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A Hora do Predador
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Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense

Paulo Linhares arte e cultura

A Hora do Predador

Trump abriu as portas do inferno para os oligarcas tecnológicos
Donald Trump é presidente dos Estados Unidos (Foto: SAUL LOEB / AFP)
Foto: SAUL LOEB / AFP Donald Trump é presidente dos Estados Unidos

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Venho pensando muito nesses tempos em que vivemos. Qual o chamado "air du temp", em francês, ou "Zeitgeist", em alemão?

Autocratas e magnatas malucos associados propagandeando e agindo pelo caos.

O que significam estes tempos?

Em francês, a expressão equivalente a "Zeitgeist" (espírito do tempo em alemão) é "l'air du temps". Literalmente, significa "o ar do tempo", e é usada para falar do clima cultural, das tendências ou do "espírito" que domina uma época. É a forma idiomática francesa mais comum para expressar essa ideia.

"L'esprit du temps" também existe em francês, mas é menos usado no cotidiano e soa mais técnico ou literário. Na Alemanha, "Zeitgeist" é um conceito muito mais filosófico e carregado de filosofia histórica (Herder e Hegel). Ele implica:

Um "espírito" que permeia instituições, arte, política e ética. Algo coletivo e determinante para compreender uma época. O francês "l'air du temps" é menos denso e mais intuitivo que o alemão "Zeitgeist".

Pois bem, vou resumir o texto, pois minha editora diz que escrevo muito. É mesmo. E ela coitada tem de literalmente costurá-lo para caber na página.

Li agora um livro despretensioso, filosoficamente ou academicamente, mas bem escrito, abre um monte de janelas às vezes mais instigantes do que páginas e páginas de Bruno Latour, Bauman, Han, Sloterdijk etc.

Quando iniciei a leitura de "A hora dos predadores", de Giuliano Da Empoli (em formato kindle por R$ 41,90), esperava compreender melhor o presente turbulento. E, logo na introdução, Da Empoli mergulha no passado para nos lembrar do desembarque de Hernán Cortés junto a Montezuma II (que se mostra um governante hesitante, incapaz de agir diante dos conquistadores). Segundo o autor, nossas democracias ocidentais repetirão esse padrão de submissão diante dos "conquistadores da tecnologia".

 

Giuliano da Empoli foi secretário de cultura de Florença, assessor especial do ex-primeiro ministro italiano Matteo Renzi e já tinha escrito um livro interessantíssimo, "Engenheiros do Caos", sobre Putin e seus marqueteiros malucos. E agora escreve sobre os magnatas da big techs e Trump.

Vou resumir aqui os principais capítulos deste que parece feito para decifrar essa semana terrível.

No capítulo 1, "A irrupção dos borgianos", Da Empoli apresenta a figura central do livro: os "borgianos" - não tão metafóricos como o nome sugere, mas estrategistas que misturam carisma, violência e desregulação para dominar. Ele os compara à família Bórgia do Renascimento - implacáveis, calculistas, sedutores do poder.

Os grandes nomes da tecnologia (Musk, Zuckerberg, Altman, Hassabis) são tratados como novos dominadores: "conquistadores post-humanos", que governam por caos e algoritmos.

No capítulo 2, "Os conquistadores das big techs", Da Empoli mergulha no passado para nos lembrar do desembarque de Hernán Cortés junto a Montezuma II — quem se assevera como governante hesitante, incapaz de agir diante dos conquistadores. Segundo o autor, nossas democracias ocidentais repetirão esse padrão de submissão diante dos "conquistadores da tecnologia". Repito: o texto parece uma premonição para o que o Brasil enfrentou essa semana.

No capítulo 3, "O caos como poder", o argumento central é poderoso: "O caos não é mais arma dos rebeldes, mas selo dos dominantes". Li essa frase e me veio à cabeça a ideia de que não estamos apenas numa crise, mas numa reconfiguração da governança: quem desestabiliza, detém o poder. É a lógica das redes associada a grana das big techs.

Já o capítulo 4 é a chave para pensarmos a realidade de hoje. Influenciado por escolhas históricas de Montezuma, o autor afirma que nossas democracias têm reagido com hesitação diante dos predadores contemporâneos — preferindo negociar pelo domínio tecnológico a confrontar o inimigo.

No capítulo 5, Da Empoli expõe como a Inteligência Artificial deixa de ser mero instrumento para se tornar infraestrutura de poder: redes sociais manipulam comportamento, geram caos e suprimem o futuro previsível. Nas palavras dele, o cidadão moderno é inundado por dados, mas incapacitado de planejar o próprio amanhã.

No Capítulo 6, "As novas arenas geopolíticas", emerge o grande narrador italiano. Quando assessorava o primeiro-ministro Enzo Matteo, ele viu as tramas em carne e osso. Da Empoli passa por Nova Iorque, Riad, ONU — e nos relata cenas como prisioneiros no Ritz-Carlton de MBS, conversas com Trump descuidado, envolvendo os predadores globais.

No último capítulo, ambientado em Lisboa, o autor desdobra as discussões sobre imagens centrais do poder tecnológico e político — Kissinger, Altman, Hassabis — e o palco europeu sendo soterrado pela submissão institucional.

Da Empoli apresenta Lula como um líder astuto e estrategicamente envolvente no trato pessoal.

Concluir o livro me deixou atormentado: estamos numa era de predadores, líderes que exploram o caos para subjugar o sistema e dispostos a destruir quaisquer lideranças democráticas que colaboram por medo. Da Empoli oferece uma cartografia clara do predador moderno: sejam tech-oligarcas, autocratas ou líderes midiáticos disruptivos. Em resumo: "A hora dos predadores" nos ensina a ver o caos não como ruído, mas como estratégia central de conquista. E chama atenção para a urgência de reagir — antes que o predador devore nossa capacidade de agir em liberdade.

Acho que começamos um tempo de guerra de autocratas psicopatas como Trump associados a milionários das big techs e não sabemos como, nem quando vai acabar. Leitura obrigatória para a terrível semana/pesadelo.

 

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