
Escreveu livros de literatura fantástica e de contos, como
Escreveu livros de literatura fantástica e de contos, como
Desde que me entendo por gente gosto de caminhar. Minha mãe atesta que andei cedo, muito tempo antes de balbuciar as primeiras palavras. Desde então me tornei este ser estranho que vagueia pelas ruas de minha cidade, de preferência em surdina, assim meio de esguelha e pelo ladinho da sombra. Perscrutando conversas, bisbilhotando janelas, aparando (com o chinelão) arestas de pedras das coxias.
Um punhal em cada bolso, um medo em cada olho.
Sou um ser andante nesta cada vez mais difícil cidade motorizada. Quase um carro para cada habitante. Ou mais precisamente: quase um imbecil em cada carro. Velozes, apressados em suas fúrias insanas, caçam motoqueiros, ciclistas e caminhantes. Sem nenhum respeito vão levando vantagens pelas ruas afora, povoando não só as vias, mas as calçadas, povoando até quase o céu.
Nos anos 1980 íamos, um grupo de estudantes, da cidade 2.000 ao Colégio São João, desbravando dunas quase virgens e contando os poucos prédios da avenida Santos Dumont; nos anos 1990, diversos moradores da Réu-125 saíamos da rua Paulino Nogueira, no Benfica, para assistir a shows no alambrado do Bar Pirata, lá na Praia de Iracema... voltávamos de madrugada e conversávamos até quase de manhã na pracinha da Gentilândia.
Poucos companheiros ainda resistem, ainda batem estacas pelas vielas de seus bairros. Jorge Tufic descia a Conselheiro Tristão e ia aos correios despachar seus sonhos, até ser levado por um ônibus em plena Praça José Bonifácio. José Alcides Pinto pernava por todo canto até ser colhido por uma motocicleta alada. O Poeta de Meia-Tigela desbrava a José Bonifácio no rumo do Assis da Gentilândia. Silas Falcão junta o Tauape ao Centro em poucos minutos.
O poetinha Carlos Nóbrega escapole das areias da Aldeota para o Centro atrás de fumaças e poemas. Jorge Magrinho desbrava ruas e avenidas despistando sombras. O doido Nélson costura o Benfica catando bitucas e pedindo um trocado. Airton Monte perseguia pombos imaginários pela Dom Jerônimo, depois ia descansar nas gastas poltronas do Mira y López.
Vivos e mortos, tanto faz, seguem perseguindo sonhos pelas veredas da vida (e da morte, pois!).
Não à toa são todos poetas.
* O título da crônica é um verso do poema "Caminhante" do poeta espanhol Antonio Machado
A soma da Literatura, das histórias cotidianas e a paixão pela escrita. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.