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Atrás da porta
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Escreveu livros de literatura fantástica e de contos, como

Atrás da porta

Tipo Opinião

O mestre Dalton Trevisan (o mais recluso e misterioso escritor brasileiro) costuma escrever referências autobiográficas camufladas em seus contos: no meio de um diálogo aparentemente banal, não raras vezes no próprio título da história, ou mesmo em "orelhas" não assinadas de seus primeiros livros, ele dá pistas de suas leituras, de suas fontes históricas e literárias, até de seus métodos para apreender suas famosas narrativas, de como as escreve, e não raramente em frases cheias de ironias e "cascas de bananas" que só quem conhece muito bem sua obra vai decifrando aos poucos.

Numa delas dizia: "O que não me contam escuto atrás da porta".

Tempos depois de encontrar a intrigante (e instigante) frase num de seus livros li num artigo escrito pelo poeta José Paulo Paes (seu colega de juventude na Curitiba dos anos 1950) que um grupo de insipientes escritores costumava andar pelas ruas bisbilhotando pelas frestas das portas e janelas e escutando conversas alheias: o nosso Vampiro de Curitiba era um deles.

***

Quase todos os escritores têm como fonte de sua literatura conversas ouvidas das mais diferentes maneiras, umas lícitas, outra nem tanto...

Eu propriamente (descontando a desigual comparação) vivo de ouvido aceso, em filas de bancos, em alcovas, nos escurinhos dos cinemas, pois daí pode surgir uma pérola anônima, um bom tema para um conto, ou no mínimo um mote para uma conversa banal na repartição ou mesa de bar.

Certa vez vinha eu num ônibus com o ouvido atento a um relato escabroso de traição contado por certaa senhora numa cadeira da frente. Já passava uns dois quarteirões de minha parada quando a tal senhorinha simplesmente resolveu mudar de assunto. Senti uma vontade danada de lhe dar uns "cascudos".

Desci irritado e sem o final esperado de meu conto.

Não raras foram as vezes em que não consigo escutar todo o desenrolar de uma fofoca, notícia no rádio, conversa de estranho ou mesmo filme na TV (talvez por isso muitos de meus continhos não tenham um final, o que tem irritado por demais os meus parcos leitores).

Mas dia desses travei estes dois estranhos diálogos reproduzidos abaixo (não por possuírem, em si, algum valor literário, muito mais por terem as palavras ficado rodopiando em minha mente por bastante tempo, quando então peguei uma caneta e anotei mais para me livras delas):

Na rua:

— Oh, cristão, me dê ajuda para eu enterrar uma neta de vinte dias que morreu de cansaço!

— Perdão, minha senhora...

No ponto de ônibus:

— Olha, meu filho, a situação está difícil...

— Pois é...

— Outro dia encontrei um ex-aluno meu na Praça do Ferreira e ele quase chorando me confessou...

— Sim!?

— Moço! (Apurando a vista)... É o Parangaba/Papicu?

— É, sim, senhora!

— Obrigada!...

— Eeeiii?

— Até logo, meu filho!...

Foto do Pedro Salgueiro

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