Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
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"As ideias movem o mundo e, às vezes, o travam" (Joel Mokyr)
O século XXI é o tempo das ideias, do conhecimento, e também o tempo em que mais duvidamos do saber. Produzimos pensamentos em série, medimos a criatividade em cliques e transformamos o conhecimento em ativo financeiro. Mas o que acontece quando a cultura do conhecimento se torna uma grande episteme que parece descontrolada?
Três pensadores, que ando lendo e pesquisando (juntei os três na minha cabeça e o leitor logo vai saber a razão) e são quase desconhecidos no Brasil, nos ajudam a entender o impasse: Joel Mokyr, o economista das crenças produtivas; Pierre-Michel Menger, o sociólogo da incerteza criadora; e Renata Salecl, a filósofa do desejo contemporâneo.
Juntos, eles mostram que o mundo moderno é movido por crenças, riscos e ilusões e que, no Brasil, o destino das ideias e a cultura como engajamento cognitivo continua sendo o espelho das nossas esperanças e desesperos.
"O crescimento econômico é, acima de tudo, uma questão de cultura" (Joel Mokyr)
Joel Mokyr, economista israelense radicado em Chicago que acaba de ganhar o Nobel, transformou a história econômica ao recolocar as ideias no centro do desenvolvimento. Em "A Culture of Growth", ele defende que a Revolução Industrial foi, antes de tudo, uma revolução cognitiva: a vitória da fé na razão sobre o ceticismo feudal.
As sociedades não mudam por decreto: mudam quando mudam seus mapas mentais. Essas crenças coletivas, sobre o que é possível, justo e legítimo, são a infraestrutura invisível do progresso.
No Brasil, essa tese inspirou o livro "Brazil in Transition", que analisa nossa passagem de uma economia autoritária para uma democracia instável. A mensagem: o País avança ou regride conforme a qualidade de suas crenças coletivas.
Os líderes, para Mokyr e seus colaboradores, são intérpretes simbólicos das crises. Tancredo, Ulysses e FHC traduziram choques econômicos e morais em novas narrativas de confiança. Sem esse trabalho de interpretação, o País permaneceria prisioneiro da descrença.
Cada crise, inflação, impeachment, recessão, é uma brecha cognitiva. O problema é que o Brasil costuma desperdiçá-las. Mokyr chamaria isso de "crise de imaginação nacional": a dificuldade de reinventar a própria fé no saber.
"A incerteza é o preço da liberdade" (Pierre-Michel Menger)
Se Mokyr fala da força das crenças, Pierre-Michel Menger, francês professor do Collége de France, analisa o custo da criação. Em seu livro "O trabalho criativo", ele descreve a nova economia cultural: autônoma, competitiva e intermitente.
O artista e o pesquisador tornaram-se trabalhadores do possível, vendendo tempo e talento sob risco permanente. O sucesso depende de reconhecimento simbólico - um capital tão frágil quanto o algoritmo que o distribui.
Para Menger, o século XXI é uma era de autonomia precária: somos livres para criar, mas sem garantias de sobrevivência. No Brasil, isso ganha contornos dramáticos - onde o talento é abundante, mas a proteção institucional é escassa.
O criador é ao mesmo tempo empreendedor e sonhador. Sua liberdade depende da incerteza, mas essa incerteza o devora. O artista nordestino, o cientista periférico, o professor precarizado: todos vivem essa tensão entre paixão e penúria.
"Não queremos saber o que nos tornamos, porque o saber exige responsabilidade" (Renata Salecl)
Renata Salecl, filósofa e psicanalista eslovena do grupo do Zizek, amplia o campo da crítica: mostra que o capitalismo cognitivo não afeta apenas o trabalho, afeta a alma.
Em "The Tyranny of Choice e A Passion for Ignorance", ela descreve a era da obrigação de desejar. Hoje, ser livre significa ser responsável por cada fracasso: corpo, carreira, afeto, produtividade. A liberdade virou culpa institucionalizada.
Enquanto Menger analisa o criador precário, Salecl observa o sujeito exausto. A cultura da escolha infinita "você pode tudo" gera um pânico silencioso: e se eu não conseguir? Vivemos entre o coaching e o colapso, entre a promessa de felicidade e o medo do erro.
"O que diferencia sociedades prósperas é o conjunto de crenças sobre o que é possível mudar" (Joel Mokyr)
O livro "Brazil in Transition", parte da série coordenada por Mokyr, aplica suas ideias ao caso brasileiro. Ele propõe que nossa história recente seja lida como um ciclo de transformações cognitivas:
O que está em jogo não é apenas economia, mas a imaginação coletiva do País. A verdadeira infraestrutura brasileira, diria Mokyr, não está no agro nem nas indústrias, mas na cabeça das pessoas. Precisamos mais do que nunca de um novo mapa cognitivo.
1. O conhecimento como infraestrutura invisível. 2. O progresso depende de uma cultura que valorize o saber e a crítica;
2. A república das ideias. O pensamento deve circular livremente, como bem público - não como propriedade privada;
3. Cultura como fator econômico. As crenças sobre o que é possível são mais decisivas que o capital físico;
4. Liderança interpretativa;
5.Reformas só duram quando os líderes conseguem traduzir crises em narrativas de confiança;
6. Otimismo racional;
7. O pessimismo é elegante, mas historicamente falso: o progresso é produto da imaginação humana.
O resultado é um paradoxo: vivemos a era em que mais acreditamos nas ideias e que mais sofremos com elas. Elas nos libertam e nos paralisam, nos dão sentido e nos cobram desempenho.
No Brasil, onde o campo cultural é cronicamente periférico, o desafio é ainda maior: produzir ideias próprias sem sucumbir à dependência simbólica, e proteger o criador sem sufocar sua liberdade.
Reconciliar essas três forças, o pensamento de Mokyr, a invenção criativa de Menger, a lucidez de Salecl, talvez seja a tarefa filosófica e política do nosso tempo. É o que ando tentando fazer nos meus trabalhos teóricos. Espero que suas ideias ajudem a superar as incertezas desses tempos de tanto ódio e ressentimento.
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