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"O governo Bolsonaro é uma arquitetura da destruição"
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Plínio Bortolotti integra do Conselho Editorial do O POVO e participa de sua equipe de editorialistas. Mantém esta coluna, é comentarista e debatedor na rádio O POVO/CBN. Também coordenada curso Novos Talentos, de treinamento em Jornalismo. Foi ombudsman do jornal por três mandatos (2005/2007). Pós-graduado (especialização) em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

"O governo Bolsonaro é uma arquitetura da destruição"

“A guerra cultural permitiu o êxito realmente surpreendente, pela força do bolsonarismo. A guerra cultural bolsonarista assegurou uma força que o Bolsonaro nunca teve. Agora, há uma armadilha nisso. É a guerra cultural bolsonarista que assegura o êxito incomum do bolsonarismo como movimento político capaz de causar paixão mobilizadora, e, ao mesmo tempo, não permite que haja governo. Porque não há guerra cultural bolsonarista sem a invenção, em série, de inimigos. É uma ironia perversa.”

Esse é um trecho das declarações do professor João Cezar de Castro Rocha, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Uerj), em entrevista concedida ao jornalista Wilson Tosta, do jornal O Estado de S. Paulo: “‘Sucesso do bolsonarismo inviabiliza governo Bolsonaro', diz pesquisador” (23/6/2020). O professor lançará, no próximo mês, o livro “Guerra cultural e retórica do ódio (Crônicas do Brasil)", aprofundando a análise sobre o governo do presidente Jair Bolsonaro.

Para ele, a pandemia do novo coronavírus pôs o governo Bolsonaro frente a uma realidade que não admite a “disputa de narrativas”, pois perfila as pessoas frente à morte. “A morte não é um meme, e a vida não se reduz à disputa de narrativas.” Ainda, segundo o professor, o êxito do bolsonarismo levará o governo à ruína.

Entendendo o paradoxo de o bolsonarismo tornar-se vítima do próprio êxito

Segundo o professor, o governo Bolsonaro sustenta-se em quatro eixos:

Segurança nacional
1. A criação de uma doutrina da segurança nacional repaginada para "os tempo da democracia". No período ditatorial, a lei de segurança previa a eliminação física do inimigo interno. Como não é mais possível fazer isso em tempos democráticos, o bolsonarismo voltou-se para outro “inimigo” a ser liquidado: as instituições da cultura, da educação da ciência, do meio ambiente, dos direitos humanos e da cidadania.

Orvil
2. O segundo eixo seria o “Orvil” (livro ao contrário), projeto desenvolvido “de forma secreta” entre 1986 e 1989 pelo então ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves (governo Sarney). O "Orvil" foi contraponto ao livro "Brasil nunca mais", que relacionou os casos de tortura e mortes ocorridas durante a ditadura (1964-1985). Para o "Orvil", os atos da ditadura seriam justificáveis, pois grupos armados de esquerda cometeram crimes, e queriam implantar uma ditadura comunista no Brasil.

Nessa mesma perspectiva, ecoam os argumentos bolsonaristas, que fantasiam uma intriga internacional conduzida por "comunistas" para implantar no Brasil uma "China tropical". Porém, ainda no viés bolsonarista, a esquerda não mais recorreria às armas, porém infiltra-se em todos os ambientes da cultura, nas universidades e na educação, com o objetivo de fazer com que a revolução seja feita por esses meios, e não pela luta armada.

Assim, diz o professor, tudo seria válido para combater o "inimigo" comunista. Isso permite ao bolsonarismo a “lançar mão de um silogismo absurdo: para restaurar a liberdade, intervenção militar”.

Olavo de Carvalho
3. O terceiro elemento dessa construção é o "sistema de crenças de Olavo de Carvalho". Para o professor, o guru bolsonarista faz uma "pregação", que tornou a matriz do "Orvil" mais sofisticada. Carvalho teria montado uma espécie de seita, impossível de ser combatida pela razão, pois qualquer argumento torna-se inócuo: "Um sistema de crenças não pode ser combatido racionalmente”. Quanto mais se ataca um sistema de crenças a partir do exterior, “mais ele se fortalece internamente".

Neopentecostais
4. O quarto elemento dessa equação seria a “coincidência inesperada” entre o tripé - citados nos itens anteriores - e os evangélicos. Para o professor, a mentalidade neopentecostal é "agônica, bélica e enxerga o dia a dia como uma batalha entre o bem, que se deve alcançar, e o mal que nos persegue". Por essa visão, Bolsonaro venceu a eleição porque é "ungido de Deus".

A armadilha se fecha
Segundo João Cezar, “a guerra cultural bolsonarista assegura o êxito incomum do bolsonarismo como movimento político capaz de causar paixão mobilizadora, e, ao mesmo tempo, não permite que haja governo. Porque não há guerra cultural bolsonarista sem a invenção, em série, de inimigos. É uma ironia perversa.”

Isso explicaria, inclusive a inação do governo frente à pandemia do novo coronavírus. “Em lugar de administrar a crise, de vislumbrar um futuro difícil e se antecipar a ele, Bolsonaro gasta o tempo inteiro criando inimigos políticos. Ou seja,  existe "bolsonarismo em excesso para governo em absoluta ausência. Não temos governo, e não teremos governo". E completa: “O governo Bolsonaro é uma arquitetura da destruição”.

Análise
Alguns dos temas analisados pelo professor João Cezar de Castro Rocha já foram abordados em meus textos ou comentários na rádio O POVO/CBN, a exemplo da necessidade de o bolsonarismo criar de inimigos seriais; da destruição sistemática das instituições; da sujeição ao “guru” Olavo de Carvalho e da guerra permanente contra a cultura, a educação, o meio ambiente e os direitos humanos.

Porém, é bastante original e interessante a tese defendida por ele de que o bolsonarismo será vítima de seu próprio sucesso, pois a agressividade exigida para manter uma base fanatizada de apoio na extrema direita, o impede de governar. De fato, é o que se está vendo desde quando Bolsonaro assumiu a presidência da República no dia 1º de janeiro de 2019. Um país sem rumo, em direção ao abismo.

Foto do Plínio Bortolotti

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