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EUA e Brasil de precisam de uma nova polícia
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Plínio Bortolotti integra do Conselho Editorial do O POVO e participa de sua equipe de editorialistas. Mantém esta coluna, é comentarista e debatedor na rádio O POVO/CBN. Também coordenada curso Novos Talentos, de treinamento em Jornalismo. Foi ombudsman do jornal por três mandatos (2005/2007). Pós-graduado (especialização) em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

EUA e Brasil de precisam de uma nova polícia

Uma mudança estrutural começa a acontecer nos Estados Unidos como resultado das manifestações que levaram milhares de americanos às ruas de mais de 400 cidades. Os protestos, devido ao assassinato do negro George Floyd, sufocado sob o joelho de um policial branco, provocaram uma explosão de movimentos antirracistas, que se espalharam pelo mundo. A principal exigência dos manifestantes americanos é a reforma ou a abolição dos departamentos policiais, subordinados às prefeituras.

Minneapolis
Isso já começou a acontecer em Minneapolis, cidade onde Floyd foi morto. O Conselho Municipal (equivalente à Câmara de Vereadores no Brasil) decidiu criar um novo sistema de segurança pública, por julgar impossível qualquer reforma na corporação. A maioria formada por nove votos é à prova de veto, portanto, a medida será implementada. O exemplo de Minneapolis poderá levar à mudança nas forças de segurança locais, pois o mesmo problema se repete por todos os Estados Unidos. (Com informações da Folha de S.Paulo, 6/6/2020.)

Brasil
Vendo o que acontece nos Estados Unidos, os governadores brasileiros deveriam pôr suas barbas de molho. Nos EUA, tanto faz se um governo é Democrata ou Republicano, a polícia continua agindo com a mesma desenvoltura, a mesma violência, os mesmos preconceitos, sem que os prefeitos consigam pôr-lhes freio.

No Brasil, não importa se o governo é de direita ou de esquerda, do PT ou do DEM, do PSDB ou do MDB - ou qualquer outra a sigla da sopa de letrinhas do sistema partidário brasileiro. A polícia continuará a agir sem controle, com a mesma truculência; a mesma intolerância com os de baixo, sem que os governadores consigam controlá-las.

Governadores
Pelo contrário, mesmo governadores de esquerda têm o hábito de defender ações indefensáveis da polícia, ou apelar para o famoso “caso pontual”, quando a situação é aberrante por demais. Talvez algum governador tenha a consciência de que problema é estrutural. Porém, falta-lhe coragem para atacá-lo pela raiz.

A lógica da guerra
Há 10 anos (29/7/2010) escrevi para este jornal o artigo “A nova velha polícia”, criticando as chamadas “abordagens desastradas” da Polícia Militar, que culminavam com a morte de inocentes.

Essa prática é sempre apresentada por autoridades com uma eventualidade, mas na verdade é um método a ser extirpado. No mesmo artigo - por esse e por muitos outros motivos - anotei ser impossível qualquer “reforma” na corporação, sendo necessário “começar tudo de novo”.

A polícia brasileira age pela lógica da guerra, na qual o cidadão - principalmente pobres, pretos e moradores das periferias - é visto como inimigo a ser combatido. As incursões nas favelas, principalmente no Rio de Janeiro, estão aí para provar. A conta dessas perseguições a supostos traficantes é cobrada trabalhadores e de seus filhos à base de atrocidades e de mortes por “balas perdidas”.

Nada justifica o assassinato de uma criança sob a desculpa de supostas falhas operacionais. Mas foi isso que aconteceu com João Pedro, 14 anos, morto com um tiro, dos 70 que crivaram a casa da tia, onde ele estava. Antes dele foi Ághata Félix, de oito anos, abatida com um tiro de fuzil. Antes deles foi…. e antes, e antes e antes - um círculo perverso e sem fim.

Aqui é Alphaville
O tenente-coronel Ricardo Augusto Nascimento de Mello, comandante da Rota a tropa de “elite” da PM de São Paulo, em entrevista ao Uol (24/8/2017), mostrou como a banda toca, dizendo que a abordagem de um cidadão nos Jardins (a “Aldeota” de São Paulo) tem de ser diferente do baculejo na periferia: “São pessoas diferentes que transitam por lá (na periferia)”. Fiquei deveras curioso para entender a diferença: será que na periferia as pessoas têm quatro orelhas?

No fim do mês passado, um policial paulista recebeu uma lição de como as abordagens são diferentes. Atendendo chamado para verificar um caso de espancamento doméstico, uma viatura dirigiu-se a um condomínio de ricos, dando-se o seguinte fato durante a abordagem.

O empresário suspeito esperou a guarnição policial na porta de sua casa, recebendo-a com uma chuva de palavrões e ofensas pessoais, concluindo assim o seu educativo discurso: “Você (o PM) pode ser macho na periferia, mas aqui você é um bosta. Aqui é Alphaville, mano”.

Depois, o empresário foi algemado, levado à delegacia, porém liberado. Ok, os PMs mantiveram a calma e fizeram o serviço como deve ser feito. Mas pense por um segundo: se fosse na periferia; se fosse um negro na frente de um barraco desacatando os policiais, eles agiriam da mesma forma? (O vídeo circula pela internet.)

Politização da PM
Além de tudo isso, a Polícia Militar deu mais um passo no sentido de se tornar um poder independente, desafiando governadores com seguidos motins. Esses atentados à legalidade não são mero acaso - e podem ser o embrião de uma milícia dentro da PM.

Também não surpreende o apoio que esses movimentos receberam do presidente Jair Bolsonaro, pois ele não esconde o seu incentivo a um movimento armado dentro do Brasil, como revelou na famosa reunião de ministros de 22/4/2020.

Uma Polícia Militar, que hoje obedece mais à política de Bolsonaro do que as ordens dos governadores, é um perigo à democracia. E aprofunda a necessidade de os chefes de Executivos estaduais tomarem muito cuidado com a corporação, submetendo-a a controles democráticos.

Quanto à esquerda e a direita democráticas, o momento é de elaborar um projeto para estruturar uma força de segurança pública adequada à democracia. Um bom início seria estudar o que vai acontecer em Minneapolis.

Foto do Plínio Bortolotti

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