
Escreveu livros de literatura fantástica e de contos, como
Escreveu livros de literatura fantástica e de contos, como
Algum me disse mais de uma vez, na primeira eu ainda era criança, algo como "só quem sofre a injustiça é que sobe bem o que seja", as palavras foram outras, claro. Apenas quem sofre uma injustiça consegue medir bem seu tamanho, dor e cor, tenho pensado nesses tempos tão cruéis. Haver nascido numa família com nove irmãs, mães, tias e avós e filha, nunca me eximiram de ser machista: daí ter vontade de matar quando escuto alguém tentar justificar que não o é, homofóbico, machista, racista etc e tal, devido a ter "até" amigos gays, mulheres e negros.
Tenho, hoje menos presente na minha convivência, um amigo negro, que desde o colégio sofre preconceitos, era protestante, tímido, gostava de rock e desenhava magistralmente as capas históricas de suas bandas preferidas, era o mais "cotado" para as "brincadeiras", todas de mau gosto, dos amiguinhos endinheirados do antigo Colégio São João onde estudei com descontos e sacrifícios dos pais. Apenas ria das piadas, minimizava os insultos velados, uma "alma boa", como se costuma dizer dessas figuras "resilientes", para usar uma ridícula palavra da moda, que pululam por aí entre pontas de facas.
Um dia chegou à minha casa chorando, na verdade apenas soluçando, pois já tinha engolido o choro: confessou-me entristecido que jamais teria filho; depois de muita insistência me relatou a cena da senhora de idade que, ao vê-lo passar ao seu lado na calçada, "ela segurou a bolsa com força e desceu a calçada", disse já com um misto de espanto e riso no rosto, na verdade uma careta indefinida que nunca me saiu da cabeça, de como o choro e o riso muitas vezes se parecem, se confundem a ponto de, por instantes, não conseguirmos distingui-los.
Pois bem, este amigo negro foi embora e só o reencontrei 20 anos depois, agora concursado, bem de vida, digamos que um "classe-mérdia" de primeira categoria: rodava a chave do carão no bolso, a roupa de marca, bom sapato... o que me deixou aliviado pela sua boa desenvoltura, tão contrastante com o acanhamento pesado, sempre na defensiva, que possuía na adolescência: enfim, alguém que adquiriu, sabe-se lá a que custo, uma boa estima de si mesmo (arre!) - acompanhei-o feliz até seu automóvel e, pasmem!, que susto tomei quando vislumbrei no vidro traseiro o enorme adesivo verde amarelo
do candidato mais racista e preconceituoso que este país já viu, acima das portas dianteiras duas bandeirinhas do Brasil já rasgadas pelo vento.
Em poucos segundos me vieram as muitas cenas de preconceitos que o vi passar, o soluço quase choro de vinte anos atrás, nessas horas a mente não consegue ser rápida o suficiente para elaborar algo racional para transformar em palavras, apenas apertei sua mão e nos despedimos com um sorriso, afetuoso e sincero de sua parte, amargo e assustado da minha: creio que um misto de riso e pranto, essa careta indefinida que fazemos quando estamos muito, mas muito tristes mesmo.
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