
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Atrás do arranjo do presente, o passado está em mutação". (Caetano, Fora da Ordem)
No Ceará, como em muitos contextos periféricos, o processo de consagração intelectual e cultural é marcado por lacunas profundas. É que o capital simbólico se distribui de forma desigual entre os diferentes campos sociais. Enquanto empresários e políticos gozam de legitimidade e visibilidade — porque seus campos têm força material, econômica e midiática —, outros produtores de futuro, ligados à ciência, à educação, à saúde ou ao planejamento, permanecem em situação de invisibilidade.
Nesses contextos, a ausência de repertórios de análise e de mecanismos institucionais de valorização faz com que trajetórias fundamentais não sejam reconhecidas. Mulheres, negros e indígenas sofrem duplamente a exclusão, pois foram historicamente alijados do poder decisório, salvo raríssimas exceções no cenário nacional e mais escassas ainda na vida pública local. Os inventores de políticas públicas ou os intelectuais do planejamento coletivo são frequentemente ignorados, porque sua obra não se traduz em bustos, monumentos ou cadeia de bajulação com retornos materiais e simbólicos. Diferentemente dos artistas consagrados, dos empresários de sucesso ou dos políticos carismáticos, esses homens atuavam num terreno de escassez simbólica, onde não havia campo consolidado que garantisse prestígio.
É nesse ponto que emergem os que chamamos aqui de Inventores da Esperança. Eles formularam horizontes, abriram caminhos e criaram instituições que transformaram o Ceará, ainda que o reconhecimento lhes tenha sido negado. Raramente ganharam Honoris Causa, Sereias de Ouro, Medalhas do Abolição. Suas contribuições só se tornam plenamente visíveis quando olhadas por outro enquadramento: não o da política tradicional ou do capital econômico, mas o da invenção social e da utopia concreta, que opera silenciosamente na construção de um futuro coletivo.
Esses homens não esperaram por reconhecimento. Criaram, lutaram e deixaram marcas profundas no tecido social e cultural do Ceará. Foram arquitetos da esperança porque souberam enxergar adiante, formular projetos estruturantes erguer instituições e inspirar gerações. Muitos outros poderiam ser lembrados: Maia Júnior, Cabeto Martins Rodrigues, Luiza Teodoro, Violeta Arraes, a lista é grande. E o leitor vai dizer: faltou fulano. Mas lembrar os aqui citados é um começo.
O Ceará ainda lhes deve a memória e a gratidão. Mas isso é o de menos. E talvez a maior homenagem que podemos lhes prestar seja justamente esta: levar a sério o que sonharam.
Carlile Lavor
Sanitarista, gestor público e pensador da cidadania, foi o criador do mais premiado internacionalmente programa de combate à mortalidade infantil, reconhecido como um dos exemplos mais bem-sucedidos de política pública de saúde no Brasil e no mundo. Atuou na ampliação do acesso, na organização de redes comunitárias e na inclusão dos mais pobres em políticas de bem-estar. Viu a saúde como direito inalienável, base para qualquer democracia substantiva. Sua obra se confunde com a própria consolidação da saúde pública como política de Estado no Ceará e no Brasil.
Cláudio Ferreira Lima
Economista e servidor do Banco do Nordeste, foi o arquiteto do planejamento moderno no Ceará. Inspirado pelo pensamento de Celso Furtado, acreditava que a economia não podia ser reduzida a números, mas deveria expressar o destino coletivo. À frente de órgãos estratégicos, formulou políticas de desenvolvimento de longo prazo, como o projeto Ceará 2050, que ainda hoje serve de guia. Seu olhar sempre esteve voltado para a justiça social e para a superação das desigualdades regionais.
Ariosto Holanda
Intelectual inquieto, defensor da formação científica, foi um pioneiro na integração entre universidade, tecnologia e políticas públicas. Criou projetos que abriram caminho para jovens cearenses se aproximarem da ciência e da pesquisa aplicada, muito antes de o País falar em "inovação". Em sua trajetória, há sempre a marca da convicção de que sem ciência não há futuro — e que o Nordeste não poderia ficar relegado à condição de periferia do saber.
Tarcísio Pequeno
Professor universitário, pesquisador de inteligência artificial e gestor da ciência no Ceará, foi um dos responsáveis por consolidar a institucionalização da pesquisa e da inovação no Estado. Participou da criação da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), que passou a financiar e organizar a produção científica local, e foi o idealizador do programa Cientista-Chefe, uma experiência pioneira de integração entre universidades e governo para a formulação de políticas públicas. Simboliza a construção de um Ceará moderno, que ousou acreditar na ciência.
Edgar Linhares
Professor, gestor público e pensador da educação, foi responsável por um dos movimentos mais decisivos da história recente do Ceará: a criação do método de alfabetização de Sobral, que se baseou na qualidade da leitura das crianças como eixo central da política educacional. Esse método, ao se expandir pelo Estado, tornou o Ceará referência em educação pública. Edgar Linhares soube traduzir uma visão pedagógica em política pública de impacto estrutural, deixando como legado a convicção de que a leitura é a chave da cidadania.
Demócrito Dummar
Jornalista, empresário da comunicação, gênio da articulação dos nossos talentos intelectuais, compreendeu cedo que ideias sem visibilidade se perdem. Colocou o seu jornal e os meios de comunicação como trincheira para dar espaço à reflexão, às políticas e aos projetos que poderiam transformar o Ceará. Sua luta foi a de tornar público aquilo que, de outro modo, seria silenciado ou esquecido.
E quando, frequentemente, esses intelectuais eram perseguidos, se colocou na trincheira dos que pensam. Não criou políticas diretas, mas fez da palavra publicada um instrumento de ação política e cultural.
Hipérides Macedo
Médico comprometido com a saúde coletiva, tornou-se referência na integração entre saúde, cidadania e dignidade humana. Seu maior legado foi a criação do programa de interligação de bacias hidrográficas, que ampliou a segurança hídrica e tornou o Ceará mais capaz de superar as secas cíclicas que historicamente assolavam a população. Sua visão unia política social e infraestrutura hídrica, mostrando que cuidar da vida exigia também transformar a relação da sociedade com seus recursos naturais.
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