
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Uma leitura política dos principais acontecimentos da semana no Brasil permite antecipar, com alguma margem de segurança, o cenário provável do próximo ano eleitoral. E que pontos nos ajudam a montar esse quadro? Três, principalmente:
1. O escândalo no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o post com mais de 200 milhões de visualizações de Nikolas Ferreira, seguido pela desastrosa resposta do governo, capitaneado por Sidônio
2. A viagem de Lula à Rússia
3. A visita à China, com direito à intervenção de Janja e gafes diplomáticas de tirar o fôlego
Antes de entrarmos nos fatos, uma observação conceitual: a política não se entende apenas pela superfície dos acontecimentos. Os fatos, por si só, não têm valor explicativo. Como dizia Marx, fracassa quem trata a lógica das coisas como se fossem coisas da lógica. É preciso buscar a objetividade invisível que estrutura os jogos políticos — e, mais especificamente, os jogos de comunicação.
Quem está no campo político precisa ter não apenas senso de orientação, mas também senso de jogo. Adaptam-se a infinitas situações sem seguir um código fixo, mas também sem liberdade plena: estão presos a redes invisíveis, às regras tácitas de um campo em permanente disputa.
O Caso INSS e o Post de Nikolas
O escândalo do INSS foi devastador. E o post de Nikolas Ferreira — bem produzido, profissional, com timing de rede, lógica conspiratória e poder de síntese — é talvez um marco na comunicação política digital no Brasil. É inevitável perguntar: quem está por trás da peça?
O governo, mais uma vez, respondeu com um erro estratégico. Demorou a reagir, como já havia acontecido no caso do pix. Embora Lula tenha demitido o presidente do INSS com rapidez, hesitou em rifar Lupi. Mais uma falha de cálculo político-comunicacional.
O ministro da Casa Civil jogou a culpa na Controladoria Geral da União (CGU). O ministro da CGU, por sua vez, tentou minimizar os fatos e ainda acusou os críticos de espalharem fake news. Sidônio entrou em cena com uma cartilha impressa de 30 páginas distribuída na Câmara com o título "Desmentindo Nikolas Ferreira". Sim: uma cartilha impressa contra um post que viralizou com 200 milhões de visualizações. Um desastre completo de linguagem e timing.
Lula na Rússia e na China
Enquanto isso, Lula viaja à Rússia. A foto com um grupo de ditadores viralizou. O plano era tirar uma foto com Putin em sua icônica mesa, mas Lula voltou de mãos abanando. Celso Amorim, que sempre pareceu meio lunático, arrastou até o pragmático chanceler do Itamaraty para mais essa fantasia de "mediador de paz".
Na China, esperava-se um "grand finale". Mas nenhum projeto de infraestrutura relevante foi anunciado. Os investimentos, embora expressivos, ficaram muito abaixo das expectativas — ainda mais quando comparados aos bilhões movimentados no acordo Arábia Saudita-Trump, dias depois.
A cereja do bolo: Janja protagonizou um comício contra o TikTok... na China! Um vexame diplomático. A resposta do primeiro-ministro chinês foi cortante: "Proíbam". Pode até banir o TikTok. Mas não é assim que se age numa democracia. O problema é que Janja ainda pensa com a cabeça do século XX. A comunicação hoje é outra coisa.
O retorno da "Boca do Jacaré"
As pesquisas começaram a pipocar. Primeiro, vazaram as internas. Depois, os institutos devem confirmar: Lula, que havia estancado a queda, voltou a perder aprovação. Mônica Bergamo alertou: quando a curva de aprovação começa a cair e a de desaprovação a subir, forma-se a temida "boca de jacaré". E ela voltou a se abrir.
O jacaré pode engolir Lula
Nem ele, nem seus ministros, tampouco sua equipe de comunicação parecem entender o que podemos chamar aqui, didaticamente, de "ecossistema vale tudo" da comunicação digital. O governo continua operando com os códigos da antiga TV, enquanto o jogo mudou.
Um exemplo: a nova reprise de "Vale Tudo" não para o Brasil como na primeira exibição. Mesmo com 22 a 23 pontos em São Paulo — audiência considerada baixa —, a Globo está satisfeita: a novela domina as redes. O que importa hoje não é audiência: é atenção. E atenção se mede em engajamento, não em pontos.
Lula ainda é, disparado, o melhor conteúdo político do País. Mas precisa urgentemente de uma narrativa compatível com o novo ambiente comunicacional. O público de hoje não quer mais ver "Vale Tudo" com trilha sonora de 1989. O jogo agora é outro.
E Tarcísio?
Com Bolsonaro fora do jogo, o único nome da direita com fôlego para enfrentar Lula é Tarcísio. Mas dificilmente ele se arriscaria em 2026. Kassab não quer queimar seu trunfo numa disputa incerta. Assim, Lula, mesmo cercado por uma equipe fraca (à exceção de Haddad, Camilo, Marina e do Banco Central, que têm mostrado competência), pode, com alguma margem de segurança, encomendar o fraque. Mas é bom ficar de olho nos jacarés. O das pesquisas e o Kassab.
1. O Eternauta
A série argentina da Netflix, estrelada por Ricardo Darín, baseada na graphic novel de Héctor Oesterheld, é uma obra potente e reflete indiretamente sobre os horrores da ditadura militar. A pergunta que ela faz é: como um país pode caminhar junto? Na série existia uma ameaça de ficção científica, mas a realidade argentina foi também cruel.
Oesterheld e suas quatro filhas foram sequestrados entre 1976 e 1978. Duas delas estavam grávidas. O sucesso da série reacendeu a busca pelas netas desaparecidas. Um acerto brutal da Netflix.
2. Bergson Gurjão permanece
A Universidade Federal do Ceará (UFC) homenageia Bergson Gurjão, estudante desaparecido pela ditadura. O reitor Custódio Almeida acerta ao reforçar que esses crimes não podem ser apagados da memória coletiva. Um acerto ético e histórico.
3. "O Maior Ser Humano Vivo", de Pedro Guerra
O cearense Pedro Guerra lança pela Record uma narrativa forte sobre ascensão social, fracasso e reinvenção. Lembra Norman Mailer: prosa crua, densa, vivida. O livro narra a história de Nilo, um homem que tenta escapar do mundo corporativo e se reinventar como artista de humor. Guerra, publicitário radicado em São Paulo, tem ritmo, precisão e a pegada do "escritor-personagem". Pode trabalhar um padrão de novelas à la Mailer.
4. E o Frei Beto, heim?
Três dias antes do conclave, aparece garantindo em vídeo que o papa não seria americano em hipótese nenhuma. Meu tio, um dominicano como Beto, que inspirou Henfil nos fradinhos, frei Marcelo, filósofo de gênio, me dizia: "Beto não sabe de nada. Gente boa. Mas não leu bem, nem pensa bem".
5. Festival
Hoje tem Kleber Mendonça em Cannes. É cinema do Brasellllllll.
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