Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
A famosa frase do semiólogo italiano Umberto Eco sobre a Web, um pensador sem vacilo até o fim da vida, é um pouco elitista, mas mesmo exagerada, é boa demais.
Disse Eco: "A internet deu voz a uma legião de imbecis"".
Na primeira semana do ano de 2024, circulou pela internet que eu seria um dos precursores do famigerado Aquário da Praia de Iracema. Alguém me escreve: então é você o pai do aquário?
Sei que nenhuma informação vai tirar essa informação da cabeça dos idiotas,pois como dizia Nelson Rodrigues, o idiota é uma das mais flamejantes forças da natureza. Ele chove, relampeja,venta e troveja. E acrescentava: os idiotas vão tomar conta do mundo, não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos".
Sei que não adianta explicar, mas vou documentar.
Deixar registrado de uma vez por todas, pois algumas pessoas inteligentes e doutas, como um amigo jornalista, ficaram intrigados com a hipótese.
Quando pensei do Centro Cultural Dragão do Mar (que obviamente ainda não tinha esse nome, que só me veio à minha cabeça uma noite num barzinho chamado Coração Materno, quando descobri que naquela quase esquina o Francisco José do Nascimento, o Chico da Matilde, guardava suas jangadas) resolvi fazer uma licitação de ideias para execução do que eu considerava necessário num centro cultural para aquele momento da cidade.
Ou seja, muita gente faz licitação de projetos, mas eu fiz uma licitação de ideias: como seria um centro cultural situado naquele ponto da Praia de Iracema, com dois museus, um teatro, dois cinemas, etc?
Fausto Nilo apresentou uma proposta que atendia com brilho o que eu pedia.
Curiosamente eu não conhecia o FN. Muita gente pensa que éramos parças e coisa e tal.
Na verdade, passei parte da minha formação, dos 14 aos 24 anos, em São Paulo. E não conhecia o Fausto Nilo. Tínhamos, obviamente, amigos comuns apenas.
A partir do projeto começamos a conversar para decidir o programa (como dizem os arquitetos) da obra.
Fizemos uma maquete com as ideias consensuais e uma noite apresentamos ao então governador Ciro Gomes, de quem eu era o Secretário de Cultura.
Ciro gostou muito das ideias, aprovou o projeto, e fez somente uma observação:
pensem nos alunos de escolas públicas, nos jovens que não tem nenhuma formação cultural ou científica. Acrescente um planetário, como eles fazem nos Estados Unidos.
O Fausto e eu gostamos muito da observação. E comentamos que o projeto tinha a pretensão de ter uma avenida que seria urbanizada saindo do Dragão, passando ali pelo prédio da Caixa e o do Correio, até onde hoje está o projeto do Aquário. E lá faríamos justamente um aquário.
Um planetário e um aquário para um público de estudantes.
Sempre achei esse papo de fazer cultura para turista um erro.
A Cultura é soberana. O turismo vai atrás. Sempre foi assim em qualquer lugar do mundo.
Essa era a ideia.
Para desenvolver melhor as duas ideias, fomos, Fausto e eu, aos Estados Unidos e França conhecer as experiências, fazendo o que chamamos hoje de benchmarking.
Eu gostei bastante do aquário francês de La Rochelle, era um aquário pequeno mas muito bonito, que aproveitava a própria água do mar e os peixes existentes ali naquela faixa do litoral.Mas nunca tivemos dinheiro para fazer o projeto.
Fizemos o Dragão com muito pouco dinheiro. Na época gastamos 20 milhões em toda a obra. Hoje não faríamos o portão do Castelão. E o CFO custou 50 vezes este valor.
Muito anos depois, um cearense que trabalhava como arquiteto contratado para alguns projetos da Disney ofereceu ao Governador Cid uma proposta de construção de um grande aquário para servir como âncora do turismo cearense. O diretor geral do Dnocs de então, Eudoro Santana, ofereceu o terreno para o projeto.
Eu e Fausto nunca fomos consultados sobre o que achávamos dessa empreitada.
Para ser sincero, Roberto Cláudio, então presidente da Assembleia Legislativa do Estado , um dia perguntou minha opinião. Eu lhe disse que achava o projeto um horror.
E ficou nisso.
Agora o reitor Custódio de Almeida teve a ideia de transformar o projeto inacabado do Aquário de Cid num campus da UFC com Labomar e Instituto de Cultura e Arte funcionando, no que ele chamou de Campus da UFC na Praia de Iracema.
Achei a ideia muito boa.
Primeiro porque transforma a Praia de Iracema num bairro universitário. O que seria um melhor a mais inteligente projeto possível para a área.
O que pode acontecer de melhor para a cidade do que ter trinta mil estudantes circulando na Praia de Iracema? Perguntou o reitor.
Nada. A ideia é muito boa e merece seguir em frente. Será uma revolução cultural na PI.
O bom urbanismo diz hoje que a Universidade deve estar nos espaços de grande vitalidade urbana e não nas margens, como se pensou durante algum tempo. Univer/Cidades.
E nada mais atrativo para os turistas do que conhecer um bairro boêmio da cidade repleto de estudantes universitários.
É assim na rive gauche francesa, o Quartier Latin. É assim em todo lugar do mundo onde se faz ou fez bom urbanismo.
Já me vejo num dia qualquer, uma manhã de sol, à beira mar, faço um passeio vagabundo e observo grupos de estudantes reunidos em torno de professores pesquisando a força das marés. Outro grupo analisa a luz da cidade que comoveu Orson Welles.
Há muita luz no Céu claro, um homem pescando, um casal a remar em uma canoa,um menino sentado no meio do barco.
À beira da ponte dos ingleses, vejo um homem gordo em mangas de camisa, que olha o mar, o Labomar do outro lado, a mancha branca do Dragão ao fundo. É um turista.
Passo perto dele e penso comigo mesmo, o turismo deve seguir a cultura, e não se deve nunca criar uma coisa qualquer para desenvolver o turismo cultural.
E caminho, cantarolando,com uma nova versão, uma velha canção do Milton Nascimento que diz:
Todo turista tem de ir aonde o povo está. Se foi assim, assim será.
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