
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
A foto que ilustra a coluna me impressionou.Tem uma carga dramática que parece aquelas grandes cenas de teatro. Do bom teatro de Aderbal Freire-Filho, por exemplo.
O duelo público dos irmãos Ciro e Cid é comovente
Remete às tragédias gregas.
Deixa-me explicar melhor.
Geralmente, a palavra tragédia assume, entre nós, uma conotação eminentemente negativa, simbolizando quase sempre um acontecimento com desfecho terrível e catastrófico. No entanto, para os gregos, tragikós tinha outro significado. Tragédia era um gênero artístico, uma forma de drama, encenada para caracterizar o conflito existente entre uma personagem, o herói, condenado ao seu infortúnio, e alguma instância maior de poder: os deuses, o destino, as leis e a própria sociedade.
O espetáculo cênico, às tragédias, realizava-se nas linguagens do canto, da dança e dos ditirambos (versos irregulares que buscam exprimir entusiasmo ou delírio) em homenagem ao deus grego Dionísio (mais conhecido entre os romanos como Baco).
Para Aristóteles, a tragédia clássica grega deve cumprir três condições: ter personagens de elevado destaque (heróis, deuses e reis), possuir uma linguagem elegante e digna e apresentar um desenlace que sempre redunde no sacrifício e/ou na destruição dos seus personagens. A tragédia tenta provocar nos seus espectadores o que Aristóteles chama de katarsis, ou simplesmente catarse, o envolvimento emocional da plateia com a encenação e o destino de sofrimento destinado ao herói da peça. Aristóteles considerava que o teatro realizava uma função pedagógica, a de educar emocionalmente o indivíduo nas lógicas da razão.
Deve ser por isso que gosto que me enrosco do embate político cearense. É teatro grego de boa qualidade com personagens riquíssimos em nuances pessoais: Ciro, Cid, Camilo, Eudoro (o pai é sempre uma figura determinante, assim como o pai morto dos irmãos) Elmano, Luizianne e Izolda.
A grande mídia brazuca trata com desprezo do teatro político dos irmãos. São uns paspalhos. É muito doloroso para eles que são acostumados a uma política comezinha ter que interpretar algo da dimensão do embate Ciro e Cid. Ainda mais sendo eles nordestinos.
A trama que começou na sucessão de Camilo é muito boa.
As tramas que costumam chamar mais a atenção do público são aquelas com inúmeras reviravoltas e que não necessariamente terminam bem, como é o caso da tragédia grega. Na política, como no teatro grego, o afeto uma vez exacerbado, acaba tornando-se ódio. Daí o Eros fraterno existente entre dois irmãos ser um dos mais antigos temas.
São célebres os casos de disputas entre irmãos que acabam mal.
Basta pensar em Caim e Abel. Do livro bíblico de Gênesis, a trama fala sobre os primeiros descendentes de Adão e Eva. Caim mata o irmão por sentir ciúmes da forma como Deus parecia demonstrar preferência pelo outro. Outro caso conhecido é o de Rômulo e Remo que lutaram pelo direito de decidir onde e qual seria a cidade nova que construíram. Roma teria surgido após Remo ser morto pelo irmão.
A psicanálise percebeu a riqueza dessas tragédias e passou a analisar como um relacionamento fraterno se desenrola através delas. Sigmund Freud e Jung escreveram textos antológicos sobre o assunto.
O texto clássico mais importante sobre a rivalidade entre irmãos é 'Os Sete Contra Tebas', de Ésquilo.
Para entender os acontecimentos da obra de Ésquilo, é preciso retomar o trabalho começado por Sófocles em sua Trilogia Tebana. Depois de se dar conta de que havia se casado com a própria mãe, Jocasta, Édipo fica cego e sai de Tebas. Seus dois filhos homens, Etéocles e Polinices, rechaçam a figura do pai e por isso acabam sendo amaldiçoados por ele, que deseja que os filhos briguem até a morte pelo trono que era seu. Em uma tentativa de burlar o destino, os irmãos gêmeos concordam em se revezar como reis, já que nenhum deles pode ser considerado o primogênito. No entanto, quando chega ao fim o primeiro ano de reinado de Etéocles, ele se recusa a passar o poder para o irmão. Polinices acaba se refugiando na cidade de Argos, onde desposa a filha do rei Adastro que o ajuda na vingança contra Etéocles e na tentativa de recuperar o trono. É após esses acontecimentos que Os sete contra Tebas está centrado. Ésquilo reconta a formação da guerra entre os irmãos através dos olhos do atual governante Tebano.
Apesar de não mostrar o campo de batalha, Ésquilo reconstrói o combate a partir da expectativa gerada quanto à possibilidade de tomada da cidade. Etéocles é avisado que a sétima porta de Tebas está sendo invadida por seu irmão e, assim, o ciclo até a maldição lançada por Édipo é concluído. A trama se fecha com um mensageiro avisando que a praga se cumpriu e agora os dois irmãos estão mortos, seguindo o princípio de que nada poderia mudar esse desfecho porque Etéocles e Polinices estavam destinados a morrer.
Claro que no caso aqui a morte é política. Para Cid, basta sentar na árvore frondosa e cheia de sombras que ele plantou (Camilo) e descansar. Para Ciro essa árvore tem frutos podres(o emaranhado de prefeitos,deputados e agregados), ou seja, a turma que vai sentar junto não é boa.
Para Aristóteles, as partes principais da tragédia clássica grega são o Prólogo (introdução e preparação para a entrada do coro), o Párodo (entrada do coro). Episódios (cenas no palco,entre os cantos corais, com atos que constituem a intriga). Estásimos (trechos líricos executados pelo coro), o Epílogo (desenlace ou desfecho).
Pela foto, e o que sabemos da reunião do Rio (quando Ciro nomeia cada um dos inimigos e até mesmo o irmão de indigno e o acusa de traição) estamos nos Episódios (as intrigas).
Estou adorando.
É uma educação popular pela política, em altíssimo nível.
A pergunta é: em Ésquilo, os irmãos Etéocles e Polinices acabam se destruindo favorecendo o Governador Adasto (favor não confundir com Elmano).
A tragédia grega vai se repetir? Ou tudo vai acabar numa farsa sobralense,como diria Marx?
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