. As patinhas de entrada são simplesmente imbatíveis. E o carneiro do Faustino vale um sábado inteiro para a gente se recuperar . O lugar é qualquer coisa. Mas acho que a tese do Faustino é " se você quer comer bem num lugar de sonhos, que tal morrer?.

Villa Zulli (Rua Frederico Borges, 419).

O chef Lúcio Figueiredo(ex- Vojnilô) faz o melhor peixe na brasa da cidade. E o Lúcio foi um dos primeiros a dizer em noites memoráveis com meus convidados ilustres(escritores, atores,diretores de cinema) que a Varjota poderia se tornar num bairro gastronômico e de moradias que faltava em Fortaleza.

Outros: Astore, Ordones, Conimaki.

Vem aí: o Grupo do Santa Grelha vai inaugurar onde funcionava o Alemão um novo francês. E o grupo do Divina Comida vai inaugurar na esquina da Virgílio Távora com Ana Bilhar (onde funcionava o Santander) um self-service prime.

 

FORTALEZA, CE, BRASIL, 14-10-2016: Lilia Moritz Schwarcz, antropologia, fala ao microfone. Lilia Schwarcz, Antropologia, assina sua biografia no Teatro Celina Queiroz, na Universidade de Fortaleza (UNIFOR). (Foto: Aurélio Alves /Especial para O POVO)
FORTALEZA, CE, BRASIL, 14-10-2016: Lilia Moritz Schwarcz, antropologia, fala ao microfone. Lilia Schwarcz, Antropologia, assina sua biografia no Teatro Celina Queiroz, na Universidade de Fortaleza (UNIFOR). (Foto: Aurélio Alves /Especial para O POVO)

Agenda da semana (na Varjota)

Um debate

Um dos equipamentos culturais (essa é a expressão que a burrocracia cultural gosta) mais inteligentes e bem dirigidos da cidade é o Museu da Fotografia. Dia 5 de outubro, quinta feira, às 19 horas, vai ter uma palestra da Lilia Schwarcz (foto) e do Flávio Gomes. A mediação vai ser do meu amigo Max Perlingeiro. A ideia é discutir o Brasil do ponto de vista de raça.

Lilia é uma das intelectuais mais impetuosas e brilhantes do Brasil de hoje. Errou algumas vezes, foi contra cotas, mas acertou quase sempre.

Intelectual público é para pensar e às vezes errar. Ela é muito produtiva e muito eficiente nesse seu jeito que Torquato Neto chamou de "desafinar o coro dos contentes". Flávio Gomes é um historiador da UFRJ e além de ter escrito com Lília um livro imprescindível nas bibliotecas deste país racista, o dicionário da escravidão e liberdade, é uma das vozes mais preparadas no debate sobre negritude e quilombismo.

Não troque este encontro por nenhum outro. O Ceará precisa discutir o racismo a sério, pois por trás desse papo furado de "Terra da luz" tem um dos estados mais racistas do país (é o sétimo, segundo ranking de indicadores da F.S. Paulo).

Foto do Paulo Linhares

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