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Dezembrando
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Foto de Pedro Salgueiro
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Escreveu livros de literatura fantástica e de contos, como

Dezembrando

Tipo Crônica
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I - Mil luzinhas me dizem

Eu, que tive uma infância terrivelmente feliz, aguardo o fim de ano com uma ânsia de criança que espera desde janeiro pelo sonhado presente de Natal. Uma infância pobre mas feliz, que me faz hoje enxergar que aqueles já longínquos anos foram os melhores da vida. Também já conheci pessoas que detestam o período, que sofrem profundamente por vários motivos, alguns conhecidos, outros não. Agora, pelos fins de novembro, alguns moradores do prédio em frente, com suas varandas piscantes, também anseiam pelos dezembro. No Centro e shoppings, comerciantes otimistas começam a enfeitar vitrines. E eu apenas espero, e - mal entra o derradeiro mês - mil luzinhas me dizem que minha miragem preferida se aproxima.

II - Mamãe Noel

Fim de ano chegando, tempo de pensar na vida, pesar os pontos bons vividos, analisar os inevitáveis entraves. Tirar os calos dos pés, as unhas encravadas, o pelo crescido das narinas. Polir as orelhas, que também se encheram daqueles tristes cabelos caídos da calva.

Fim de ano: sinônimo explícito de velhice.

Alguns ficam tristes, se amuam, casmurros, em seus casulos.

Eu não, pois tive uma infância feliz; com pais bons, amorosos, que sempre espremiam a pobreza e compravam o mais simples presentinho de Natal. Quando não tinha, bastava ir à casa de Dona Tizinha pegar uma bola canarinho, um apito... um sonho!

Os tempos mudaram, os irmãos se espalharam, o pai se foi, a mãe resiste firme: Mamãe Noel!

III - Duende Verde

Na esquina da 13 de Maio com Carapinima o já tradicional Papai Noel Verde pede tranquilamente suas esmolinhas. A barba branquinha reluz ao sol, de vez em quando dá um tchauzinho e um sorriso irônico ao vendedor de churros no outro lado da rua. Que não lhe retribui, mas sapeca baixinho para o freguês:

- O pilantra tem uma vila de casas lá no Parque São José. Diz pra todo mundo que todo Natal levanta mais uma.

IV - Nossa Senhora de Assunção

Ali no cruzamento da Duque de Caxias com Assunção uma preta velha de seus 60 anos rege a filha de 15 que já lhe deu dois netos. Levanta a mão apontando o carro com o vidro abaixado que se aproxima.

Como se movesse os fios de marionetes a velhota controla a filha, as duas netas, além de cinco ou seis crianças que tomou emprestado das vizinhas.

De tardinha ressona encostada na parede; os meninos brincam dispersos pela calçada. A filha tenta se livrar do abraço do vendedor de CDs piratas.

V - Outdoor

No radinho de pilha do vendedor de bombons na parada de ônibus da 24 de Maio:

"Os dois bons velhinhos se livraram das roupas e do gorro no cesto de lixo assim que terminaram o assalto, mas não foram encontradas as barbas..."

O dono da banca e duas senhoras com sacolas de compras olharam desconfiadas para o Papai Noel da loja de roupas, que tranquilamente descansava, sentado à sombra do outdoor no banquinho do Paratodos, as velhas pernas.

Na sua mão esquerda uma latinha de Coca-Cola.

Foto do Pedro Salgueiro

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