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Da idiotia como sobrevivência
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Escreveu livros de literatura fantástica e de contos, como

Da idiotia como sobrevivência

Tipo Crônica

"Tem alguns idiotas que até hoje ficam em casa", diz o mais idiota de todos os presidentes que este país já teve, cercado em seu chiqueirinho por uma legião de idiotas que o esperam todos os dias na saída do Palácio do Planalto para ouvir suas "pérolas" de insanidades num português primitivo, rasteiro...

Em sua crônica n'O Povo, intitulada "O idiota da família" (homônima ao livro de Jean Paul Sartre sobre Gustave Flaubert), no sábado, 29/05/2021, num texto primoroso, a escritora Ana Miranda, depois de discorrer sobre dois "idiotas" clássicos da literatura (um ficcional, o príncipe Michkin do romance "O idiota", de Dostoievski, acusado por outros personagens de ser imbecil devido às suas atitudes a eles incompreensíveis; outro real, o francês Flaubert, tido na infância, devido suas "limitações" cognitivas como um retardado)... pois bem, a autora de "Boca do Inferno" fecha seu texto com um parágrafo que é uma clara alusão à ridícula frase presidencial: "De forma que, se alguém nos chama de idiotas, não vem nisso nenhuma ofensa. Sejamos idiotas. O significado antigo da palavra, em sua origem grega, era: um cidadão privado, individual, que se aparta da vida pública. Ainda que a palavra seja, hoje, sinônimo de palerma, tolo, imbecil, lerdo, tonto, estulto, néscio, obtuso, mentecapto, parvo, entre outros, é melhor ser chamado de idiota do que, por exemplo, de genocida... Vamos defender a vida, ainda que ela seja 'uma história contada por um idiota, repleta de som e fúria, e que nada significa', dizia Shakespeare.".

O bom, ou ridículo, da situação é que nós, preocupados com nossa sobrevivência, com a falta de vacinas e atitudes positivas do governo federal, temos que nos assumir com o sentido primitivo da palavra: pois temos que nos afastar do convívio social, virar as costas, literalmente, à vida pública; ao passo que o obtuso presidente tem que assumir de corpo e alma todos os sinônimos modernamente atribuídos ao termo "idiota".

A passagem de Macbeth, usada por Ana Miranda no final de sua crônica, me fez lembrar outro personagem da literatura universal, Benjamin Compson, Ben ou Benjy, um "retardado" mental de 33 anos que narra a primeira e mais difícil parte do romance "O som e a fúria" (título também tirado dessa passagem do dramaturgo inglês), de William Faulkner, que se inicia estranhamente assim: "Do outro lado da cerca, pelas brechas entre as flores curvas, eles estavam batendo. Eles foram para o lugar onde estava a bandeira e eu fui seguindo junto à cerca (...) Eles tiraram a bandeira e aí bateram outra vez".

Mas meu idiota preferido na literatura é o amorável e terrível Macário, do mexicano Juan Rulfo em seu "Chão em chamas", que adora comer flores e beber o leitinho de Felipa, mas que, mesmo sem gostar e mandado pela tia, mata as rãs a pauladas à beira da cisterna, a mesma tia que amarra suas mãozinhas com tiras para que não enforque as senhoras na missa de domingo... Doidinhos, com certeza, bem menos nocivos que alguns políticos que nos governam.

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