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Eleições
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Escreveu livros de literatura fantástica e de contos, como

Eleições

Tipo Crônica

Um acontecimento mexe de verdade as entranhas do País: a disputa eleitoral nos municípios. Mesmo num ano de pandemia como este de 2020. Começou o ano e os nervos já afloraram, antigas alianças foram desfeitas (correligionários antes aliados agora se olham com desconfiança); novos arranjos partidários montados (quem se intrigou no último pleito pode aparecer agora ao lado), palanques que há bem pouco tempo misturavam famílias agora afastam, piadas velhas têm novos usos, mas nem sempre os mesmos efeitos: o que arrancava gargalhada virou ódio puro.

A "camada de cima" (os candidatos a prefeitos e vereadores com chances de serem eleitos) se reorganiza com mais tranquilidade, muda de rumo político como quem muda de roupa; já a massa ignara dos eleitores é mais passional, demora um pouco para se adaptar a essa flutuação de lados e aliados, sofre, cospe rancores, lava roupas sujas nos botecos e calçadas, custa mais a engrenar alianças recentes. Porém acaba se adaptando ao "novo" pleito e logo, logo parece ter esquecido os quatro ou mais anos de inimizades: perdoa (ou finge).

Um capítulo a parte nessas disputas Brasil adentro são os apelidos, músicas e bordões de campanhas: profissionais da área do marketing requentam antigas adaptações e as vendem país afora (outros preferem as quentinhas da moda), uma canção que destrói um candidato num cidade pode ser usada noutros municípios: nunca esqueci uma versão de "Casaca de Couro", de Jackson do Pandeiro, em que a bela estrofe inicial de exaltação do pássaro (Chô, Chô, Chô, casaca de couro/ Cantando as duas na telha...) se transformava em "Chô, Chô, Chô, a casa tá de choro/ fulano tá cima e sicrano tá de choro", ainda hoje lembro inteirinha a paródia mas esqueci partes da canção original.

Outra mania que se estabeleceu nessa época foi a da aposta, quando terras, casas, motos, carros e (pasmem!) até cônjuges são jogados a sangue e unha em disputas que muitas vezes chegam aos cartórios com testemunhas constituídas no "papel"; existem sujeitos que se especializaram em "segurar" apostas (ganhando, claro, por isso porcentagem dos bens "casados"). Já presenciei choro de apostador que perdeu tudo, assim como comemorações homéricas de vencedores que gastaram em farras todo o valor da disputa.

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Engana-se quem pensa que essas pendengas se encerram logo após o resultado do pleito, depois se inicia um período sensível, de dor e gozo, de sofrimento e alegria, de sumiço e presença nas ruas por muito tempo: quem não recorda da passeata dos vencedores com velhas malas de couros em lombo de jumentos pelas ruas da cidadezinha, acompanhada de um carro de som repetindo o refrão "Arruma a mala aêêê!" ou do carro da funerária alugado por uma semana para desfilar pelos bairros e até alguns distritos com um caixão de defunto carregando o "cadáver" do perdedor.

Quase nunca essas contendas terminaram em paz, crimes foram cometidos no calor das comemorações, famílias foram desfeitas após resultados inesperados, traições e heroísmos se perpetraram nas crônicas anônimas das conversas de bar... Então um conselho se mostra útil e urgente: que os vencedores comemorem com discrição e os perdedores desapareçam por um tempo... E lembrem-se de que sempre haverá uma nova eleição!

Foto do Pedro Salgueiro

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