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Vale Tudo: Lula, Sidônio, Nikolas e a Boca do Jacaré
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Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense

Paulo Linhares arte e cultura

Vale Tudo: Lula, Sidônio, Nikolas e a Boca do Jacaré

Para entender a comunicação política hoje
Tipo Opinião
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante coletiva de imprensa em Pequim, na China (Foto: Ricardo Stuckert/PR)
Foto: Ricardo Stuckert/PR Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante coletiva de imprensa em Pequim, na China

Uma leitura política dos principais acontecimentos da semana no Brasil permite antecipar, com alguma margem de segurança, o cenário provável do próximo ano eleitoral. E que pontos nos ajudam a montar esse quadro? Três, principalmente:

1. O escândalo no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o post com mais de 200 milhões de visualizações de Nikolas Ferreira, seguido pela desastrosa resposta do governo, capitaneado por Sidônio

2. A viagem de Lula à Rússia

3. A visita à China, com direito à intervenção de Janja e gafes diplomáticas de tirar o fôlego

Antes de entrarmos nos fatos, uma observação conceitual: a política não se entende apenas pela superfície dos acontecimentos. Os fatos, por si só, não têm valor explicativo. Como dizia Marx, fracassa quem trata a lógica das coisas como se fossem coisas da lógica. É preciso buscar a objetividade invisível que estrutura os jogos políticos — e, mais especificamente, os jogos de comunicação.

Quem está no campo político precisa ter não apenas senso de orientação, mas também senso de jogo. Adaptam-se a infinitas situações sem seguir um código fixo, mas também sem liberdade plena: estão presos a redes invisíveis, às regras tácitas de um campo em permanente disputa.

O Caso INSS e o Post de Nikolas

O escândalo do INSS foi devastador. E o post de Nikolas Ferreira — bem produzido, profissional, com timing de rede, lógica conspiratória e poder de síntese — é talvez um marco na comunicação política digital no Brasil. É inevitável perguntar: quem está por trás da peça?

O governo, mais uma vez, respondeu com um erro estratégico. Demorou a reagir, como já havia acontecido no caso do pix. Embora Lula tenha demitido o presidente do INSS com rapidez, hesitou em rifar Lupi. Mais uma falha de cálculo político-comunicacional.

O ministro da Casa Civil jogou a culpa na Controladoria Geral da União (CGU). O ministro da CGU, por sua vez, tentou minimizar os fatos e ainda acusou os críticos de espalharem fake news. Sidônio entrou em cena com uma cartilha impressa de 30 páginas distribuída na Câmara com o título "Desmentindo Nikolas Ferreira". Sim: uma cartilha impressa contra um post que viralizou com 200 milhões de visualizações. Um desastre completo de linguagem e timing.

Lula na Rússia e na China

Enquanto isso, Lula viaja à Rússia. A foto com um grupo de ditadores viralizou. O plano era tirar uma foto com Putin em sua icônica mesa, mas Lula voltou de mãos abanando. Celso Amorim, que sempre pareceu meio lunático, arrastou até o pragmático chanceler do Itamaraty para mais essa fantasia de "mediador de paz".

Na China, esperava-se um "grand finale". Mas nenhum projeto de infraestrutura relevante foi anunciado. Os investimentos, embora expressivos, ficaram muito abaixo das expectativas — ainda mais quando comparados aos bilhões movimentados no acordo Arábia Saudita-Trump, dias depois.

A cereja do bolo: Janja protagonizou um comício contra o TikTok... na China! Um vexame diplomático. A resposta do primeiro-ministro chinês foi cortante: "Proíbam". Pode até banir o TikTok. Mas não é assim que se age numa democracia. O problema é que Janja ainda pensa com a cabeça do século XX. A comunicação hoje é outra coisa.

O retorno da "Boca do Jacaré"

As pesquisas começaram a pipocar. Primeiro, vazaram as internas. Depois, os institutos devem confirmar: Lula, que havia estancado a queda, voltou a perder aprovação. Mônica Bergamo alertou: quando a curva de aprovação começa a cair e a de desaprovação a subir, forma-se a temida "boca de jacaré". E ela voltou a se abrir.

O jacaré pode engolir Lula

Nem ele, nem seus ministros, tampouco sua equipe de comunicação parecem entender o que podemos chamar aqui, didaticamente, de "ecossistema vale tudo" da comunicação digital. O governo continua operando com os códigos da antiga TV, enquanto o jogo mudou.

Um exemplo: a nova reprise de "Vale Tudo" não para o Brasil como na primeira exibição. Mesmo com 22 a 23 pontos em São Paulo — audiência considerada baixa —, a Globo está satisfeita: a novela domina as redes. O que importa hoje não é audiência: é atenção. E atenção se mede em engajamento, não em pontos.

Lula ainda é, disparado, o melhor conteúdo político do País. Mas precisa urgentemente de uma narrativa compatível com o novo ambiente comunicacional. O público de hoje não quer mais ver "Vale Tudo" com trilha sonora de 1989. O jogo agora é outro.

E Tarcísio?

Com Bolsonaro fora do jogo, o único nome da direita com fôlego para enfrentar Lula é Tarcísio. Mas dificilmente ele se arriscaria em 2026. Kassab não quer queimar seu trunfo numa disputa incerta. Assim, Lula, mesmo cercado por uma equipe fraca (à exceção de Haddad, Camilo, Marina e do Banco Central, que têm mostrado competência), pode, com alguma margem de segurança, encomendar o fraque. Mas é bom ficar de olho nos jacarés. O das pesquisas e o Kassab.

 

Clássico
Clássico "O Eternauta" ganha "edição definitiva" no Brasil pela Pipoca & Nanquim

1. O Eternauta

A série argentina da Netflix, estrelada por Ricardo Darín, baseada na graphic novel de Héctor Oesterheld, é uma obra potente e reflete indiretamente sobre os horrores da ditadura militar. A pergunta que ela faz é: como um país pode caminhar junto? Na série existia uma ameaça de ficção científica, mas a realidade argentina foi também cruel.

Oesterheld e suas quatro filhas foram sequestrados entre 1976 e 1978. Duas delas estavam grávidas. O sucesso da série reacendeu a busca pelas netas desaparecidas. Um acerto brutal da Netflix.

 

2. Bergson Gurjão permanece

A Universidade Federal do Ceará (UFC) homenageia Bergson Gurjão, estudante desaparecido pela ditadura. O reitor Custódio Almeida acerta ao reforçar que esses crimes não podem ser apagados da memória coletiva. Um acerto ético e histórico.

 

3. "O Maior Ser Humano Vivo", de Pedro Guerra

O cearense Pedro Guerra lança pela Record uma narrativa forte sobre ascensão social, fracasso e reinvenção. Lembra Norman Mailer: prosa crua, densa, vivida. O livro narra a história de Nilo, um homem que tenta escapar do mundo corporativo e se reinventar como artista de humor. Guerra, publicitário radicado em São Paulo, tem ritmo, precisão e a pegada do "escritor-personagem". Pode trabalhar um padrão de novelas à la Mailer.

4. E o Frei Beto, heim?

Três dias antes do conclave, aparece garantindo em vídeo que o papa não seria americano em hipótese nenhuma. Meu tio, um dominicano como Beto, que inspirou Henfil nos fradinhos, frei Marcelo, filósofo de gênio, me dizia: "Beto não sabe de nada. Gente boa. Mas não leu bem, nem pensa bem".

Estrela de
Estrela de "O Agente Secreto", de Kleber Mendonça Filho, o ator Wagner Moura celebrou a oportunidade de estrear em Cannes

5. Festival

Hoje tem Kleber Mendonça em Cannes. É cinema do Brasellllllll. 

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