É preciso reconhecer que, pelo menos uma vez, algum integrante da família Bolsonaro tem razão. Trata-se do deputado federal a Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que declarou em maio, quando criticava o Supremo Tribunal Federal (STF), não se discutir mais se haveria uma ruptura democrática, mas sim “quando isso vai ocorrer". Esse cidadão é o mesmo que anteriormente ameaçara fechar o STF com auxílio de “um cabo e um soldado".
Desfecho
De fato, a situação está no caminho de um desfecho: ou se detém o intento golpista ou ele nos devorará. Parece impossível o País chegar até à próxima eleição com a instabilidade instalada em todos os campos. E pedir equilíbrio ao presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores fanáticos equivale a esperar que o escorpião mude a sua natureza. Ele continuará nessa marcha da insensatez até ser detido ou implementar um regime autoritário no Brasil. O presidente tem ao seu lado um setor das Forças Armada, aboletado no governo, e sob as ordens bolsonarianas, mesmo as as mais absurdas, mesmo aquelas em confronto com a Constituição.
Constituição
A Carta Maior, em qualquer país democrático do mundo, “governa quem governa”*. Porém, no Brasil militares e a extrema direita se apegam pateticamente ao artigo 142 da Constituição, sob a alegação falsa de que esse dispositivo dá às Forças Armadas o poder “moderador”.
Somente muita má-fé pode levar a uma interpretação desse tipo. A Constituição de 1988 foi escrita sobre as cinzas da ditadura militar e os constituintes não iriam entregar tamanho poder aos militares, que haviam saído, literalmente, pela porta dos fundos do Palácio do Planalto** para voltar aos quartéis.
Democracia em perigo
Os acontecimentos mais recentes estabelecem a medida de como a democracia está em perigo iminente. Mostram que um golpe de força ainda não foi desferido pela resistência das instituições da democracia, incluindo a imprensa, somando-se agora as manifestações de rua. Isso infunde um certo temor aos golpistas. Porém, eles não desistem.
Primeiro, vem o titular da Secretaria de Governo, o general Luiz Eduardo Ramos, pregar regras de como se deve fazer oposição ao governo. Afirmou ele ser “ultrajante e ofensivo" falar em golpe por parte das Forças Armadas, mas ameaça: “Não estica a corda". (Entrevista à revista Veja) General da ativa, participou de ato em que os manifestantes pediam intervenção militar, fechamento do Congresso e do STF. Estava ao lado de seu chefe, Jair Bolsonaro.
Artigo 142
Para Eduardo Ramos, “passar do ponto" seria equiparar Bolsonaro a Hitler. De fato, a comparação é descabida. Afinal, Bolsonaro queria matar “só" 30 mil brasileiros em uma guerra civil, como disse em uma antiga entrevista. Mas general, exagero em comparações não pode ser desculpa para golpe. E o sr. não está em um quartel (para onde deveria voltar) para dar ordens aos brasileiros como se todos fossem seu subordinados.
Em seguida, veio a liminar do ministro do STF, Luiz Fux, reafirmando o óbvio: o artigo 142 da Constituição não dá aos militares o “poder moderador”. Reconhece (também óbvio) que a autoridade do presidente da República é “suprema em relação a todas as demais autoridades militares”. Porém, “não o é em relação à ordem constitucional". (Essa última parte parece não ser muito óbvia para os golpistas.)
Ameaças golpistas
No mesmo dia, sai uma nota assinada pelo presidente Bolsonaro, pelo vice Hamilton Mourão e pelo ministro da Defesa general Fernando Azevedo afirmando que as Forças Armadas não cumprem “ordens absurdas", como pedidos para a “tomada de poder", mas também “não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos".
Por óbvio (de novo) essa última parte é uma ameaça velada à Justiça, devido aos processos que correm tanto no STF (e podem envolver o presidente), quanto no Tribunal Superior Eleitoral, este com a possibilidade de levar à cassação da chapa Bolsonaro/Mourão. Ou seja, os três militares estão tentando intimar a Justiça para que lhes forneçam julgamentos favoráveis, ou...
Polícia Militar
Some-se a isso, a obediência que um setor da Polícia Militar vem dedicando ao presidente Bolsonaro, por cima da autoridade dos governadores. Suspeita-se, inclusive, que a PM de Brasília facilitou a montagem da bateria de fogos de artifício sobre o Supremo, na noite de sábado simulando um bombardeio à Corte. Um dos manifestantes gritava perguntando que o STF havia “entendido o recado”. E o caldo venenoso vem sendo preparado à luz do dia, à vista de todos.
Os sinais são muito. Não os vê quem não quer. Ou quem concorda com aqueles que querem pisotear a ordem democrática. Em horas assim, quem declara “neutralidade” está a favor do golpe.
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* “A Constituição governa quem governa", expressão do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto, em entrevista à CNN.
** O general João Figueiredo, o último presidente da ditadura militar, recusou-se a participar da cerimônia de posse de José Sarney na Presidência, saindo pela porta dos fundos do Palácio do Planalto.