
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Toda semana recebo comentários, críticas e sugestões sobre meu artigo semanal. Um dos mais lúcidos é o de Cláudio Henrique Andrade, intelectual radicado em São Paulo, doutor em Literatura, um estudioso da obra de seu compadre - Patativa do Assaré -, e pai da minha esposa, Isabel Andrade.
Cláudio, semana passada, comentou que falei de imobilismo hegemônico e não expliquei o conceito. Ele tinha razão.
Vou explicar hoje. Embora saiba que o potencial crítico do meu conceito no campo progressista vai causar reações.
É compreensível. Com essa ameaça da extrema-direita que enfrentamos diariamente, qualquer autocrítica é vista como deserção.
Não é o caso. Creio que temos urgência em superar certos impasses no Ceará.
Negar o nosso imobilismo na geração de riquezas, distribuição de renda e pobreza crônica é bobagem.
A frase célebre de Lampedusa ("Se quisermos que tudo permaneça como está, é preciso que tudo mude") tornou-se símbolo de pactos que simulam a transformação para preservar o essencial. Roberto Mangabeira Unger retomou essa ideia para interpretar o Brasil como uma democracia estagnada, em que as instituições se modernizaram, mas sem redistribuir poder, riqueza ou capacidade produtiva. O resultado é um tipo de "reformismo imobilista", que melhora índices administrativos sem alterar as estruturas profundas da desigualdade.
É essa lógica — a de um imobilismo hegemônico — que se consolidou no Ceará nas últimas décadas. O Estado tornou-se referência nacional em gestão pública, planejamento estratégico e resultados educacionais. Mas, ao mesmo tempo, permanece entre os mais pobres do País em termos de renda, produtividade e inserção econômica de sua população.
Segundo recente artigo de economia regional, "Evolução da renda, desigualdade e pobreza nos Estados do Nordeste 2012- 2024", um estudo de um grupo de quatro economistas entre os quais o experiente e competentíssimo Flávio Ataliba, ao analisar os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desempenho do Ceará entre 2012 e 2024 foi um dos mais modestos do Nordeste em crescimento da renda e redução da pobreza, mesmo com estabilidade administrativa e políticas sociais consolidadas.
Crescimento acumulado da renda per capita no período foi de 14,2%, enquanto Alagoas cresceu 48,5% e o Rio Grande do Norte, 46,6%.
Entre 2022 e 2024, o Ceará apresentou o menor crescimento da renda da região: 6,9% — abaixo da média regional de 20%.
Chegamos a 2024, com o rendimento domiciliar per capita no Ceará de R$ 1.210, o segundo pior do Nordeste, superando apenas o Maranhão.
A taxa de pobreza em 2024 era de 41,8%, com redução de apenas 8,5 pontos percentuais desde 2022 — novamente a menor redução da região.
A queda da extrema pobreza também foi tímida: apenas 3 p.p., enquanto estados como Piauí, Paraíba e Pernambuco registraram reduções superiores a 6 pontos.
Acreditem, o Piauí, nosso vizinho, está nadando de braçada. Alagoas, Rio Grande do Norte e até o Maranhão cresceram quase três vezes mais do que o Ceará a sua renda familiar per capita.
Ou seja: mesmo com políticas de transferência de renda, programas educacionais e estabilidade institucional, o Ceará não conseguiu converter capacidade estatal em prosperidade econômica para as famílias.
Lá vou eu. A explicação não é apenas conjuntural. O Ceará nunca participou plenamente da industrialização brasileira. Ausente das cadeias produtivas do Sudeste e do Sul, dependente de transferências federais e com infraestrutura concentrada no litoral, o estado perdeu a chance de consolidar um parque produtivo robusto.
Luiz Carlos Bresser-Pereira aponta que o Brasil (e, por extensão, o Ceará) vive hoje sob um tripé de bloqueio:
1. Câmbio valorizado e juros altos, que inviabilizam a produção local;
2. Austeridade fiscal estrutural, que reduz a capacidade de investimento público;
3. Ausência de estratégia nacional de reindustrialização e desenvolvimento tecnológico.
O Ceará aderiu a esse modelo, tornando-se um exemplo de boa gestão em uma estrutura produtiva falida.
A crítica capturada: o papel da nova direita
Esse vácuo estratégico foi rapidamente colonizado pela nova direita brasileira. O professor Julio Cezar de Castro Rocha analisa como a frustração com os limites da política petista, inclusive nos estados, foi apropriada por uma retórica emocional, ressentida e antissistema, que rompeu com o debate racional e adotou o ataque às instituições como forma de mobilização.
No Ceará, a hegemonia de uma esquerda boa gestora, mas sem projeto transformador, preparou o terreno para o avanço de discursos conservadores. Enquanto os governos locais insistiam na eficiência e na "solidez fiscal", as populações empobrecidas sentiam na pele a ausência de resultados tangíveis. A tecnocracia não comove e tampouco protege contra o populismo reacionário.
Uma saída: entrar na economia do conhecimento
O Ceará precisa de um projeto econômico à altura de sua população e território. Isso implica:
A inserção na economia do conhecimento é o único caminho para romper o ciclo histórico da estagnação. Sem ela, o Ceará continuará sendo um estado bem gerido, mas
cronicamente pobre.
Conclusão: o futuro só vem com ruptura, conhecimento e inovação.
O Ceará tornou-se símbolo de uma promessa não cumprida. Boa gestão, sem transformação produtiva, é apenas manutenção técnica da desigualdade.
Romper com o imobilismo hegemônico que temos hoje exige mais do que política fiscal equilibrada ou metas bem executadas de educação.
Exige um novo pacto produtivo e institucional.
Um projeto que una inovação, equidade, território e inteligência econômica.
O futuro bloqueado do Ceará só será liberado com imaginação política, coragem de ruptura e reinvenção da ideia de desenvolvimento.
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