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Edifício São Pedro: Memória, história e política de patrimônio de um povo
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Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense

Paulo Linhares arte e cultura

Edifício São Pedro: Memória, história e política de patrimônio de um povo

Na segunda-feira, o prefeito Sarto anunciou a demolição do Edifício São Pedro. A cidade quase veio abaixo. Agora vou contar minhas observações
Tipo Opinião
Fortaleza, CE, BR  05.03.24 - Início da Demolição do Edifício São Pedro  (Fco Fontenele/OPOVO) (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Fortaleza, CE, BR 05.03.24 - Início da Demolição do Edifício São Pedro (Fco Fontenele/OPOVO)

O Edifício São Pedro faz parte da minha vida sob vários aspectos. Primeiro, eu morei lá. Vivi no São Pedro, ninguém me contou. Sim, quando voltei de São Paulo, concluí meu Curso Superior e comecei a trabalhar, aluguei um apartamento no São Pedro e morei lá quase dois anos. Então, eu tenho uma certa autoridade, um "lugar de fala" (cozinhando um pouco o conceito) de ex-morador do edifício.

Segundo, escrevi um romance de mais de 500 páginas contando a história de um jornalista e antropólogo que mora lá. É o que chamam hoje de autoficção (autoficção é um gênero que embaralha as categorias de autobiografia e ficção de maneira a juntar duas escritas bem diferentes). Estou começando a preparar a edição deste livro. Quero ser preciso ao falar do Edifício São Pedro.

A melhor escrita sobre este tipo de monumento/patrimônio/documento, na minha opinião, é da filósofa e historiadora francesa Françoise Choay. Ela debateu a ideia de memória e sua relação com as cidades. Em seu clássico "L'allégorie du patrimoine", ela explica como o patrimônio é uma alegoria, uma representação da sociedade contemporânea em crise, que tem diversas narrativas históricas. Ela vai exatamente criticar a rigidez das visões predominantes.

Três conceitos presentes nas duas obras de Choay são centrais no debate envolvendo a compreensão de patrimônio cultural: monumento, monumento histórico e patrimônio urbano. Choay explica que a noção de monumento, cujo sentido deriva do latim "monere", traduzido como "trazer lembrança de algo", pode ser entendido como tudo aquilo edificado por uma comunidade para fazer que outras gerações de pessoas relembrem acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crenças. No entanto, no século XIX, se abandonou a ideia de patrimônio e se começou a pensar em patrimônio histórico. A diferença entre os dois é que o primeiro conceito é concebido a priori para rememorar um fato passado, enquanto o segundo não é criado com este intuito, mas tem seu valor atribuído a posteriori justificado pela atribuição de interesse ou significado artístico ou histórico.

Já a noção de patrimônio urbano pode ser sintetizada na frase de Choay: "uma cidade histórica constitui em si um monumento, mas ao mesmo tempo é um tecido vivo". O Edifício São Pedro não é monumento. Não tem valor monumental, nem valor como patrimônio histórico, tanto que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) se negou a fazer seu tombamento. Pode vir a ser considerado um patrimônio urbano identitário.

Ele traz a lembrança de uma Fortaleza litorânea usufruída pela elite, que desaparece a cada dia. Uma lembrança de uma certa classe social, tanto que é chamado de Copacabana Palace de Fortaleza. E o seu mais insigne morador, foi o colunista social Lúcio Brasileiro. Sua preservação entra, portanto, no embate da seleção de um povo, uma comunidade, do que deve ser lembrado e o que merece ser esquecido.

Mas, no caso do São Pedro, duas questões também entram no debate: O Governo do Estado decidiu que a reabilitação do São Pedro seria muito onerosa para os cofres públicos (ao contrário da decisão anterior, do ex-secretário do turismo Arialdo Pinho), em relação aos ganhos obtidos. O governador Elmano de Freitas (PT) revogou o decreto que impedia reforma ou implosão do edifício São Pedro na Praia de Iracema. A decisão está publicada no Diário Oficial do Estado (DOE), em 11 de agosto de 2023. Portanto, o Estado devolveu o imóvel à iniciativa privada, essa por sua vez, apesar de ter reclamado sua posse não agiu, o que levou a Prefeitura a resolver o impasse.

Minha opinião sobre o imbróglio: a reabilitação exigiria um investimento bem alto. Ele só seria uma boa ação pública se o Governo do Estado tivesse necessidade e competência para utilizar o equipamento preservado para fins culturais e turísticos. Não é o caso. Na cultura, há um excesso de equipamentos, sem a respectiva capacidade de manutenção. No turismo, falta competência, que de fato só Arialdo Pinho tinha, para transformá-lo em um centro de negócios turísticos. E o prefeito está mais do que certo, diante da posição do Governo do Estado, de poupar a Cidade de uma catástrofe urbana e social.

Se a iniciativa privada ou mesmo o poder público tivesse vontade de reconstruí-lo, não seria um grave problema ter sido destruído. Françoise Choay conta como o Japão trata essa questão ao narrar o tratamento dos monumentos Xintó. Ali, a prática periódica é do desmantelamento ritual, seguida de reconstrução de forma idêntica, como continua em vigor no templo de Ise (reconstruído ainda uma vez em 1994) o que parece incompatível com a noção de conservação, essencialmente porque não fazemos a distinção entre monumento e monumento histórico. No caso, o templo de Ise é um monumento, bem vivo: na visão de mundo Xintó sua destruição periódica é necessária ao seu funcionamento, como ato de purificação. Mais do que a conservação de um mesmo suporte material, é, pois, as condições simbólicas que importam.

Ou seja, a construção de um edifício que fizesse um bela referência à cidade à beira mar, com simplicidade e singularidade, já seria uma solução, realizada, claro, com recursos privados. E a conta da demolição e dos cuidados do poder público e da falta de cuidados do setor privado, tem que ser paga com juros e correção monetária pelos proprietários.

Sei que muita gente vai chorar a perda dessa memória. Mas eu que vivi lá, bem no início da decadência, sei bem que não é exatamente um pedaço importante da história do nosso povo. É apenas de uma franja de uma certa elite econômica e cultural. Chorar o Castelo do Plácido? Uma cópia vagabunda de um original italiano? Chorar o Edifício São Pedro, símbolo dos privilégios de uma elite desmiolada? Poupem minhas lágrimas. Prefiro que invistam esses 500 milhões no Museu do Indígena e do Negro da UFC e preservem importantes coleções que são pegadas fundamentais da nossa origem e história.

Um bom petit déjeuner pra começar bem o dia

Café da manhã, para quem trabalha cedo, ou tem um domingo de folga com a meninada, é um programa que merece um bom planejamento. Abaixo, na minha opinião, as três melhores opções da Cidade.

Casa Portuguesa

Onde: BS Design (av. Desembargador Moreira, 1300 - Aldeota)

O quê: Talvez o mais completo da Cidade. Variedade de pães. Boa tapioca. Salada de frutas e café bem tirado. O ambiente é gostoso e pode se bater um bom papo, sem barulho, para começar o dia de trabalho.

Montmartre

Onde: av. Júlio de Abreu, 175 - Aldeota

O quê: Vale a pena ir no domingo. Tem uma mesa de tapiocas, pães, sopas e derivados de milho muito boa (o mungunzá é delicioso). Tudo muito bem cuidado. Comida bem feita e com cuidados higiênicos. No domingo, você vai encontrar a mesa do proprietário, Roberto Macedo, com toda a família. Sinal de que ele assina embaixo.

Empório Delitália

Onde: av. Des. Moreira, 533 - Meireles

O quê: O clássico café da manhã para quem vai trabalhar. O pão carioca com manteiga (infelizmente, tratado com desprezo pela maioria das padarias da Cidade) ainda não é perfeito, mas é o melhor que conseguimos. E a salada de frutas também vale a pena.

Foto do Paulo Linhares

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