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Recomeçando o debate da Invenção do Nordeste.
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Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense

Paulo Linhares arte e cultura

Recomeçando o debate da Invenção do Nordeste.

Durval Muniz vem a Fortaleza lançar seu novo livro e abordar como se deu a construção social, imagética e mitológica do Nordeste
Tipo Opinião
Durval Muniz é professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e atualmente professor visitante da Universidade Estadual da Paraíba (Foto: Reprodução Facebook)
Foto: Reprodução Facebook Durval Muniz é professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e atualmente professor visitante da Universidade Estadual da Paraíba

Dia 7 de Abril a UFC, através do Colégio de Avançados e a UniFarias Brito promovem a conferência do professor Durval Muniz de Albuquerque Júnior sobre sua tese “A Invenção do Nordeste”, às 18h30min, e, às 20 horas, o lançamento do seu livro “A pele da história”. O encontro acontece no Auditório Martins Filho, na Reitoria da Universidade Federal do Ceará.

Durval Muniz de Albuquerque Júnior nasceu em Campina Grande, Paraíba, em 22 de junho de 1961, possui graduação em Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual da Paraíba, mestrado e doutorado em História pela Universidade Estadual de Campinas.

Na sua formulação da “Invenção do Nordeste”, Durval Muniz vai mostrar como no início da década de 1990, o Nordeste ainda não existia, pois na realidade não se pensava em “Nordeste”, nem muitos menos eram percebidos os “nordestinos”. O que se tinha frequentemente em meio à população era o costume de chamar qualquer pessoa ou tradição que vinha de lugares acima do Sul e Sudeste, de nortista. Aos poucos essa região desconhecida passou a se desenvolver, sendo criada a identidade a partir de discursos jornalísticos, artísticos, científicos e literários, como também na mídia em geral, sobretudo com os regionalistas da época.

Ao longo dos anos, foram sendo formados estereótipos, como o autor coloca, para caracterizar e intitular os ditos nordestinos. Cabeça-chata, sertanejo pobre, raquítico, amarelo, miserável e ignorante são apenas alguns dos muitos que podem definir tamanho preconceito, gerando uma visão oposta do homem civilizado e educado da região Sudeste.

Durval mostra como se deu a construção de uma identidade nacional no Brasil durante o Estado Novo. O que ocorreu paralela à constituição de identidades regionais que, longe de se contrapor à identidade nacional, somavam traços na montagem de um caleidoscópio que seria o Brasil.

Um ponto decisivo nesse processo foi a valorização da dimensão geopolítica que tem no território o foco principal. Foram criadas diversas instituições, entre elas o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1938) para ajudar o Estado a formular e implementar suas políticas destinadas a vencer os “vazios” territoriais. A noção de “vazio” territorial atualizava o conceito de sertão, entendido como espaço abandonado que, desde as denúncias de Euclides da Cunha vinha preocupando as elites brasileiras interessadas em construir uma nação.

Foi durante o Estado Novo que o IBGE criou a primeira Divisão Regional do Brasil dividindo o território nacional em cinco regiões: Norte, Nordeste, Leste, Sul e Centro- Oeste. Com a valorização das regiões, instituída oficialmente em 1942, o Estado Novo procurou combater as oligarquias locais que dominavam os Estados e buscou integrar as partes em um todo maior. O novo nacionalismo se baseava nas regiões e valorizava as diferenças geo-econômicas e sócio-culturais.

O Nordeste como espaço de identidade cultural tem data de nascimento. Foi com o Movimento Regionalista de 1926, tendo Gilberto Freyre à frente, e com a geração de romancistas – José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos entre outros –, que nos anos 1930 passou a descrever em tom realista as condições de vida e os impasses da sociedade da cana de açúcar no litoral e da seca no sertão. Seca, cangaço, messianismo, lutas entre famílias, fundam a própria ideia de Nordeste. As obras de denúncia que desde os anos 1930 falam dessa terra trazem como seus personagens típicos o cangaceiro, o beato, o jagunço, o coronel, todas figuras de um mundo decadente mas que ainda resistem aos novos tempos.

Durval Albuquerque vai destacar o que chama de novo regionalismo, diferente do anterior. Este, chamado de regionalismo naturalista, atribuía as diferenças de costumes e práticas às variações de clima, vegetação, e composição racial da população. O isolamento e a falta de comunicação acentuavam as diferenças e o desconhecimento entre Norte e Sul. Para vencer o desconhecimento surgem as viagens capazes de captar as especificidades, como a que Mário de Andrade empreendeu e deu origem ao livro “O turista aprendiz”, onde vazas a sua viagem de estudos em 1927.

Os dramas da região já tinham sido retratados pela chamada literatura social, identificada por Durval Albuquerque como “território da revolta” contra a miséria e as injustiças.

No período da redemocratização os temas relevantes passam a ser outros: povo, revolução, ruptura com o passado em nome do futuro. Mas, no caso nordestino, isto caminhou no sentido de valorizar não o operariado, mas sim o campesinato graças inclusive à presença das Ligas Camponesas.

Nos anos 1950, para diversos intelectuais de esquerda a adesão ao marxismo oferecia a certeza advinda das leis históricas e refúgio diante das incertezas do presente. O avanço da modernidade no Sul, em São Paulo, fazia mesmo acentuar as diferenças. Para a esquerda o pobre é mártir e herói da revolução. A leitura do cangaço também se altera, ele passa a ser o signo da rebelião contra as injustiças do campo.

As leituras sobre o passado da região enfatizavam figuras como Conselheiro, Lampião, Padre Cícero e até mesmo Prestes com sua Coluna. Graciliano Ramos, Jorge Amado, João Cabral de Melo Neto, a pintura social de Cícero Dias e mais tarde o cinema novo fazem parte de uma longa série que trata o Nordeste e o nordestino como exemplo privilegiado da miséria, da fome, do atraso, do subdesenvolvimento, da alienação. Em síntese: da matriz do povo sofrido do Brasil.

Segundo Durval, fazem parte do enunciado, da imagem sobre o Nordeste: a seca – atributo do espaço; os coronéis e seus jagunços; os cangaceiros, os beatos e santos. São tipos e estereótipos essenciais na construção de uma mitologia da região. Mitologia esta que é construída tanto pela direita quanto pela esquerda, ainda que de formas opostas. O Nordeste vai ser apresentado tanto como lugar mais subdesenvolvido quanto como a matriz do nacional, graças às suas tradições populares, o que dará origem ao pensamento de um Ariano Suassuna, por exemplo.

Para dar legitimidade à região foram feitas escolhas. Certos elementos são selecionados no Nordeste como o cangaço, o messianismo e o coronelismo. O discurso sobre o sertão descendente de Euclides da Cunha veio se somar ao interior regional de Afonso Arinos. O litoral, ou a civilização da cana-de-açúcar tem seu ponto máximo no Movimento Regionalista de 1926 e em “Casa Grande & Senzala”, de Gilberto Freyre.

Os regionalistas então chamados de tradicionalistas vão ser os principais responsáveis pela formulação de uma ideia cultural que seria específica da região. Fazendo parte desta genealogia que passa pela literatura social dos anos 1930 emerge, entretanto, um novo discurso sobre o Nordeste: o de Josué de Castro que será complementado mais tarde pelo de Celso Furtado e seu livro “Formação Econômica do Brasil”. Inicia-se o debate sobre o subdesenvolvimento.

Dos anos 1950 em diante, diversos intelectuais, como já mencionamos, passaram a se empenhar em construir o futuro sem o peso do passado. Para a realização do futuro buscavam superar os limites e as marcas que as estruturas econômicas coloniais, dependentes, imprimiam ao nosso subdesenvolvimento.

Começa também a luta e a crença em prol de uma “revolução nacional”. Luta que inclui a resistência ao imperialismo e a mobilização das massas populares, daí o esforço de chegar até o povo. A atuação dos estudantes na alfabetização e na conscientização do povo faz parte desse movimento. O nacionalismo de esquerda que foi se formulando no Iseb juntou o pensamento da Cepal às premissas das lutas pela libertação dos países do Terceiro Mundo e dos movimentos de democratização.

O Partido Comunista, a Cepal e o Iseb compõem os principais centros de formulação e divulgação do pensamento de esquerda no Brasil e propõem fazer uma interpretação do Brasil a partir da premissa do subdesenvolvimento e também apresentar como fazer a revolução.

Enfim, o livro de Durval Muniz é o clássico sobre como o Nordeste foi inventado pelo Estado Novo e reinventado diversas vezes politicamente, culturalmente e geograficamente. Como está acontecendo hoje mais uma vez. “A invenção do Nordeste” é um livro indispensável para entender o Brasil. E seu novo livro “A pele da história” mostra como ele constrói sua historiografia e quais são os componentes metodológicos nesta noite de reflexão e encontros.

Na palestra, Durval Muniz, como nós nordestinos o chamamos, pelo prenome, mostrará como foi seu percurso intelectual e acadêmico e como suas reflexões são importantes para entendermos como podemos construir nossa própria epistemologia histórica e política.

Conferências Avançadas: Durval Muniz e a invenção do Nordeste

  • Quando: segunda-feira, 7, às 16 horas
  • Onde: Auditório Martins Filho (Av. da Universidade, 2853 - Benfica)
  • Gratuito

 

Rio. Mas também posso chorar

Eu tinha prometido ao meu filho Benjamin mostrar um pouco da história do Brasil nos museus do Rio de Janeiro nos meus últimos dias de férias. Encontrei o Museu de Belas Artes, o Museu Histórico Nacional e o Museu da República fechados. Além do Instituto Moreira Salles em reforma e da Biblioteca Nacional sem nenhuma exposição. O Rio não é para amadores, vaticinou Tom Jobim.

A sorte é que fui ao Centro Cultural Banco do Brasil e visitei com ele a exposição "Arte Subdesenvolvida", que tem como curador o talentoso pernambucano Moacir dos Anjos. A mostra pretende discutir o subdesenvolvimento - termo que, a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), começou a ser associado a países econômica e socialmente vulneráveis - e a apresentar como os artistas brasileiros reagiram a esse conceito na época. "Essa exposição reúne uma série de trabalhos e documentos de artistas brasileiros e de movimentos culturais feitos entre os anos 1930 e começo dos anos 1980, que confrontam e respondem de alguma maneira à condição de subdesenvolvimento do Brasil no período", disse Moacir dos Anjos.

"Subdesenvolvimento é um conceito, um entendimento do que era o Brasil naquele momento e que, de alguma forma, molda as políticas econômicas, sociais e culturais do País no período. A exposição tenta olhar a arte e a cultura brasileira da época por esse prisma, colocando em outra camada as visões mais hegemônicas, mais assentadas sobre o que seria arte brasileira naquele momento", disse ele. O conceito de subdesenvolvimento durou cinco décadas até ser substituído por outras expressões, como países emergentes ou em desenvolvimento. "Até os anos 1940, essa ideia de subdesenvolvimento era muito associada a uma condição passageira, como algo que iria ser resolvido ao longo do tempo, embora esse tempo não estivesse determinado. Isso seria resolvido pelo mero crescimento da economia mundial, onde todos iriam chegar à condição de superar as desigualdades ou os problemas que afetavam as condições desses países", explicou o curador.

"Depois dos anos 1940, começa a haver consenso de outra ideia sobre o desenvolvimento, não mais como algo passageiro, mas como condição de alguns países. Portanto, chegou-se à conclusão de que, para superar essa condição de subdesenvolvimento, era preciso uma intervenção nas estruturas sociais, econômicas e culturais. E para isso, o Estado teria papel fundamental. Então, essa ideia de subdesenvolvimento como condição vem atrelada não à passividade, mas a uma necessidade de ação. Os artistas e movimentos culturais responderam a essa situação - por um lado denunciando essa condição; por outro, com uma proposição: que país a gente quer?", acrescentou.

A exposição apresenta pinturas, livros, discos, cartazes de cinema e teatro, áudios, vídeos, além de um enorme conjunto de documentos que foram produzidos por artistas brasileiros entre os anos 1930 e 1980, quando houve a transição de nomenclatura e passaram a ser usados termos como países em desenvolvimento ou emergentes. Para apresentar esses trabalhos, a mostra foi dividida em cinco núcleos cronológicos, todos eles relacionados a um problema em comum: a fome. O primeiro núcleo foi chamado de "Tem gente com fome" e apresenta as discussões iniciais em torno do conceito de subdesenvolvimento. O segundo eixo foi chamado "Trabalho e Luta" e apresenta obras de artistas do Recife, de Porto Alegre e de outras regiões do Brasil onde começaram a proliferar as greves, lutas por direitos e melhores condições de trabalho. Há também o eixo "Mundo em Movimento" que apresenta, por exemplo, documentos do Movimento Cultura Popular (MCP), do Recife, e o modelo de alfabetização de Paulo Freire. Já em "Estética da Fome" são apresentados filmes e outras produções artísticas como a "Tropicália". E último eixo da mostra, "O Brasil é meu abismo", com obras do período da ditadura militar e artistas que refletiram suas angústias e incertezas com relação ao futuro. "Esse é o período mais duro e violento do golpe militar, com o AI-5 (Ato Institucional), que vai desembocar em um período mais desesperançoso e conturbado. Nele vamos encontrar outras formas de os artistas responderem a essa situação, formas que se confrontam, inclusive, com os slogans da ditadura militar", disse o curador.

A exposição sugere que, para a gente superar o subdesenvolvimento, tem que se assumir como subdesenvolvido ainda hoje. Em síntese: é uma mostra de uma beleza impressionante. Um grande retrato do Brasil. O reitor Custódio da UFC está lutando para trazer o CCBB para o Ceará. Que tal trazer essa exposição como prévia?

 

Foto do Paulo Linhares

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