
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
.
Eles são briguentos (precisam enfrentar muitas barreiras), são criticados por arrumar confusão (não têm Universidade de São Paulo, nem Folha de S. Paulo, nem O Globo para protegê-los, como ficou claro no episódio da pernambucana Daniela Lima), e ao contrário do bando de Lampião, não atuam em grupo. Os cearenses, por exemplo, quase sempre se detestam.
Talentosíssimos na formulação política, na sociologia, na biografia, na TV, na ficção, na história social — produzem bens simbólicos aos borbotões, são quase
sempre incansáveis.
Nas disputas por posições no campo cultural, não é fácil ser nordestino.
Você tem que subir nas paredes literalmente com as unhas. Os sudestinos, que controlam o campo intelectual brasileiro, têm preconceitos com o sotaque, com os maus modos e com as caras e as bocas. Poderia fazer uma pequena tese aqui para explicar o porquê dessas características comuns. Mas prefiro deixar que você, leitor, descubra. A seguir, uma bio das feras.
Cearense do Cariri, Jarid Arraes resgatou a literatura de cordel para falar de
feminismo negro, memória ancestral e subjetividade nordestina. Seu livro "Redemoinho em Dia Quente (2019)" tornou-se um clássico instantâneo da nova literatura brasileira.
Ela é filha do cordel, mas também do slam, do afrofuturismo e das redes. Denuncia o racismo com poesia, expõe o machismo com beleza. Criou uma tradição crítica no feminino — e no plural. Não se curva a lógicas editoriais do Sudeste nem ao folclore tolo sobre o Nordeste. Faz de sua escrita um grito
e um abraço.
Jessé é o sociólogo potiguar que virou pedra no sapato das elites. Com seu livro "A Elite do Atraso", Jessé desmontou a narrativa da cordialidade brasileira e colocou a elite da USP e da Faria Lima no divã. Ousou atacar Sérgio Buarque de Holanda, a Rede Globo e o discurso do mérito.
Sua teoria do "homem de classe média vulgar" é um dos pontos centrais de sua crítica às elites e à ideologia dominante no Brasil. Apresentada com mais ênfase em livros como "A Classe Média no Espelho", essa teoria articula a ideia de que a classe média, longe de ser um vetor progressista, funciona como reprodutora do autoritarismo e do racismo. Tem sangue acadêmico e alma de agitador.
Historiador social, Durval Muniz é o homem que desinventou o Nordeste. Em "A Invenção do Nordeste e Outras Artes", mostrou como a região foi construída como um lugar subalterno pelo imaginário do Sudeste. A teoria parte da ideia de que o Nordeste é uma construção histórica, discursiva e simbólica, e não uma região natural, geográfica ou culturalmente homogênea.
O "Nordeste" foi criado como uma identidade regional a partir do olhar do Sudeste, especialmente nos momentos de crise, para marcar um "outro" interno atrasado. Escreve com densidade e deboche. É o mais foucaultiano dos nordestinos. Suas aulas e livros são armas contra o preconceito — Durval é anzol e farol.
Crônica com verve, virilidade com sátira e paixão pela vida com invenção. Xico Sá é o homem que escreveu "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea: a educação sentimental do homem" (2008) rindo da própria masculinidade. E o seu livro "Big Jato" mereceu um filme maldito de Claudio de Assis. Seu texto é caatinga e Camus, bar e Barthes.
Foi do Cariri para São Paulo levando sotaque, ironia e uma elegância sincera, como cantaria Bel. É um tanto escanteado da grande mídia por não ser manso, por não ser isento, por não ser sudestino o suficiente. No jornalismo e na literatura, é um corpo meio estranho e exótico — e essencial.
Cronista dos afetos e narradora da beleza do cotidiano, Natércia Pontes escreve como quem observa a cidade de canto de olho. Cearense de Fortaleza, é autora do livro de contos de "Copacabana Dreams" (2012) e do romance "Os tais caquinhos (2021)", livros que comprovam que a literatura — e a vida — sobrevivem entre ruínas.
Como nordestina escrevendo do eixo, não pede desculpas por ser periférica. Pelo contrário, bota para quebrar na caretice das panelas literárias de Sampa. Se a ironia, o escárnio e a contundência estão no sangue, Natércia herdou tudo de bom de seu pai e de sua mãe, Augusto Pontes e Cristina Pontes, geniais.
Repórter com faro de pólvora e pesquisadora com sangue nos olhos. Nascida em São Paulo e criada em Fortaleza, Adriana escreve como quem desnuda e revela como quem filma. Em "Maria Bonita: sexo, violência e mulheres no cangaço" (2018), reconstruiu a figura de uma mulher que lutava.
Em "A vida nunca mais será a mesma" (2021), escancarou o silêncio em torno do estupro no Brasil (e o que ela sofreu). Foi uma das primeiras a criticar a ingenuidade do marketing em torno de Janja, e denunciou a inconsistência das provas da cobertura contra Silvio Almeida. Escreve com coragem, disposta a expor o que muitos preferem varrer para debaixo do tapete.
Análises, opiniões e fatos sobre política, educação, cultura e mais. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.